Descrição de chapéu Independência, 200

200 anos, 200 livros

Conheça 200 importantes livros para entender o Brasil, um levantamento com obras indicadas por 169 intelectuais da língua portuguesa

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Guilherme d'Oliveira Martins

Jurista português, é administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

As indicações de Guilherme d'Oliveira Martins

25º

A obra mais marcante de Antonio Candido de Mello e Souza foi 'Formação da Literatura Brasileira' (1959), que influenciou várias gerações de professores e intelectuais, permitindo entender a encruzilhada plural de influências da cultura brasileira como ponte entre diferentes gerações – aproximando Oswald de Andrade, João Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Usando o método dialético e comparatístico, a partir da sua formação sociológica, pôde dar uma nova luz para a compreensão do caráter poliédrico da poderosa criação literária e cultural do Brasil. Antonio Candido chama a atenção para os arrabaldes do trabalho crítico e para as razões que determinam de que maneira somos levados a encontrar, conhecer e amar as obras que se tornam prediletas, 'sobretudo quando nos fazem companhia pela vida toda numa sucessão de leituras'. Por isso, sobre Darcy Ribeiro, recorda as três bandeiras que cobriam o seu caixão: a do Brasil, a do seu Estado de Minas Gerais e a dos sem terra, referindo que 'elas não encarnavam o país dos donos da vida, nem eram pendões de festa cívica, objetos cansadíssimos de discursos em cerimónias rotineiras'. E assim se incorporavam 'os pais dos pobres, dos que precisam ser finalmente incorporados à nação'.

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Indicações fora da lista

Celso Lafer é, entre os contemporâneos, um autor importante para a compreensão do Brasil. Discípulo de Hannah Arendt e de Norberto Bobbio, tem desenvolvido a sua ação intelectual em torno da relação entre ética e política, entre valores e meios técnicos, a partir da exigência de uma racionalidade pública tornada essência do desenvolvimento. Escreveu 'Paradoxos e Possibilidades: Estudos sobre a Ordem Mundial e sobre a Política Exterior do Brasil num Sistema Internacional em Transformação' (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982). Como o seu amigo Hélio Jaguaribe, considera fundamental a convertibilidade do valor da cultura em capacidade criadora, segundo a flexibilidade de 'geometrias variáveis', numa lógica de integração aberta e de uma democracia social complexa. Razão e vontade exigem um compromisso ético que marca os limites do exercício dos dois fatores. Depois da Guerra Fria, prevalece um sistema de polaridades difusas modeladas pelo jogo de duas forças profundas: as centrípetas de unificação e globalização e as centrífugas de fragmentação. Quando lemos 'Raízes do Brasil', de Sérgio Buarque de Holanda, compreendemos que a obra se encontra na encruzilhada crítica de obras referenciais como 'Casa-Grande & Senzala', de Gilberto Freyre, e 'Formação do Brasil Contemporâneo', de Caio Prado Júnior. Como salienta Antonio Cândido: 'trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo – são pares que o autor destaca no modo de ser ou na estrutura social e política, para analisar e compreender o Brasil e os brasileiros'. O tempo confirmou a necessidade de uma análise da complexidade brasileira a mercê da justaposição de fatores contraditórios – ex parte principis e ex parte populi. Desse modo, poderemos entender que o desafio atual da realidade brasileira se relaciona com a qualidade da democracia e com a eficiência dos instrumentos política de legitimidade, representação e participação.

Jaime Cortesão foi um dos portugueses que melhor compreendeu o Brasil, onde viveu o período mais fecundo do seu exílio político. A sua obra é prolífera, permitindo-nos escolher como referêncial 'Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil' (1966), onde encontramos uma análise muito rica sobre a gênese do movimento bandeirante, sobre a política audaciosa de dom João 4º no Brasil, tantas vezes menos lembrada, mas decisiva para a unidade territorial do país, além da consideração da figura de Antônio Raposo Tavares, nascido em Mértola e chegado a São Paulo em 1618, na comunidade cultural luso-brasileira, quer no plano nacional no Brasil e em Portugal, quer no contexto internacional, como precursor dos novos conceitos do Estado moderno. Encontramos dois bandeirismos que se completam, na expressão do historiador: 'um luso de raiz, espontâneo ou oficializado, implícito, aliás, em toda a história dos descobrimentos e conquistas dos portugueses; outro misto, desencadeando-se sem freio com o vigor rompente das forças naturais, moldado apenas aos acidentes e grandes sulcos geográficos do território; obedecendo a necessidades econômicas primárias…'. A obra de Cortesão é magnífica, de uma assinalável probidade histórica, mostrando a tensão entre duas influências que se digladiaram, bandeirantes e jesuítas, da qual resultaria a grande unidade brasileira. O percurso das bandeiras de Raposo Tavares, de 12 mil quilômetros em quatro anos, desde São Paulo até Belém do Pará, rompendo o meridiano de Tordesilhas, constitui uma das grandes epopeias em prol do conhecimento do mundo desconhecido. Sem pôr em causa a violência, os conflitos, a contradição entre a diplomacia oficial e as ações de fato, o historiador procura dar-nos nota sobre o modo como ocorreu a formação territorial do Brasil, com todas as suas tragédias e vicissitudes.