Descrição de chapéu Independência, 200

200 anos, 200 livros

Conheça 200 importantes livros para entender o Brasil, um levantamento com obras indicadas por 169 intelectuais da língua portuguesa

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Luís Augusto Fischer

Professor de literatura brasileira da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

As indicações de Luís Augusto Fischer

50º

Dos cinco títulos que aponto aqui, este é o menos vigoroso como livro, porque se trata de uma coletânea, e como tal carrega momentos desiguais. Mas tem o grande mérito de reunir depoimentos relevantes e artigos significativos sobre o tema do título, uma das grandes novidades no cenário da produção e da crítica literária no país. Esse tema, na área de estudos literários é farta em polêmicas, divergências e até desinteligências, mas é central na cultura brasileira, para muito além do campo literário. O livro mapeia várias das posições críticas, talvez todas as que têm relevância e transcendência em relação ao imediato. Os depoimentos, na primeira parte do livro, a começar por Adbias Nascimento, são de grande valor documental; e os ensaios oferecem largueza de perspectiva.

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95º

Autor de pesquisas muito originais, desconcertantes para o establishment historiográfico (particularmente o uspiano), Caldeira produz, neste livro, uma síntese crítica de altíssimo valor. Na primeira parte do livro, demonstra com profusão de dados que a visão historiográfica de Caio Prado Júnior deve mais à tradição corporativista, aristotélica, do que ao marxismo que alega. Daí desenvolve uma demonstração de que a lente de Caio Prado o impediu de ver elementos concretos da história econômica e social da colônia e do império que demonstrariam o equívoco de sua tese sobre aqueles momentos. Depois, expondo claramente dados de econometria e de outras abordagens empiristas, Caldeira mostra a impressionante pujança do mercado interno, ao menos desde o século 18, o que contraria a tese da dependência estrita da colônia brasileira. A tese do 'empreendedorismo' dos brasileiros, por certo discutível mas muito original e promissora, vai na contramão da visão caiopradiana, que ainda agora alimenta várias interpretações. Levado a sério, o livro deveria ter causado uma grande mudança no debate historiográfico brasileiro.

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95º

Livro que é realmente um feito, em originalidade, profundidade e relevância, este é outro caso que deveria ter causado uma revolução nos estudos acadêmicos, mas permanece um tanto desconhecido. Nele, Lúcia Sá publica seu doutorado, que saiu antes em inglês. O estudo se estrutura em quatro grandes seções, cada uma relativa a uma das ''grandes tradições da planície amazônica que mais tiveram influência na obra de autores sul-americanos' — macro-caribe, tupi-guarani, tukano-arauaque e arauaque ocidental. Primeiro mérito: pensar o objeto por cima das fronteiras nacionais, arbitrárias se vistas do ângulo das culturas ameríndias. Segundo: abordar tudo como literatura, quer dizer, tanto os relatos colhidos por antropólogos ao longo do tempo, como as obras indianistas românticas e as modernas. A distinção entre história e mito, tantas vezes empregada pela visão ocidental, é abandonada em favor dessa abordagem mais dinâmica, mais fluente; da mesma forma, a rígida fronteira entre oral e escrito, que também estrutura o pensamento acadêmico, é arguida o tempo todo, em favor da comparação entre os diferentes textos, todos eles tratados como relevantes para compreender o tema, adequadamente apresentado no plural.

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Indicações fora da lista

Marco de uma nova geração de pesquisadores e historiadores profissionais, este livro agrega as virtudes dos dois autores, cada um deles tendo já publicado livros de grande valor. Aqui se consolida a noção de que o controle do tráfico de escravos estava em mãos de residentes na colônia, na contramão absoluta de certezas anteriores, que atribuíam esse controle a metropolitanos. Pela primeira vez aparece de corpo inteiro o peso do arcaísmo político, configurado no Estado português (e depois no brasileiro), até mesmo sobre a economia, quebrando outra regra de ouro, agora do marxismo duro. Mais que tudo, talvez, há o mérito de mostrar que o sistema de exploração português, que é perpetuado pelo Brasil independente, se encarrega essencialmente de reproduzir as mesmas desigualdades, não apenas econômicas, mas políticas, de mando, num processo que ainda no presente é visível. Em outras palavras, o livro mostra o nexo entre o modelo da exploração portuguesa é antimoderno e se prolonga no tempo: 'nossas elites inscrevem a pobreza no mundo da natureza' (p. 236).

Publicado em francês em 2009, este livro representa um ponto de síntese do recente debate sobre a visão do mundo dos ameríndios. O autor é um dos responsáveis pela formulação original do 'perspectivismo ameríndio', junto com Tânia Soltze de Lima e Aparecida Vilaça, e neste estudo procura levar o mais longe possível a argumentação, num patamar que me parece adequado qualificar como filosófico, transcendendo a antropologia. Para isso, o estudo toma como termos de contraste noções comumente naturalizadas, como nação e razão, os quais organizam o percurso crítico para o leitor, que é um ocidental. Entre tantas pequenas e grandes chispas de inteligência, aqui se lê que na visão ocidental conhecer é objetivar, quer dizer, dessubjetivar, porque o Outro é coisa, ao passo que na visão ameríndia conhecer é personificar, porque o Outro é pessoa. As implicações de paralelos como este para o pensamento crítico são infinitas. Escrito com rigor e recheado de momentos de grande poder de iluminar a experiência brasileira e americana, o estudo clareia uma série de situações que envolvem os estudos literários, assim como a história e as humanidades em geral.