Amazônia é a representação de floresta para todos
Amazônia é a representação de floresta para todos
19.dez.2020 - 1h
A Amazônia é grandiosa, admirável, esplêndida, com dimensões sobre-humanas. Nela, qualquer coisa está a perder de vista: são 5,5 milhões de km², mais do que toda a União Europeia; No Brasil, ocupa quase metade de seu território.
O rio Amazonas é o maior do planeta em extensão, com pouco menos de 7 mil km, e em volume de água. Em um mundo onde as selvas vêm sendo reduzidas nos últimos séculos, a Amazônia sobrevive como a maior floresta do mundo.
No Brasil, após 50 anos de destruição progressiva e constante, cerca de 20% da vegetação desapareceram; outros 10% estão degradados (em um estágio em que o ecossistema costumava se recuperar, mas que a atividade humana hoje leva a seu desaparecimento) e 70%, resistem. É um momento perigoso, como alerta o climatologista Carlos Nobre, principal referência em estudos sobre a região.
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Hoje, a época de seca se estende em três a quatro semanas e a média de temperatura subiu 4º C. Caminhamos para a falência do sistema amazônico, caracterizado por uma floresta que distribui chuvas para grande parte do continente. Esse sistema é também responsável pela umidade e resfriamento de uma região tropical que, em outros continentes, é ocupada por desertos. É a Amazônia que impede que áreas como São Paulo, Paraná e Santa Catarina sejam desertos como suas correspondentes em outros continentes.
Cerca de 60% da chamada bacia amazônica, em que todas as águas confluem com o rio Amazonas, é ocupada por uma imensa planície. Ao vê-la, um dos maiores escritores da literatura brasileira, Euclides da Cunha, sentiu uma "profunda melancolia" diante da "terra amplíssima, maravilhosa" em que "falta a linha vertical", como escreveu em 1906.
Mais de um século após a descrição de Euclides da Cunha, as fotos de Sebastião Salgado revelam outra Amazônia com relevos tão impressionantes quanto a imensidão da planície, com as montanhas mais altas do país, a "linha vertical" que o autor de "Os Sertões" não conheceu.
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A Amazônia tem tanta água nos céus quanto nos rios que cruzam o território. São um furo jornalístico as imagens que Sebastião Salgado produziu mostrando com nitidez os chamados "rios voadores", fenômeno que a ciência brasileira vem estudando nas últimas décadas.
Esses "rios" transportam uma enorme quantidade de água do Atlântico para o continente em um corredor de ventos que atravessa as Guianas e a região norte do Brasil. Quando sobre terra firme, eles banham a floresta ao mesmo tempo em que se alimentam da "evapotranspiração" gerada pelas quase 600 bilhões de árvores da Amazônia.
Árvores com copas de 10 a 20 metros de diâmetro "suam" entre 300 e 1.000 litros de água por dia que são levados pelos ventos a uma altura entre 2 e 4 mil metros.
O curso desses ventos alísios segue desde o norte até chocar-se com a Cordilheira dos Andes. Ali, em um movimento circular, vão em direção ao norte da Argentina, ao Uruguai e ao sul e sudeste brasileiros. A quantidade de água em movimento é avaliada em cerca de 20 bilhões de litros.
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Exposição com registros de Salgado na Amazônia será inaugurada em julho em SP
Após nove reportagens fotográficas publicadas na Folha desde dezembro de 2017 sobre a vida e a cultura de povos indígenas que habitam o continente verde, a série "Sebastião Salgado na Amazônia" dedica este décimo caderno à Amazônia física. O mais importante fotógrafo da atualidade revela seus registros da floresta com suas matas de igapó cobertas de água até o tronco das árvores, as mais altas montanhas do país, a imensa planície e seus "rios voadores".
O projeto "Amazônia" dá sequência às reportagens fotográficas que Salgado produz desde os anos 1980, como "Trabalhadores" e "Êxodos".
O trabalho de documentação da região realizado desde 2013 pelo fotógrafo radicado em Paris será reunido em livro e exposição em 2021.
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Essas imagens rodarão o Brasil e o mundo, servindo de alerta para o risco de destruição do maior bioma do país, ameaçado pela ação sistemática de agentes econômicos, principalmente ilegais, e pela omissão do Estado.
A exposição será inaugurada em 6 de abril no museu da sede da Filarmônica de Paris, na Cidade da Música, e, em junho, segue para o Maxxi de Roma. No dia 22 de julho, a mostra chega a São Paulo, no Sesc Pompeia, e, em 9 de agosto, ao Museu do Amanhã, no Rio. E, em outubro, será a vez de Londres conferir as imagens no Museu da Ciência.
A Folha acompanhou as expedições do fotógrafo para a série "Sebastião Salgado na Amazônia", que mostrou o garimpo de Serra Pelada e os indígenas Korubo, Ashaninka, Suruwahá, Yawanawá, Marubo, Ianomâmi , do Xingu e Zo'é .
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'Rios voadores' levam chuvas da Amazônia para o sul do Brasil
São chamados "rios voadores" os ventos oriundos do oceano Atlântico e do Caribe, carregados de umidade, que passam sobre Roraima e cruzam a Amazônia em direção ao sudoeste. Ali, esses ventos se chocam com a Cordilheira dos Andes, mais alta, fazem uma curva e vão banhar de chuvas a região sudeste da América do Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai e os estados do sul do Brasil).
O fenômeno identificado pelos cientistas brasileiros José Marengo e Antônio Donato Nobre, entre 2006 e 2010, explica as chuvas das regiões meridionais da América do Sul, em latitudes onde, em outros continentes, apresenta terras desérticas. E também permite entender por que as secas da Amazônia prenunciam estiagens naquelas áreas: quando falta umidade na floresta da região norte, como ocorreu em 2020, os ventos carregam menos umidade para o sul e o sudeste.