Sebastião Salgado na Amazônia - Marubos

Mudou para pior a vida dos índios <b class="red">marubos</b>, mostra o produto de duas expedições fotográficas separadas por 20 anos feitas ao sul do Amazonas; eles se sentem ameaçados por movimentos recentes de caráter econômico, político e criminoso

Taxas de hepatite e malária são uma ameaça constante

Taxas de hepatite e malária são uma ameaça constante

A festa que marca a chegada da época das chuvas e da fartura levou à comunidade de Maronal uma série de líderes de diversas outras aldeias marubo. Além de festejar, eles aproveitam para discutir os problemas que enfrentam em suas áreas, trocar experiências e articular alianças.

Em seus depoimentos, há reclamações unânimes sobre as estruturas dos serviços públicos de educação e saúde, que frequentemente não são fornecidos nas localidades onde as pessoas moram, o que força os marubos a viver longos períodos longe de casa.

Jonas Nënkëmpa, 42, e Américo Txana, 38, são professores na escola de Maronal. Estudaram em Cruzeiro do Sul, no Acre, e Tabatinga, no Amazonas, antes de voltar para ensinar na sua comunidade.

"Aqui ensinamos até o nono ano, em escola vinculada ao município. Depois ensinamos o correspondente ao primeiro ano do ensino médio. A partir desse momento, os jovens que querem seguir estudos vão para Atalaia do Norte", conta Jonas, formado em pedagogia pela Universidade Estadual do Amazonas.

Josimar Wassimpa, 49, que saiu de Kumãya para a festa em Maronal, conta que em sua aldeia não há nem escola fundamental. "As crianças têm que estudar em Cruzeiro do Sul. As famílias vão junto. Hoje, em minha comunidade, tem só duas, e três crianças pequenas", diz ele.

Alberto Marubo, 44, agente comunitário de saúde na comunidade de Mati-Keyawai, a 45 minutos de barco de Maronal, afirma que também lá não há escolas. "As crianças pequenas vêm todo dia até Maronal para estudar."

Famílias de aldeias mais distantes, sem escola fundamental, se mudam de forma precária para Maronal, e ficam sem condições de plantar e colher em suas roças, como é tradição.

Os mais velhos reclamam que muitos dos jovens que vão para as grandes cidades acabam expostos ao risco de alcoolismo e da dependência química. Alguns não voltam ou demoram muitos anos para retornar à sua comunidade.

Autor de diversos ensaios sobre a cultura dos marubos, o antropólogo Pedro Cesarino afirma que o desejo de estudar e de conhecer a cultura não índia é uma tendência desse povo.

"Essas cidades estão em áreas que os índios frequentavam antes e que fazem parte de seu território expandido. Além disso, é parte da tradição marubo querer aprender a língua dos brancos fluentemente", diz. Mesmo os que ficam mais tempo longe de casa terminam por retornar, afirma ele.

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O sistema de saúde tem problemas semelhantes: muitos pacientes são removidos para atendimento em grandes centros, ficando expostos ao contágio de doenças mais graves nos hospitais regionais.

A estrutura simples implantada pela Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) nas comunidades não dá conta de emergências comuns na região, como picadas de cobra, reclamação frequente dos índios.

"Uma criança aqui da aldeia, picada por cobra, teve que cortar a perna. Hoje ela tem 13 anos, se adaptou bem à prótese, mas, se houvesse antídoto disponível, ela não teria o problema", diz Américo, de Maronal.

A falta de soro antiofídico nas aldeias se deve ao fato de que o produto brasileiro deve ser mantido em geladeira e, por falta de eletricidade, não há refrigerador nos postos de saúde do Javari.

Duas doenças têm alto índice de ocorrência na região e são motivo de preocupação constante: hepatite e malária.

Segundo Antônio Ako Emãpa, líder da aldeia Jaburu, a "hepatite foi doença trazida de fora, matou muitos parentes entre 2000 e 2005, que foi o pior tempo. Não tínhamos como tratar. Agora houve muita vacinação, mas adiantou pouco, ainda tem muitos casos".

Manoel Ronîpa, 63, da comunidade de Terra Alta, faz parte do Conselho Distrital de Saúde e já viajou diversas vezes para reuniões com o Ministério da Saúde, mas diz que não o escutam.

"Não tem como pensar em saúde nas aldeias como atendimento básico. Nós estamos muito longe para remover todos os casos mais sofisticados. Gastamos muito com remoção e gasolina e não resolvemos as urgências. E a pessoa vai para a cidade e volta com doenças mais graves, magra, para morrer na aldeia."

Wassimpa, de Kumãya, também reclama da falta de um posto de saúde com mais recursos em sua aldeia: "Lá não tem hepatite nem malária. Mas quando ocorrem emergências, picadas de cobra, acidentes de trabalho, o agente indígena de saúde não tem soro antiofídico ou material para suturas. E as remoções são caras e complicadas".

Segundo a Sesai, suas equipes realizam semestralmente no local testes de hepatites virais e dão orientações sobre suas formas de transmissão e prevenção.

Em relação à malária, o órgão diz que instalou mosquiteiros impregnados com inseticida na região, busca criadouros para controlar os mosquitos e trata os casos positivos.

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