Viagem ao extremo oriente do Brasil

Território nacional mais próximo da África, arquipélago de São Pedro e São Paulo expõe particularidades que surpreendem cientistas e marinheiros

Estação científica na ilha de Belmonte, a principal do arquipélago de São Pedro e São Paulo, a 1.100 km de Natal (RN)

Fauna marinha

Alta do número de tubarões afeta pesca, mas é sinal de biodiversidade

Com a pele maltratada pelo sol, Aristides Câmara de Melo, que comanda o barco Transmar 1, aparenta ter mais que os seus 59 anos. Os vincos no rosto de quem trabalha no mar desde os 16 anos ficam nítidos quando ele, homem de risada fácil, esboça um sorriso. No entanto, o mestre do barco, como é chamado, demonstrava preocupação quando a reportagem o acompanhou no Transmar 1.

A principal tarefa dele e dos seis homens da sua equipe é oferecer apoio aos cientistas de todo o país que desenvolvem pesquisas no arquipélago de São Pedro e São Paulo, a área mais oriental de todo o território do Brasil. Aristides e seus companheiros de mar não pertencem à Marinha, mas são pagos pela instituição para ajudar os pesquisadores, como nas atividades de mergulho.

Além desse apoio, eles se dedicam à pesca ao longo das duas semanas em que permanecem em torno das ilhas. Depois, são rendidos por outra equipe em outro barco, que vem de Natal –embora pertença a Pernambuco, o arquipélago fica mais próximo do Rio Grande do Norte.

"[O número crescente de tubarões] está atrapalhando a gente. Pode acabar a pesca por aqui", diz Aristides. Ele acredita que a população desses peixes tenha começado a aumentar há três, quatro anos.

À noite, hora de pescar, os homens do Transmar 1 buscam, sobretudo, o atum, de alto valor comercial, mas os tubarões têm afugentado o alvo da pesca. Nos 16 dias que antecederam a entrevista, a tripulação havia capturado 28 atuns. Em outros tempos, lembra Ramiro Teixeira da Silva, já teriam passado de 200 os peixes apanhados àquela altura.

Com 65 anos e três décadas de trabalho em barcos dedicados à pesca, Silva afirma nunca ter visto tamanha quantidade de tubarões na região como nos últimos cinco anos.

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Por volta de 18h30 de 24 de março, o mar que rodeia o arquipélago, antes azul-turquesa, já havia dado lugar a uma enorme mancha escura. Era difícil distinguir onde acabava o mar e onde começava o céu.

O Transmar 1 chegou a uma área com grande incidência de peixes-voadores, e os seus tripulantes acenderam luzes fortes em direção ao mar para atraí-los. Não passaram sequer três minutos para que os bichos começassem a rodear o barco. As barbatanas peitorais longas servem como asas de um planador, que permitem aos peixes-voadores dessa região saltar por uma distância de até 4 m.

Em geral, esses "voos" não ultrapassavam 50 cm de altura, mas havia peixes capazes de ir além de 1 m, o que levava alguns deles a cair dentro da embarcação. Um atingiu as costas deste repórter –por sorte, era um exemplar pequeno. Nos arredores do arquipélago, há registro de peixes-voadores de até 36 cm.

O zigue-zague na superfície do oceano provocava fascínio em todos a bordo, mas o espetáculo principal estava por vir. Dois minutos depois de os peixes-voadores dominarem a área, surgiu um tubarão de cerca de 2 m à direita do barco. Após alguns segundos, outro é visto atrás do Transmar 1. Em menos de cinco minutos, os protagonistas ocuparam definitivamente a cena.

O Transmar 1 ficou rodeado por cerca de 50 tubarões, segundo estimativa do oceanógrafo Jorge Eduardo Lins, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que também estava no barco. Os peixes-voadores emergiam da água como raios enquanto os tubarões se movimentavam mais lentamente. A velocidade superior da presa, contudo, parecia inútil diante dos predadores.

Durante 30 minutos, a cena em que um tubarão tirou a cabeça da água para abocanhar o peixe-voador se repetiu incontáveis vezes.

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O oceanógrafo observava o embate no mar com a excitação de um artilheiro que vê a bola diante do gol. Lins logo colocou na água o apetrecho que acabara de montar para registrar a ação dos tubarões. Era uma GoPro (pequena câmera digital resistente à agua) amarrada na ponta de um bambu.

O fuzuê no mar exigia agilidade do oceanógrafo, que conseguiu fotografar os peixes embora tivesse que suspender o bambu rapidamente diversas vezes. Caso contrário, os bichos poderiam danificar a câmera. Ao lado de Lins, o mestre Aristides se divertia com o sobe-e-desce da haste.

Nessa meia hora, não houve pesca. Naquele início de noite, o objetivo dos homens do Transmar 1 era mostrar a Lins e à reportagem a quantidade espantosa de tubarões que vinham à superfície à procura dos peixes-voadores. De qualquer modo, caso tentassem pescar, dificilmente teriam sucesso.

Ao observar a movimentação ao redor do barco, mestre Aristides comentou: "Se está assim, cheio de tubarões perto da superfície, imagine quanto haverá mais abaixo".

'Fertilização'

Lins também crê que a população de tubarões nas proximidades do arquipélago tenha aumentado nos últimos anos, embora observe que é preciso um estudo mais detalhado para indicar a taxa de crescimento.

No entanto, diferentemente dos pescadores, o oceanógrafo não avalia o fato como negativo. "A pesca feita no entorno do arquipélago é artesanal, muito incipiente. A atividade pesqueira não está entre os objetivos principais das operações aqui", afirma Lins.

De fato, a única embarcação permanentemente na área é o pequeno barco responsável pelo apoio aos pesquisadores. O navio da Marinha, no qual viajou a reportagem da Folha, vai a São Pedro e São Paulo quatro ou cinco vezes por ano.

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Para Lins, a alta do número de tubarões é, "a princípio, uma boa notícia" no que diz respeito à biodiversidade. De acordo com ele, esse crescimento pode ser decorrência de uma oferta maior de alimentos nos arredores do arquipélago. "É uma zona de grande fertilização", diz.

Mas o oceanógrafo lança ainda outra hipótese, complementar à primeira. A expansão pode ser uma consequência de decisão da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora (Cites, em inglês), que proibiu no início de 2013 a captura de algumas espécies de tubarões.

A iniciativa da convenção foi muito influenciada por determinação da Comissão Internacional para Conservação do Atum do Atlântico (ICCAT, em inglês), de 2012, que já vetava a pesca de espécies como o tubarão-martelo. O Brasil é signatário da ICCAT.

A pesquisadora Danielle de Lima Viana, uma das organizadoras do livro "O Arquipélago São Pedro e São Paulo - 10 Anos", também celebra o aumento da quantidade de tubarões. Ela se recorda que um dos textos do livro, lançado em 2008, mencionava que o tubarão-das-galápagos estava praticamente extinto.

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Agora, diz Danielle, há fortes sinais da existência desse tubarão, cujo nome científico é Carcharhinus galapagensis, entre os cardumes nos arredores de São Pedro e São Paulo. "Teremos um resultado mais definitivo nos próximos meses", afirma.

Um dos temas de pesquisa de Danielle foi o tubarão-baleia, o maior peixe dos oceanos –em 1987, em Taiwan, foi encontrado um espécime com 20 m e 34 toneladas. De acordo com a pesquisadora, é justamente São Pedro e São Paulo a área com maior probabilidade de encontrar o tubarão-baleia dentro da faixa oceânica sob jurisdição do Brasil. Entre 2000 e 2008, período do estudo realizado por ela, essa espécie foi vista mais de cem vezes nos arredores das ilhas.

Não se viu peixe-tubarão nos três dias em que a reportagem permaneceu no arquipélago. Entre os tubarões observados, de espécies ainda não identificadas, o maior media em torno de 3 m "apenas".

Os jornalistas Naief Haddad e Marcus Leoni viajaram ao arquipélago de São Pedro e São Paulo a convite da Marinha do Brasil

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