A despedida

Usain Bolt

Astro jamaicano que acumulou medalhas e fãs deixa as pistas após Mundial de Atletismo depois de transformar o esporte ao longo de dez anos de domínio absoluto nas provas de velocidade

Usain Bolt vence a prova dos 100 m no Mundial de atletismo de Moscou, em 2013

O ídolo do povo

Idolatrado na Jamaica, astro recebe devoção popular similar à de Marley

Quando se fala em esporte, Usain Bolt é sinônimo de Jamaica, assim como Bob Marley é de música.

O atleta ainda não ganhou na capital Kingston um museu como tem o maior expoente de reggae –provavelmente é questão de tempo--, mas a devoção ao corredor é a que se espera a um herói nacional.

Fotos de Bolt correndo estão estampadas nas paredes do aeroporto Norman Manley em Kingston e logo de cara dão as boas-vindas aos visitantes.

Nas ruas da capital, são várias as marcas que o patrocinam como Visa, Gatorade e Digicel. O uso de sua imagem geralmente catapulta a promoção e venda de seus produtos. Até o governo já o teve como garoto-propaganda em uma campanha de vacinação.

Em Kingston também está o restaurante pensado e administrado por Bolt, o Tracks & Records, em uma área habitada pela classe média jamaicana.

Logo na entrada dois relógios digitais apontam seus recordes mundiais nos 100 m e 200 m. Os 9s58 anotados na distância mais curta e nobre do atletismo também batizam um dos drinques mais fortes do local.

No cardápio há pratos escolhidos a dedo pelo campeão, como o Jerk Pork, uma iguaria feita com carne suína e um típico tempero local. Além de outros pratos típicos jamaicanos, espalham-se pelas paredes telões transmitindo os mais variados eventos esportivos. É um ponto de encontro para estrangeiros. Bolt costuma ir ao restaurante com amigos e logicamente fica em um espaço reservado. Se não, é impossível ter sossego.

Mas para entender de fato o que Bolt significa para seu povo é preciso ir Jamaica adentro, até o seu local de nascimento: o pequeno povoado de Sherwood Content no condado de Trelawny.

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Chegar ao local exige tomar uma estrada e viajar cerca de três horas desde Kingston. Grande parte da viagem é feita por uma rodovia de excelente qualidade inaugurada há pouco tempo e mantida por uma empresa estatal chinesa (a Chinese Harbour Engineering Company), que investiu cerca de US$ 600 milhões na construção dela.

Entretanto, os 30 minutos finais se dão por uma estrada sinuosa de mão única, na qual carros dividem espaço com caminhões. Ao lado, corre um rio no qual alguns turistas se divertem fazendo rafting.

O vilarejo simples tem um pequeno posto do correio, uma mini-unidade de saúde e alguns mercadinhos singelos com produtos básicos para a sobrevivência.

Para onde quer que se olhe, lá está a imagem de Bolt. Seja em um totem logo na entrada ou em uma pintura em sua escola primária, a Waldensia Primary. Seus pais, Wellesley e Jennifer, vivem no local, na casa que mais se destaca pela beleza e pelos carros de luxo na garagem. Por ali, sua tia Lilly mantém uma pequena loja de souvenires.

"Usain é natural. Ele é uma pessoa com amor. Foi criado deste jeito, é um menino simples, que ama todo mundo. Se você o parar, ele terá tempo de dizer 'oi' para você", contou a tia durante visita feita pela reportagem antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

São os amigos atuais, ex-professores e colegas do tempo de escola que ficam com os olhos brilhantes quando falam do homem que colocou a Jamaica no olimpo do atletismo. Em Sherwood Content, Bolt é unanimidade e muito mais admirado que Marley.

Não é para menos. Bolt é fiel às raízes e às origens. Em que pese viver no bairro mais nobre de Kingston e treinar na capital, onde possui um centro de treinamento de primeira linha e exclusivo dentro do campus da Universidade de West Indies, todo fim de ano retorna a Sherwood Content.

Encontra-se com as crianças, idosos e distribui presentes no Natal. Também já deu um ônibus para o transporte dos alunos da William Knibb High School, onde fez o equivalente ao Ensino Médio no Brasil.

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A instituição, que parece um recinto militar –com a exigência de uniforme para todos os alunos e portões elétricos controlando a passagem de um ambiente para o outro--, foi onde o hoje astro começou no atletismo na adolescência, em um gramadão que em nada faz lembrar as belas pistas por onde desfila seu talento, seja em treinos ou em competições.

Competições que quando ocorrem na Jamaica não atraem menos de 20 mil espectadores ao Estádio Nacional de Kingston. Todos cobiçam Bolt tal qual uma estrela do pop, atrás de uma selfie, de um autógrafo ou de um simples aceno do maior esportista da história do país.

Foi assim no ano passado na seletiva olímpica, na qual acabou se lesionando. Mesmo infeliz com seu resultado no primeiro dia –não participou dos dois seguintes--, Bolt fez questão de atender todos que estavam ali ara vê-lo de perto. Eram muitos os gritos de histeria cada vez que ele aparecia.

Bolt é sinônimo de Jamaica.