Mais de 60 anos depois de sua publicação, o livro inspirado no diário da moradora da favela do Canindé, em São Paulo, reverbera como nunca. Marco da literatura pela crueza desconcertante com que apresenta uma vida feita de privações, a obra está no centro de um debate rumoroso e necessário que chacoalha o cânone sob diversos aspectos: linguístico, identitário, autoral.

O clássico de Machado capta aspectos da realidade brasileira que seguem na ordem do dia. A perversidade de classe embutida na forma amalucada com que Brás Cubas se apresenta ao leitor não se extinguiu com o fim da escravidão. Pelo contrário: tornou-se mais aguda –ainda que menos explícita– à medida que a tragédia social do país se aprofundou no século 20 e início do 21.

Não há revisão de cânone capaz de tirar deste livro a condição de clássico absoluto de interpretação do Brasil. Publicado no fim dos anos 1950 e com foco na literatura brasileira dos séculos 18 e 19, segue atualíssimo pelo modo como articula forma literária e história, pela influência contínua sobre todas as áreas do pensamento social e pela elegância imbatível da escrita.