Voz das arquibancadas

Torcidas brasileiras inovam com adaptações de músicas e repetem xingamentos homofóbicos e incitação à violência nos estádios

Torcedores durante partida realizada na Arena Corinthians, zona leste da capital

Homofobia

Gritos de intolerância

O goleiro ajeita a bola e dá alguns passos para trás. Nas arquibancadas, os torcedores tomam fôlego. O jogador, então, corre para o tiro de meta, e o público entoa "ôôôôô" de forma crescente. Quando, enfim, o chute acontece, o grito ressoa no estádio: "Bicha!"

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Bradado por apoiadores de uma equipe contra o arqueiro adversário, o grito foi importado do México, onde teria surgido em 2004. Lá, no momento de reposição da bola, grita-se "puto", equivalente do país para "bicha". A versão brasileira se popularizou após a Copa de 2014.

Referências a xingamentos homofóbicos estão presentes em todas as torcidas dos times da Série A do Brasileiro. Há várias outras músicas que acompanham o mesmo tom do grito no tiro de meta. São-paulinos cantam sobre ex-jogadores do Corinthians, em "Gavião virou o Beija-Flor":

Gavião virou o Beija-Flor
Gambá, me diz como se sente
Por que você gosta de beijar?
Ronaldo saiu com dois travecos
O Sheik selinho ele foi dar
Vampeta posou pra G
Dinei desmunhecou
Na Fazenda de calcinha ele dançou
Não adianta argumentar
Todo mundo já falou
Que o gavião virou um beija-flor

Canção que os corintianos respondem da seguinte maneira, em "Vai para cima delas, Timão":

Vai pra cima delas
Ôôôôôôôôôôôôôôôôô
Vai pra cima delas, Timão!
Da bicharada!
Ôôôôôôôôôôôôôôôôô.
Vai pra cima delas, Timão!
Da bicharada!

No Paraná, os apoiadores do Coritiba têm um jeito próprio de se referir aos rivais do Atlético-PR:

Atleticano porco
Atleticano porco
Filho da puta
Rebola, que eu vou comer sua bunda
Nasceu no chiqueiro,
não tem onde dormir
E quando acha graça,
não tem dente para rir
Pau no cu do Atlético
Cuzão!

Cântico que atleticanos paranaenses retrucam com mais injúrias homofóbicas.

Atirei o pau nos coxa
E mandei tomar no cu
Coxarada filha da puta
Chupa rola e dá o cu
Ei, Coxa! Vai tomar no cu

Mesmo quando o canto é de comemoração, há xingamentos motivados por orientação sexual ou gênero. Em "87 é nosso", sobre o título brasileiro reivindicado pelo Sport junto ao STF, torcedores chamam o rival Náutico de "putas da Barbie".

87 é nosso
87 é nosso,
2008 também
Não somos as putas da Barbie,
que nunca ganham de ninguém.
Ôôô, ô, ô, ô, ôôôôô

Rotular um jogador ou uma agremiação como homossexual é uma prática encarada como ofensa entre os torcedores.

Mais do que impulsionar o time, é uma maneira de diminuir o rival, segundo o pesquisador da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) sobre masculinidade no esporte, Gustavo Andrada Bandeira.

"O espaço do futebol foi construído como um lugar de representação das masculinidades", afirma. Ele diz que características de virilidade que são atribuídas ao universo dos homens, como força, coragem e resistência, são exaltadas por torcedores nos atletas.

"O esporte demonstra o que é adequado ou não sobre o que é ser homem neste espaço. Os torcedores reivindicam para si qualquer coisa que reforce essa virilidade", acrescenta.

Mas manifestações homofóbicas são uma prática antiga na modalidade, de acordo com Bandeira.

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O grito de "Ô, bicha" cantado contra goleiros já rendeu duas punições à CBF por ser berrado das arquibancadas em jogos oficiais da seleção brasileira. Em outros lugares, como no Reino Unido, estuda-se até expulsar torcedores homofóbicos dos estádios.

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VIOLÊNCIA

Apesar de os cânticos contra homossexuais serem frequentes, não há relação direta com agressões e mortes motivadas por questão de orientação sexual ou gênero em partidas ou outros eventos de futebol no Brasil.

O GGB (Grupo Gay da Bahia), que faz um levantamento anual com todos os episódios de violência contra homossexuais pelo país, nunca registrou, nos seus relatórios, a ocorrência de assassinato contra LGBTs ligada ao esporte.

O antropólogo da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Luiz Mott, fundador do grupo, afirma, porém, que isso não diminui as hostilidades contra atletas, torcedores ou árbitros que não apresentem o mesmo comportamento "viril" que é esperado no futebol.

OUTRO LADO

Representantes das torcidas organizadas de Atlético-PR, Coritiba, São Paulo e Sport afirmam que são contrários à discriminação de homossexuais e defendem que os cânticos fazem parte da rivalidade e das brincadeiras do futebol.

Henrique Gomes, presidente da são-paulina Independente, declara que o grupo é contra a homofobia. Diz que é "ridículo" o grito de "ôôô, bicha" contra adversários nos estádios e que a organizada fará uma campanha com o objetivo de evitar o cântico.

Segundo o vice-presidente da Os Fanáticos, do Atlético-PR, Luciano Castilho Machado, "Atirei o pau nos coxa" foi uma das poucas músicas de teor "mais forte" que sobrou no repertório.

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O presidente da Império Alviverde, organizada do Coritiba, Juliano Nicolosi diz que o grito "Atleticano porco" é cantado há mais de 20 anos nas arquibancadas. "Nenhuma música incentiva ninguém a nada. É só uma expressão para provocar ou satirizar o rival." Ele afirma, ainda, que há "todos os tipos de torcedores" entre os apoiadores do time.

Para o presidente da Torcida Jovem do Sport, Henrique Marques, a música "87 é nosso" é mais um símbolo da rivalidade com o Náutico, e ele nega que tenha teor homofóbico. Em Pernambuco, o rival é conhecido como um time que tem muitas mulheres na torcida.

Procurada, a corintiana Gaviões da Fiel afirmou que não vai se manifestar.