Carlos Drummond - 30 anos da morte do poeta

Literatura brasileira completa 30 anos sem um de seus maiores poetas e cronistas

Para melhor experiência, use fone de ouvido. Clique nos textos destacados para ouvir os poemas

Escritor Carlos Drummond de Andrade sorri para a câmera de Fernando Sabino em cena do documentário "O Fazendeiro do Ar", de 1972

Amor aos bichos

De tão amigo dos animais, poeta foi entrevistado por uma... cadela

Como mostram os papéis que guardava entre os livros, Drummond era defensor dos animais. Ele teve um cachorro chamado Puck e um gato chamado Inácio.

Em 4 de outubro de 1970 –dia de São Francisco de Assis, padroeiro dos animais-, com a amiga Lya Cavalcanti, também adepta da causa, criou um veículo em defesa da bicharada, batizado de "A Voz dos que Não Falam".

Na capa da primeira edição, guardada no IMS, Cavalcanti deixava uma oração: "Sr. São Francisco, abençoe o irmão poeta entre seus bichos mais queridos".

Logo abaixo, Drummond publicava um poema, "Conversa com o Santo", no qual fala das "[...] infinitas coleções de animais que sofrem em todos os lugares da terra/ e não podem dizer que sofrem, e por isto sofrem duas vezes...".

O poeta concluía o poema assim: "Por isto, santinho nosso,/ você providencie urgente sua volta ao mundo/ para ver se dá jeito nestes seus alunos repetentes".

Uma das curiosidades de"A Voz" é uma "entrevista" dada por Drummond ao jornalzinho, em 1973.

Já era uma época em que ele não estava disponível para ser entrevistado, e "A Voz" a anunciava com pompa -"Entrevista exclusiva com o autor que não dá entrevista nem para o 'Pasquim'".

Quer dizer, não eram bem uma entrevista de verdade, porque a entrevistadora era uma cadelinha chamada Suzy. Leia abaixo.

{{imagem=1}}

Que acha da campanha que andam movendo contra nós?

Em primeiro lugar, acho uma campanha com certa dose de covardia: o homem é infinitamente mais poderoso do que vocês. Em segundo lugar, acho injusta, porque vocês não podem ser culpados do mal que eventualmente façam ao homem, uma vez que este lhes nega a racionalidade. Em terceiro lugar chega, né?

Acha que o homem tem direito à exclusividade neste planeta?

Não. Do seu direito à coexistência com as outras espécies animais o que lhe advém é antes da responsabilidade pela sorte dos mais fracos e menos evoluídos. Que entende você por mundo cão? Entendo um mundo tornado cruel pelo homem e não pelos outros seres vivos.

Se você não fosse homem, que bicho gostaria de ser?

Eu não gostaria de ser bicho e ter de defender-me da agressividade dos não-bichos.

Acha que o homem merece o amor que lhe dedicamos?

Muitos merecem, justiça seja feita. Porém um número ainda maior é indiferente ou hostil a vocês.

Em caso negativo, que iriamos amar se não amássemos o homem (e a mulher, é claro)?

Quando o homem não merece amor, o melhor é ficar à maior distância possível deles, e cada bicho consolar-se com o seu semelhante.

Em caso afirmativo, que poderemos fazer para que ele retribua melhor o nosso amor?

Acho que não há receitas para a retribuição de amor. Quem é capaz de amar, quem nasceu para amar, não espera ser amado para começar a amar: dá logo uma de amoroso. A iniciativa não pode partir de vocês.

Gostamos muito da sua poesia, achamos você um sujeito muito bacana e muito compreensivo, e por isso gostaríamos de nomeá-lo nosso filósofo oficial. Você aceita?

Obrigado. Mas o melhor é vocês dispensarem a filosofia e continuarem simplesmente integrados na natureza -coisas que nós, supostamente superiores, raramente sabemos fazer.

{{imagem=2}}

Entre as crônicas publicadas na Folha, compilamos outros textos em que o escritor aborda a temética dos animais. Para homenagear o autor, os blogs Bom Para Cachorro e Gatices publicam obras sobre cachorros e gatos, respectivamente.

Abaixo, leia texto de 21 de outubro de 1978 em que o cronista defende os direitos dos animais:

Conheça e divulgue os direitos do animal

Algum dia você já parou para pensar que os animais também têm direitos? E que cabe ao homem reconhecer esses direitos, num universo cada dia mais controlado pelo ser humano?

Pois então fique sabendo que 30 anos depois de votada pela ONU, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a UNESCO, também em Paris, acaba de aprovar a declaração Universal dos Direitos do Animal, na mesma trilha filosófica que inspirou o primeiro documento. E não foi por iniciativa direta das associações de proteção aos animais, tantas vezes acusadas (injustamente) de passionalismo. Quem propôs a Declaração foi um cientista ilustre, o Dr. Georges Heuse, secretário-geral do Centro Internacional de Experimentação de Biologia Humana, organização da qual participam luminares da ciência mundial.

Os direitos do homem foram definidos, em 1948, num corpo de 31 artigos. Os do animal cabem em 14. A Declaração de 1978 é precedida de uma breve "Declaração dos Pequenos Amigos dos Animais". Compreende-se. É necessário introduzir no processo educativo a consciência da vida como um todo natural, pois só assim o homem feito saberá honrar seu compromisso ético para com o meio em que se desenrola o seu destino.

Mas os comentários ficam para depois. No momento, o importante é divulgar o mais possível os textos de Paris, e da minha parte começo a fazê-lo agora.

Na ocasião, o autor publicou os 14 artigos do documento no espaço da coluna. Para ler outros textos do escritor publicados na Folha, acesse o Acervo.