Sebastião Salgado na Amazônia - Marubos

Mudou para pior a vida dos índios <b class="red">marubos</b>, mostra o produto de duas expedições fotográficas separadas por 20 anos feitas ao sul do Amazonas; eles se sentem ameaçados por movimentos recentes de caráter econômico, político e criminoso

Elas usam sutiã e trocam contas de caramujo por plástico

Elas usam sutiã e trocam contas de caramujo por plástico

Sebastião Salgado revisitou os marubos duas décadas depois de documentar, em 1998, problemas de saúde que maltratavam o grupo, então sob cuidados da organização Médicos Sem Fronteiras. Ao chegar à comunidade Maronal, para participar de um encontro de lideranças dos índios, encontrou diversas pessoas que já havia fotografado.

O fotógrafo convidou toda a comunidade para uma reunião, na qual distribuiu cerca de 400 fotografias antigas. Os índios se divertiram, brincaram com as mudanças nos corpos uns dos outros, mostraram sentimento de perda diante de retratos dos que morreram. O líder Alfredinho ainda pediu para que ele enviasse as imagens digitais, para que as guardassem no computador -máquina que não havia ali em 1998.

Salgado conta que, visualmente, a mudança percebida de forma imediata diz respeito ao jeito de vestir: "Em 1998, nenhuma mulher usava sutiã. Hoje a maioria usa, mas como um adorno que muitas vezes é tirado na hora do trabalho". Todos os homens, agora, vestem camisas e bermudas. E há mais índios com sobrepeso, diz o fotógrafo.

A produção dos colares brancos, tão característicos da cultura marubo, também mudou de forma visível. Originalmente, eram fabricados de contas feitas a partir da concha de um caramujo de rio chamado aruá.

Antes, os índios furavam as contas com dificuldade, usando pontas de madeira ou de metal. Hoje, têm uma nova técnica, e passam pelas peças um fio de barbante que lixa e aumenta o furo com mais facilidade.

Responsáveis por fazer esses enfeites, as mulheres não podem trabalhar com a casca de caramujo quando estão menstruadas. Por isso, nos últimos anos, começaram a usar pedaços de canos de PVC, brancos como os caramujos, que não são proibidos por sua religião. Assim, os colares passaram a misturar contas naturais e de plástico.

Não foram apenas visuais as mudanças na comunidade desde a primeira visita de Salgado. Décadas atrás, havia grande tensão em relação a invasões, porque as terras dos marubos não eram reconhecidas e demarcadas como hoje. "Houve uma evolução na questão territorial, embora estejamos vendo novas formas de invasão, com a degradação da Funai", acrescenta.

A população também cresceu. No fim do século 19 os marubos sofreram o impacto do contato com os não índios, na época do ciclo da borracha. Segundo um levantamento divulgado pela Funai, com base em dados de 12 grupos indígenas brasileiros, no período seguinte ao contato com os não índios morrem, em média, dois terços da população.

Há casos de perdas que chegam a 90% dos indivíduos (como os mundurukus e os nambikwaras). No caso dos marubos, não há um censo conhecido de sua população no início do século 20, mas os relatos que eles fazem indicam uma redução dramática, que levou seus líderes a juntar os sobreviventes de diversas seções em um único grupo.

Em 1978, a população total era de apenas 460 indivíduos. "O contato intensificado com não índios e suas doenças fez com que sofressem na pele a aniquilação, o que, nesse caso, é quase uma regra em todo o planeta", diz o fotógrafo.

Quando da primeira visita de Salgado, em 1998, os marubos tinham dobrado a população, para cerca de 920 pessoas. E agora, mais 20 anos depois, já são cerca de 2.000 pessoas.

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