Viagem ao extremo oriente do Brasil

Território nacional mais próximo da África, arquipélago de São Pedro e São Paulo expõe particularidades que surpreendem cientistas e marinheiros

Fezes das aves, especialmente dos atobás, deixam as rochas esbranquiçadas; no alto, o farol, construído com fibra de vidro

ciência

Estação sobre os rochedos já recebeu mais de 1.300 pesquisadores

"Esse arquipélago não é para amadores", afirma o zoólogo Estevam Araújo, 37, referindo-se a São Pedro e São Paulo, onde ele permaneceu entre 23 de abril e 8 de maio deste ano.

"É um ambiente hostil, que requer grande preparo de pesquisadores como eu. Por outro lado, é isso que eu esperava do arquipélago, que esteja assim, preservado", diz Araújo, que prepara o doutorado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Seu tema de estudo é o Collembola, inseto minúsculo (os maiores no local têm 1 mm, no máximo), que se alimenta de algas, fungos e animais em decomposição.

Para se tornar apto para o trabalho no arquipélago, sob condições severas de mar e vento, o zoólogo participou de treinamento de uma semana em Natal, promovido pela Marinha. Ele teve orientações sobre primeiros socorros, combate a incêndio e sobrevivência no mar e aprendeu a manejar equipamentos, como o sistema dessalinizador, que produz água potável a partir da água do mar. Também passou por uma rigorosa avaliação de saúde.

Antes de Araújo, mais de 1.300 pesquisadores de 20 universidades brasileiras passaram por essa preparação antes desembarcar em São Pedro e São Paulo. Desde que foi inaugurada, em 1998, a estação científica do local recebe quatro cientistas ou estudantes por vez. Eles permanecem no local por duas semanas, em média.

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"O arquipélago funciona como um laboratório para a formação de recursos humanos voltados para as ciências do mar", afirma o capitão-de-corveta Marco Antônio Carvalho de Souza, gerente do Proarquipélago (Programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo).

Construída sobre rochedos, a estação recebe alunos de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado oriundos de áreas como biologia, zoologia, geologia, oceanografia e farmácia.

De acordo com Carvalho, a manutenção da estação pela Marinha custa em torno de R$ 2 milhões por ano, gasto que inclui ainda o treinamento dos pesquisadores e o deslocamento deles até o arquipélago em pequenos barcos. "Em função da proximidade do mar, a deterioração dos equipamentos é muito acentuada", acrescenta o capitão-de-corveta sobre as despesas do programa.

Durante a visita da reportagem às ilhas, técnicos se dedicavam ao conserto do sismógrafo e da antena da Embratel, que serve de local de pouso para os atobás.

Habitués

Para desenvolver os estudos em São Pedro e São Paulo, não basta ao acadêmico o treinamento em Natal. Antes, ele terá que se submeter a um edital do CNPq.

Se a metodologia científica for aprovada pelo conselho de pesquisadores da agência de fomento, o projeto é enviado para uma equipe do Proarquipélago, que analisa as condições logísticas para levá-lo adiante.

Cumpridas essas etapas, o pesquisador viaja em um pequeno barco por quatro dias para chegar a São Pedro e São Paulo.

As dificuldades de acesso não impedem que alguns cientistas se tornem habitués dessas ilhas rochosas a meio caminho da África.

A bióloga Danielle de Lima Viana, ligada à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), assistiu a uma palestra sobre São Pedro e São Paulo em 2003, quando ainda estava na graduação.

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O arquipélago, sobre o qual nunca tinha ouvido falar, tornou-se uma obsessão para a pesquisadora de 36 anos, que viajou ao local pela primeira vez em 2005. Realizou uma primeira pesquisa sobre os tubarões-baleias –nos mares brasileiros, São Pedro e São Paulo é onde há maior incidência da espécie.

No mestrado, seu tema foi a cavala, peixe com grande presença na região do arquipélago. No doutorado, Danielle estudou o peixe-prego da espécie Ruvettus pretiosus, que vive nas profundezas do mar.

Ela já perdeu a conta de quantas vezes viajou a São Pedro e São Paulo –pelo menos 30, arrisca a pesquisadora.

Outro grande conhecedor do arquipélago é o oceanógrafo Jorge Eduardo Lins de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ele também acredita que suas visitas ao local já tenham passado das três dezenas.

"Fazendo analogia com as corridas de carros, o arquipélago é como um 'pit-stop', onde os peixes se abastecem. Fica numa região acima da linha do Equador onde passam os grandes pelágicos, como baleias, tubarões e golfinhos. Há uma formação rochosa em torno da qual se desenvolveu uma rica cadeia alimentar", afirma Lins de Oliveira.

"Além disso, por conta do isolamento geográfico, existem na área seres vivos que não se distribuíram ao longo do tempo. Só são encontrados lá [endêmicos]", complementa o professor, que cita espécies de algas e corais.

De acordo com estudo publicado no livro "O Arquipélago São Pedro e São Paulo: 10 anos de Estação Científica", há no local 60 espécies de peixes que vivem em torno dos arrecifes. Desses, cinco só são encontrados no arredores do arquipélago, como o Stegastes sannctipauli, um tipo de peixe-donzela, herbívoro e de cor amarela.

Quando entrevistado pela Folha, Araújo, da UFRJ, ainda coletava os Collembolas. Embora estivesse em fase inicial da pesquisa, ele acreditava que eram grandes as chance de identificar espécies endêmicas do inseto devido ao ambiente insular.

Nova estação

Junto com outros três pesquisadores, o zoólogo usou a estação científica como espaço de trabalho, mas também como dormitório.

Trata-se de uma construção de madeira de 45 metros quadrados, que se sustenta em colunas pré-fabricadas de concreto, com 1,80 m.

A atual estação foi erguida em 2008, em substituição à primeira, que é de 1998. Ambas foram projetadas pelo Laboratório de Planejamento e Projetos da Universidade Federal do Espírito Santo.

Como uma nova estrutura é montada a cada década, o arquipélago deve ganhar nova estação científica em 2018. Desta vez, o projeto será feito em "casa" –ficará a cargo do Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo.

De acordo com Carvalho, não há uma estimativa de custo para essa construção porque sua equipe busca empresas que atuem em parceria com a Marinha, doando materiais, por exemplo.

Na nova obra, cada coluna será mais alta, com 3 m. Assim, os estragos causados pelas marés altas –comuns especialmente nos primeiros anos de estação– devem se tornar mais improváveis.

Outra preocupação na elaboração do projeto é a frequência de terremotos. "No arquipélago, a gente sente tremidinhas, mas nunca sabemos se é um abalo sísmico ou a força da batida das ondas", conta Araújo.