Carlos Drummond - 30 anos da morte do poeta

Literatura brasileira completa 30 anos sem um de seus maiores poetas e cronistas

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Biblioteca de Drummond

De circo a aves esquisitas, papéis revelam interesses de Drummond

Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia, mas realmente é uma flor.

Está ali, amassada entre páginas de uma edição antiga, coberta em um papel amarelecido, com uma anotação: "Flor colhida na sepultura de mamãe em 28/09/1952".

Nesta quinta (17) completam-se 30 anos que o dono da letra, Carlos Drummond de Andrade, também morreu. Ficaram a obra e os rastros -entre eles sua biblioteca, de 4.000 volumes, hoje guardada na sede carioca do Instituto Moreira Salles.

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A biblioteca em si já diz muito sobre um autor, mas ela tem ainda um mundo subterrâneo: tudo aquilo que o poeta guardava dentro dos livros, um conjunto de centenas de documentos. A flor, desafiando as traças, está entre eles.

A reportagem passou dois dias revirando os papéis, para ver o que revelam do imaginário do poeta mineiro.

"Impressiona a multiplicidade de interesses dele. É um leque de assuntos muito especial não só como cronista mas como poeta também", diz o jornalista Humberto Werneck, que trabalha em uma biografia do autor para a Companhia das Letras, a ser concluída em 2018.

O interesse pelos bichos, por exemplo, está lá –ao lado da amiga Lya Cavalcanti, o poeta era defensor dos animais. Com ela, chegou a editar um jornalzinho mimeografado, "A Voz dos que Não Falam", em defesa da causa (veja só, ao lado, a entrevista que o poeta deu a um cachorro, em uma das edições).

Quando, em 1961, o astronauta russo Gherman Titov viajou para o espaço sideral, Drummond guardou uma crônica sobre sua esperança de que a façanha do soviético despertasse na humanidade o amor pelos beija-flores.

"O beija-flor, velha amizade nossa, não é comuna nem capitalista [...], não quer conquistar o ignoto –e como voa!", escreveu.

O circo, que tanto encantou os modernistas –a geração de 1922 tinha fascínio pelo palhaço Piolim--, é um dos assuntos que Drummond compilava em maior quantidade.

Em 1985, por exemplo, o poeta mineiro guardou uma reportagem do "Jornal do Brasil" em que um anão palhaço explica como funcionava a divisão de alojamentos no Circo Orlando Orfei:

"A carreta onde moram as bailarinas é a favela do circo [...], a dos empregados e motoristas é o bairro operário [...], o trailer de Orlando Orfei é o palácio do governo. E a bilheteria é a casa da moeda."

Outro, de um caderno de economia, registra Dona Carlota, matriarca de um circo, lamentando que o picadeiro seja um péssimo negócio.

Como garantia de suas dívidas –custavam caro os 80 quilos de carne diários para 19 tigres--, ela empenhara seu elefante indiano, que custava US$ 60 mil. E Carlota amava a bicharada.

"[Meus chimpanzés] não apanham para aprender os números e, por isso, não têm raiva das pessoas. Eu os amo e eles sabem disso", dizia.

O livro "Geringonça Carioca", de Raul Pederneiras, traz uma lista de gírias de 1946, como "é de chuá" (fácil de fazer "estar teso" (sem grana e "enfeza, mas não maltrata" (zanga, mas não ofende).

Essas gírias depois foram parar em "Rio de Janeiro em Prosa e Verso", antologia sobre a cidade que o poeta organizou com Manuel Bandeira.

Os temas desdobram-se aos montes –a caricatura e o desejo estão ali (Drummond fazia desenhos de sua silhueta careca e magricela), também os obituários de grandes autores e como gostava de "descansar a cuca" lendo a revista "Careta". Todos sob grande organização, o sonho de qualquer pesquisador.

"Ele tinha cacoetes de burocrata para o bem e para o mal. Esse convívio com o papel, ele ganhou a vida nisso", diz Humberto Werneck.

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A Flor e a Náusea (trecho)

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.