Descrição de chapéu Independência, 200

200 anos, 200 livros

Conheça 200 importantes livros para entender o Brasil, um levantamento com obras indicadas por 169 intelectuais da língua portuguesa

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Eugenio Bucci

Jornalista e professor da USP, é colunista do jornal O Estado de S. Paulo

As indicações de Eugenio Bucci

33º

Recomendo o livro em função do poema 'A Máquina do Mundo', uma das obras-primas da língua portuguesa. Esse poema, conforme nos ensina José Miguel Wisnik no livro 'Maquinação do Mundo: Drummond e a Mineração', publicado pela Companhia das Letras em 2018, propõe uma decifração do extrativismo de minérios que escalavrou o chão de Minas. De minha parte, pressinto que essa decifração vem iluminar uma teia complexa de relações entre a sensibilidade brasileira, a tecnologia, o capital e o silêncio de um tipo de homem que sabe mas não ousa dizer tudo o que sabe, nem a si mesmo. Apenas acrescento que, se pudesse recomendar apenas esse poema, 'A Máquina do Mundo', eu o faria, mas julguei mais adequado sugerir o livro inteiro, o que não haverá de ser demasiado. 'Que lembrança darei ao país que me deu / tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?', pergunta-se Drummond em 'Legado', do mesmo livro. Boa essa interrogação: que lembrança? Eis aqui uma possível resposta, na forma deste livro inteiro, este Claro Enigma.

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33º

Certamente, o rol de livros que vocês estão compilando incluirá algum título de Joaquim Nabuco, o pensador abolicionista que profetizou, com suas carradas de razão, a permanência da escravatura entre nós por mais duzentos anos, a contar da Lei Áurea. Em 'Torto Arado', temos uma das formas sociais pelas quais se deu essa permanência, numa história ambientada no sertão da Chapada Diamantina ao longo do século 20. No romance, trabalhadores negros dão seu trabalho ao dono da terra e este, em troca, concede a eles, a título precário, uma autorização de uso de um minúsculo terreno onde as famílias poderão erguer um casebre (não uma casa de tijolos) e plantar o suficiente para comer. Entidades sobrenaturais da religiosidade negra são também personagens e narradores. 'Torto Arado' deve representar a literatura brasileira dos nossos dias nessa lista de obras fundamentais. Merece figurar ao lado de grandiosos clássicos, aos quais não ficará a dever nada.

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95º

Nesta pequena coletânea, a única que conheço, há uma amostra singela, infinitesimal, dos quadrinhos pornográficos bem rústicos (primitivistas), que levavam a assinatura de Carlos Zéfiro (não descarto a hipótese de que alguns desenhistas anônimos usaram a mesma assinatura). As revistinhas, do tamanho de um pequeno envelope de carta, traziam histórias completas em que o protagonista (quase sempre homem) seduzia alguém (quase sempre uma mulher, ou mais de uma) para, então, entregar-se a cenas de sexo explícito. Foram centenas, talvez milhares, de histórias diferentes, em não se sabem quantas edições. Vendidas clandestinamente nas bancas a partir da década de 1950, sob o apelido-senha de 'catecismo', as revistinhas, com seus enredos – machistas, é verdade –, suas fantasias libidinosas e suas dicas íntimas, foram a única forma de educação sexual para várias gerações, sem distinção de raça, sexo, religião, classe social e preferências partidárias. A vasta obra assinada por Carlos Zéfiro – que podemos classificar como uma expressão genuína da cultura popular, mais ou menos como o cordel – faz um inventário vibrante e singular das sexualidades brasileiras em meados do século 20. Quem não a conhece perde de vista ângulos essenciais da nossa formação cultural.

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