Carlos Drummond - 30 anos da morte do poeta

Literatura brasileira completa 30 anos sem um de seus maiores poetas e cronistas

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Estátua de Drummond criança está na Fazenda do Pontal, que pertenceu à família do poeta, em Itabira

Terra natal

Itabira tenta se reaproximar de Drummond

Há quem diga que, para Carlos Drummond de Andrade, sua natal Itabira é "apenas uma fotografia na parede". Mas para os quase 120 mil moradores da cidade mineira, a imagem do poeta seriam seis estátuas.

A leitura errônea vem se dissipando. Aos 30 anos da morte do autor, a cidade parece estar próxima de fazer as pazes com o itabirano, que passou a maior parte da vida longe dali.

Marcos Caldeira Mendonça, editor do jornal "O TREM Itabirano", um periódico de cultura, diz que há muito o que avançar nessa questão e faz campanha contra as estátuas.

"É o pior jeito de homenagear um poeta discreto, nada personalista. É preciso ler Drummond, e não petrificá-lo", afirma à Folha.

O que ele chama de "estresse imagético" torna-se claro diante da sede da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), onde uma estátua enxerga outra, em frente à Câmara Municipal, do outro lado da avenida.

"É interessante a estátua porque faz as pessoas perguntarem: quem é?", defende Solange Alvarenga, coordenadora do Memorial Carlos Drummond de Andrade.

No Rio, onde Drummond passou a maior parte da vida (desde 1934) –uma das causas do ressentimento dos itabiranos com o filho ilustre– há só uma estátua do poeta, em Copacabana, onde ele vivia.

O prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) diz não ver excesso de estátuas, mas concorda "com a crítica de fazer o lado cultural avançar". Ele pretende aproveitar o nome do poeta para incentivar o turismo.

Para Mendonça, a cultura precisa ser entendida como desenvolvimento. Ele próprio planeja transformar o acervo do "TREM", com 25 mil livros, além de jornais e revistas antigos, em biblioteca e arquivo abertos ao público.

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RESGATE

O resgate de Drummond em Itabira (a 113 km de Belo Horizonte) é crucial também para amansar a mágoa dos moradores, que só começou a arrefecer na década de 1990 e em 2002, com o centenário.

O marco da melhora foi a inauguração do memorial e a instalação dos Caminhos Drummondianos –44 placas com poemas sobre determinados lugares da cidade.

"É preciso mostrar a obra, porque você só gosta do que conhece. Há um respirar de Drummond cada vez maior", diz Martha Mousinho, superintendente da FCCDA.

A origem do desgosto com o poeta, segundo Mendonça, está na ignorância sobre seus livros, no "bairrismo provinciano que não o perdoou por ter se mudado para o Rio" e na distorção dos versos de "Confidência do Itabirano": "Itabira é apenas uma fotografia na parede/Mas como dói!".

É o contrário, diz o jornalista: "Você pendura na parede algo de que não gosta?". Em 1972, ao "Jornal do Brasil", Drummond disse ter sido mal interpretado e que o poema é "um soluço nostálgico".

Mendonça afirma ainda que a forte presença da Vale do Rio Doce, companhia de mineração fundada na cidade em 1942, ajudou a demonizar Drummond.

O poeta criticava os efeitos da mineração, como a poluição e a migração desordenada –Itabira pulou de 1.000 para 6.000 habitantes. Os itabiranos viam naquilo pressão pelo fim de seu ganha-pão.

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TUDO MUDOU

"Drummond nunca voltou à cidade porque sua Itabira era bucólica. Ele não queria vê-la carcomida pela mineração", diz Mendonça. Hoje, a atividade ainda representa 70% da arrecadação do município, e a Vale patrocina projetos envolvendo o poeta.

Ex-trabalhador da área de mineração e morador de Itabira, José Zamenhoff, 58, afirma que Drummond não gostava de lá. "Itabira virou uma pedra no caminho", ironiza. "Ele saiu para ser reconhecido, mas temos orgulho", diz a comerciante Ana Letícia, 20.

Os estudiosos itabiranos consultados pela Folha não têm dúvida: ele amava a cidade. "Era uma paixão do fundo do coração, era a medula dele", afirma Dadá Lacerda, pesquisadora responsável pelos Caminhos Drummondianos.

O jornalista Mendonça encontrou, em periódicos antigos, relatos de que o poeta interferiu junto a governantes para garantir verbas para duas escolas e um hospital da cidade, nas décadas de 1930 e 1940. "Nem precisava, já bastava colocar Itabira no mapa da cultura universal."

"Ele enalteceu a cidade e permanece na memória de todos", diz Domingos Sávio, 54, comerciante cujo avô é personagem de um poema de Drummond por ter ido estudar na França –um acontecimento na época.

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LEGADO

Equipamentos culturais dedicados ao poeta apresentam mau estado de conservação.

A casa onde ele passou a infância e uma das fazendas de seu pai são abertas à visitação, mas pouco acrescentam ao turista. Nos Caminhos Drummondianos, falta iluminação e sobra pichação.

Mais encanto há no memorial projetado por Oscar Niemeyer que abriga cerca de 800 livros doados à cidade por Drummond (muitos autografados por autores célebres), alguns de seus pertences, cartas e uma biblioteca.

O chamado Museu de Itabira, que conta a história da cidade e da mineração, está fechado à espera de reforma. A prefeitura planeja reabri-lo até o meio do ano que vem.

Parte das sugestões de o "TREM" para resgatar a cultura de Drummond está sendo adotada. Em outubro, mês do nascimento do poeta, a administração municipal deve realizar a primeira edição de uma festa literária e um concurso nacional de poesia.

O prefeito diz ter a intenção de recuperar os Caminhos Drummondianos e de transformar a casa do poeta em museu. No memorial, a ideia é captar verba para um sistema que permita acessar e ler o acervo sem manuseá-lo.

Martha Mousinho menciona ainda as semanas dedicadas a Drummond com palestras, exibição de filmes, lançamento de livros e peças de teatro. Para as crianças, há o projeto Drummonzinhos, que faz intervenções recitando poemas, e as escolas realizam parcerias com o memorial.

O estudante João Augusto Barbosa, 18, relata que trabalhou com a obra de Drummond no seu colégio em Itabira, mas reclama: "ainda falta investir em turismo".