Viagem ao extremo oriente do Brasil

Território nacional mais próximo da África, arquipélago de São Pedro e São Paulo expõe particularidades que surpreendem cientistas e marinheiros

Rochedos do arquipélago de São Pedro e São Paulo, que foi descoberto em 1511

história

Darwin conheceu aves ‘mansas e estúpidas’ de São Pedro e São Paulo

"Nos rochedos só encontramos duas qualidades de aves –uma espécie de pelicano e outra de gaivota, ambas tão mansas e estúpidas, talvez em virtude de não se acharem acostumadas a ver visitantes, que eu poderia ter abatido quantas quisesse com meu martelo geológico."

São observações do ambientalista inglês Charles Darwin (1809-1882) sobre o arquipélago de São Pedro e São Paulo, por onde passou em 16 de fevereiro de 1832.

Ao falar a respeito de "uma espécie de pelicano", ele provavelmente se referia aos atobás, aves de bico pontudo que vivem às centenas no local. A passagem por essas ilhas do oceano Atlântico integrou a primeira parte de sua viagem ao redor do mundo, a bordo do HMS Beagle. A expedição, que se estendeu de 1831 a 1836, resultou no livro "A Viagem do Beagle".

Três décadas depois, Darwin se consagrou ao lançar "A Origem das Espécies", obra em que apresenta a Teoria da Evolução.

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O naturalista ficou impressionado quando se viu "rodeado de pássaros por todos os lados e, não menos importante, observou que eles permaneciam imóveis diante da presença humana", como registra o livro "O Arquipélago São Pedro e São Paulo - o Brasil no Meio do Atlântico", lançado em 2015.

Segundo o livro, organizado pela Marinha e por professores de universidades de Pernambuco e Rio Grande do Norte, "Darwin adquiriu fascínio sobre o arquipélago, sendo um dos primeiros a sugerir que era único entre as ilhas oceânicas".

Essa singularidade sinalizada pelo ambientalista relaciona-se à formação geológica dessas ilhas. Darwin não avançou no detalhamento a respeito da coluna rochosa sobre a qual está São Pedro e São Paulo –os estudos minuciosos sobre o tema por pesquisadores do Brasil e do exterior só começaram no final do século 20. Mas o inglês estava certo ao apostar em um fenômeno muito particular.

Batismo

Darwin foi o mais notável entre os navegadores que passaram por São Pedro e São Paulo, mas não o primeiro.

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Em 1511, um acidente levou à descoberta do arquipélago. "Um dos seis navios guiados por Dom Garcia de Noronha, que navegava do Brasil para a ilha de São Tomé, na costa africana, perdeu-se durante a noite e chocou-se com os rochedos", descreve "O Brasil no Meio do Atlântico". Chamava-se São Pedro o navio que afundou.

Em 1513, o navegador espanhol Juan da Nova de Castello fez o primeiro registro a respeito das pequenas ilhas. Após seis anos, o arquipélago apareceu nas anotações do cartógrafo português Jorge Reinel.

A partir daí, o nome, ao ser abreviado, começou a ser confundido com São Paulo, o que tornou corrente o uso de São Pedro e São Paulo. Essa é uma versão para o batismo do arquipélago.

Outra versão conta que, durante o naufrágio, a tripulação do São Pedro foi socorrida por um outro navio da frota, o São Paulo. Daí a associação dos nomes.

Naufrágios

Com pequenas dimensões (a área emersa é de cerca de 13 mil m2) e baixas altitudes (18 m é o ponto máximo), os rochedos se tornaram uma armadilha para navios e barcos.

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Há cerca de uma década, uma expedição da Universidade Federal Rural de Pernambuco e do Instituto Oceanário de Pernambuco encontrou destroços de uma embarcação de 50 metros de comprimento, que havia afundado nos arredores do arquipélago entre os séculos 17 e 19.

Muito por conta dessas dificuldades, as passagens pelas ilhas eram muito breves até meados do século 19. Foi o zoólogo escocês Charles W. Thompson, em 1873, o primeiro a permanecer por dois dias no arquipélago. Nesse período, os cientistas que o acompanhavam recolheram exemplares da fauna local.

Ao longo das décadas seguintes, a atenção do Brasil a esses rochedos não se equiparava à curiosidade de britânicos e franceses. Sinais de mudança da visão do governo do país só vieram à tona em 1931, com a expedição do professor de geologia da Escola de Minas Odorico Menezes para estudar São Pedro e São Paulo.

Entretanto, foi outro episódio da primeira metade do século 20 que, de fato, chamou a atenção para o arquipélago. Em julho de 1945, o cruzador Bahia, navio de guerra da Marinha brasileira, afundou nas proximidades dos rochedos, levando mais de cem marinheiros à morte.

Questão estratégica

O interesse do Brasil pelas ilhas só cresceu efetivamente na década de 1980, e a razão era, sobretudo, estratégica.

Assinada pelo Brasil em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar fortaleceu o conceito de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que previa "direitos de soberania" ao país por uma extensão de 200 milhas a partir da costa marítima.

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A ZEE também contemplava as ilhas, desde que fossem habitadas. Ao tomar posse de São Pedro e São Paulo, o Brasil ampliaria em 15% a área oceânica sob sua jurisdição.

Foi o que, enfim, se concretizou em 1998, quando o país inaugurou a estação científica no arquipélago, sob os cuidados da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm).

"São Pedro e São Paulo é um caso único de formação de ilhas em todo o Atlântico, o que atrai um interesse muito forte da comunidade científica", afirma o capitão-de-corveta Marco Antônio Carvalho de Souza, gerente do Programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo (Proarquipelago), órgão submetido à Secirm.

"O arquipélago desperta também um interesse estratégico significativo", diz Carvalho. "Está localizado já no hemisfério norte, bastante afastado da nossa costa, o que dá ao Brasil uma área de zona econômica exclusiva gigantesca. Forma-se uma circunferência com raio de 200 milhas ao redor das ilhas, resultando em 450 mill km2 sob jurisdição do país."

Com a instalação da estação científica, o arquipélago que havia fascinado Darwin ganhava, 166 anos depois, relevância nacional.

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