Sebastião Salgado na Amazônia - Yawanawa

<b>Yawanawás</b> Um olho na tradição da floresta, outro conectado ao mundo, a comunidade yawanawá, do Acre, vive seu renascimento cultural e é referência em empreendedorismo &ndash;após ter sido dizimada e perseguida nos anos 1970

Miró, um dos especialistas em artes plumárias, prepara cocar que será usado pelos líderes durante rituais na aldeia

Líderes ligam aldeia ao mundo contemporâneo

Líderes ligam aldeia ao mundo contemporâneo

Joaquim Tashka Yawanawá é um exemplo da inserção dos yawanawás na globalização. O líder da comunidade Mutum é uma espécie de embaixador de seu povo desde que foi escolhido pelos líderes mais velhos para estudar nos Estados Unidos e adquirir conhecimento sobre o ambiente internacional.

"Nós temos que ter um novo diálogo no século 21, conversar ao mesmo tempo com o contemporâneo e o tradicional. É preciso falar a língua dos negócios do mundo atual, e o idioma não pode ser um empecilho", diz.

Neste ano, ele esteve no festival de cinema Sundance (EUA), onde apresentou o documentário "Awavena" –sobre a xamã Hushahu--, no Fórum Econômico de Davos (Suíça) e em outros eventos internacionais. "Viajo o mundo todo, mas sempre conectado com meu povo. Isso atrai pessoas, que vêm contribuir, o que ajuda os yawanawás".

Foi o empreendedorismo dos índios que os levou a criar há quase três décadas uma parceria com a empresa norte-americana de cosméticos Aveda, para quem vendem urucum (semente que produz uma tinta vermelha). Plantam açaí com financiamento agrícola do governo do Acre, para vender a clientes regionais.

Seus trabalhos com miçangas são cobiçados nas lojas de artesanato indígena no Brasil e no exterior.

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Os índios também realizam festivais anuais nas comunidades de Nova Esperança e Mutum, quando turistas de todo o mundo vêm à Terra Indígena Rio Gregório para celebrar os rituais religiosos dos yawanawás. Nos últimos anos, passaram a promover também viagens específicas para outras comunidades. As pessoas que não querem participar dos rituais procuram outras comunidades –são sete à beira do rio--, como a Sete Estrelas, dos índios katukina-panos, onde são realizadas atividades com plantas medicinais.

Casais que não conseguem ter filhos costumam procurar essa comunidade. Quem quer acompanhar uma caçada de dois dias na floresta vai para a aldeia Amparo, enquanto Matrinxã se tornou referência para a comida tradicional dos yawanawás.

Essa especialização das comunidades é orientada por um projeto estratégico de aproveitamento das potencialidades "econômicas, culturais e espirituais" da terra indígena que o líder chama de Plano de Vida Yawanawá, uma espécie de Plano Diretor Estratégico.

O cacique Biraci conta que está em implantação um programa de produção intensiva de alimentos da floresta. Na previsão dele, os yawanawás chegarão a 2025 com 100 mil pés de açaí, além de pés de cacau, café, cupuaçu e banana. "Selecionamos 58 espécies de plantas que queremos ter conosco, para garantir nossa alimentação", diz.

Áreas de conservação no entorno protegem a reserva dos yawanawás

A Terra Indígena Rio Gregório é habitada por índios das etnias yawanawá e katukina-pano. Na beira do rio, localizam-se sete comunidades, entre as quais Mutum e Nova Esperança, as maiores.

Identificada pela Funai em 1983, a área foi homologada e registrada como Patrimônio da União em 1991, com uma área de pouco mais de 90 mil hectares. Depois de 15 anos, os índios reivindicaram uma área adicional, que foi demarcada por iniciativa do governo estadual e declarada como parte integrante da terra indígena em 2007, dobrando a extensão original para os atuais 187 mil hectares. Uma área de 50 mil hectares está em processo de homologação para ser incorporada à terra indígena.

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Segundo Biraci Yawanawá, um conjunto de áreas de conservação e de outras terras criou uma proteção para a reserva dos yawanawás: "Nossa terra é privilegiada, estamos quase totalmente cercados por diversas unidades de conservação".

Ele se refere ao quase anel formado pela Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade (a oeste), e às terras indígenas Praia do Carapanã e do Igarapé Primavera (a leste).

A saúde também não desperta maiores preocupações: equipes de atendimento da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) visitam as aldeias a cada 90 dias, e os yawanawás não têm dado trabalho a eles: entre 2017 e o primeiro trimestre de 2018, por exemplo, houve só um caso comprovado de malária, e nenhum de dengue, males comuns em outras áreas da Amazônia.

Os habitantes da Terra Indígena Rio Gregório são registrados como moradores do município de Tarauacá, cuja sede fica a cerca de 200 km dali. Com isso, a cidade é sua referência para relações com o Estado nacional: 70% dos eleitores votam naquela cidade, por exemplo.

Ali também buscam tratamentos de saúde mais sofisticados, fazem documentos e recebem aposentadoria ou Bolsa Família. Mas o deslocamento é um limitador. Só pelo rio, pode-se levar oito horas em canoas com motor (voadeiras por terra, são vários dias de caminhada. Devido a essa dificuldade, há relatos de que beneficiários do Bolsa Família desistiram do programa, e a abstenção eleitoral também costuma ser alta.

Rio Gregório era mais caudaloso e cheio de 'bichos grandes'

Embora a Terra Indígena Rio Gregório pertença ao município de Tarauacá, as milhares de pessoas que visitam o local anualmente desembarcam em Cruzeiro do Sul, cidade que tem um aeroporto maior e recebe voos de Brasília.

Como em outros destinos amazônicos, os aviões costumam chegar no início da madrugada. O viajante deve dormir pelo menos uma noite na cidade, o que, na época dos festivais yawanawás, deixa os hotéis lotados, com turistas do mundo todo.

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No dia seguinte, a viagem segue por cerca de quatro horas pela rodovia BR-364, que liga Cruzeiro do Sul a Rio Branco. Na ponte sobre o rio Gregório, de um pequeno ancoradouro, saem as voadeiras com destino à reserva. A viagem leva de cinco a oito horas, dependendo do motor e das condições do rio, geralmente cheio de tocos e galhos de árvores.

O rio Gregório é um afluente do Juruá. No passado, era caudaloso. O cacique Biraci conta que, há 50 anos, barcos de 30 toneladas subiam o rio. Seu pai dizia que um homem podia ficar de pé no porão do barco. "No rio, tinha bicho grande, tartaruga, jacaré-açu, sucuri. Hoje, todos desapareceram, o rio assoreou."

O Gregório cruza terras novas, em cujas margens não há estruturas de pedra. Em consequência, como ocorre também no Madeira, em Rondônia, as margens cedem à força das águas, que comem os barrancos e fazem o curso do rio mudar de tempos em tempos.

Em frente à comunidade Nova Esperança, o traçado do leito mudou recentemente; no último período de cheias, o rio "cortou caminho" por uma mata e, em vez de uma curva, ficou com um traçado mais reto.

Apresentador Ratinho, da TV, doa terra aos índios

O apresentador de TV Carlos Massa, o Ratinho, é acionista de uma empresa que tem 200 mil hectares no município de Tarauacá. Cerca de 10% superior à da Terra Indígena Rio Gregório, a propriedade é vizinha à área dos yawanawás, que reivindicam parte dessas terras. Em 2005, quando a empresa apresentou um projeto de exploração de madeira, veio à tona a participação de Ratinho no negócio. Desde então, a propriedade vinha sendo alvo de disputa entre a empresa e os índios. O apresentador acabou doando aos índios, em 2009, a área por eles reivindicada (cerca de 50 mil hectares). A empresa considerou que assim criaria uma "zona de silêncio" entre as comunidades indígenas e a atividade madeireira, explica o cacique Bira.

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