Os gastos do governo e os efeitos da PEC do Teto

Um guia para entender a proposta do presidente Michel Temer que pode congelar as despesas do governo por 20 anos

Como chegamos a esse ponto

RICARDO BALTHAZAR, MARIANA CARNEIRO
E SIMON DUCROQUET
DE SÃO PAULO

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O crescimento das despesas

Os gastos do governo cresceram muito rapidamente nos últimos anos, num ritmo acelerado que não foi acompanhado por suas receitas. Isso significa que a capacidade do governo para financiar suas despesas com recursos próprios diminuiu, obrigando-o a se endividar ainda mais, tomando dinheiro emprestado de poupadores e investidores no mercado. As despesas do governo federal representam hoje 19,8% do PIB, sem contar os gastos com juros e outras despesas financeiras que o governo não tem como controlar.

Por muito tempo, o governo conseguiu financiar suas despesas cobrando mais impostos. Como as linhas nos primeiros anos do gráfico abaixo mostram, o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) aumentou a carga de impostos para equilibrar as contas após as crises financeiras que sacudiram a Ásia, a Rússia e o Brasil no fim da década de 90. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) segurou as despesas no começo de seu governo, buscando o equilíbrio das contas para ganhar a confiança dos investidores e conter a inflação, mas depois aproveitou o bom momento da economia para aumentar gastos.

A crise global iniciada em 2008 freou as despesas do governo momentaneamente e mergulhou o país numa recessão, mas a economia se recuperou rapidamente e o governo voltou a aumentar seus gastos para estimulá-la. A ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016) conteve despesas no início de sua administração, quando as receitas do governo começaram a cair, mas logo voltou a aumentar gastos. As contas do governo entraram no vermelho em 2014, mesmo ano em que Dilma se reelegeu e a economia brasileira entrou na atual recessão.

As receitas do governo caíram com a crise econômica, a queda dos preços do petróleo e a concessão de benefícios criados por Dilma para estimular algumas indústrias, entre outros fatores. Como as despesas continuaram crescendo, isso desequilibrou as contas públicas. No gráfico abaixo, as barras verticais pretas mostram o resultado primário do governo central, ou seja, a diferença entre suas receitas e despesas não financeiras. Quando tem superavit, o governo poupa para reduzir sua dívida. Quando tem deficit, precisa se endividar mais para cobrir suas despesas. O rombo estimado para 2016, de R$ 170,5 bilhões, equivale a 2,7% do PIB.

* Descontadas as transferências obrigatórias a Estados e municípios

** Sem contar o pagamento de juros e encargos da dívida pública

*** Previsão

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério do Planejamento

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O cobertor curto

Muitas pessoas acreditam que o inchaço da máquina pública é a principal fonte do desequilíbrio nas contas do governo, mas a ideia é falsa. O que mais cresceu nos últimos anos foi a despesa com aposentadorias, pensões e outros benefícios pagos pela Previdência Social. Em duas décadas, elas saltaram de 4,9% para 8,1% do PIB e hoje representam 41% das despesas do governo. Como o gráfico abaixo mostra, as despesas com pessoal ficaram praticamente estáveis nesse período, em relação ao PIB.

* Previsão

** Sem contar o pagamento de juros e encargos da dívida pública

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério do Planejamento

O gráfico também mostra como a maior parte dos gastos do governo é muito difícil de controlar. O grosso do dinheiro é destinado a despesas de caráter obrigatório, que só seria possível reduzir com mudanças em leis e na Constituição. Elas incluem o seguro desemprego, benefícios assistenciais garantidos a idosos e deficientes de baixa renda e subsídios usados para estimular as indústrias, o agronegócio e as exportações brasileiras.

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Corrida contra o tempo

O crescimento acelerado das despesas aumentou o deficit nas contas da Previdência, hoje equivalente a 2,4% do PIB. As regras atuais permitem que muitos trabalhadores se aposentem precocemente, antes dos 55 anos de idade. Como a expectativa de vida dos brasileiros tem aumentado, as pessoas estão vivendo mais após a aposentadoria, o que aumenta os gastos da Previdência. Além disso, com o envelhecimento da população, a tendência é haver menos gente no mercado de trabalho para sustentar o sistema.

FINANÇAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Em % do PIB

Benefícios previdenciários

Contribuições para o

Regime Geral de Previdência Social

2014

1997

2000

2005

2010

2016*

*Previsão

Fonte: Ministério do Planejamento

Como as contribuições para a Previdência são calculadas sobre a folha de pagamento das empresas, a crise econômica e o desemprego fizeram a arrecadação cair. Muitas empresas passaram a calcular suas contribuições sobre o faturamento e não mais a folha de salários, graças a uma política adotada no governo Dilma para tentar estimular a indústria e preservar empregos. Um dos efeitos foi que as receitas da Previdência encolheram ainda mais, obrigando o governo a cobrir a diferença.

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A dívida explosiva

Quando gasta mais do que arrecada, o governo vai ao mercado tomar recursos emprestados para tapar o rombo em suas contas. Quanto pior for a situação, maior será a desconfiança dos poupadores e dos investidores, bem como a taxa de juros que eles cobram para emprestar ao governo. Ou seja, o crescimento da dívida pública prejudica a economia, tornando mais cara e escassa a oferta de crédito para o consumo e a produção..

Segundo o Banco Central, a dívida do governo federal atingiu 70,5% do PIB em novembro de 2016. É um nível elevado. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, países emergentes como o Brasil têm hoje dívida equivalente a 47% do PIB, em média. Nos países ricos, a média é 108%. No ano passado, o descontrole das contas públicas fez o Brasil perder o selo de bom pagador conferido pelas agências internacionais de classificação de risco. Isso também afetou a oferta de crédito externo para bancos e empresas brasileiras.

DÍVIDA BRUTA DO GOVERNO

Em % do PIB

70,5

2006

2010

2016*

*Novembro

Fonte: Banco Central

Como podemos sair dessa situação

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O plano do governo

O presidente Michel Temer apresentou ao Congresso uma proposta de emenda constitucional que impõe um teto às despesas do governo federal, limitando seu crescimento daqui para frente à correção pela inflação do ano anterior. Isso significa que elas ficarão congeladas em termos reais. Conhecida como PEC do Teto, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado e foi incorporada ao texto da Constituição. A intenção do governo é que o mecanismo vigore por vinte anos, até 2036, com possibilidade de revisão em 2026.

Como mostram as projeções no gráfico abaixo, o teto deverá frear a expansão dos gastos públicos, que deixará de crescer rapidamente e diminuirá como proporção do PIB. As projeções consideram que a arrecadação federal acompanharia o ritmo de crescimento da economia após 2020, ou seja, não haveria aumento da carga tributária do país, que já é bastante elevada.

As projeções indicam que, com o teto, o governo conseguiria equilibrar suas contas novamente em 2020 e a partir daí voltaria a poupar para reduzir sua dívida, acumulando superavits primários crescentes. De acordo com essas estimativas, em 2026 o governo federal conseguiria economizar o equivalente a quase 3% do PIB para pagar juros e reduzir seu endividamento, uma marca que, nos melhores momentos do país nas últimas décadas, o governo central só conseguiu alcançar com a contribuição de empresas estatais e governos estaduais.

* Descontadas as transferências obrigatórias a Estados e municípios

** Sem contar o pagamento de juros e encargos da dívida pública

Nota: A projeção leva em consideração estimativas do governo para receitas e despesas até 2020, previsões do boletim Focus do Banco Central até 2020, inflação anual de 4,5% a partir de 2017 e taxa de crescimento do PIB de 2,5% ao ano a partir de 2019

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério do Planejamento, Banco Central e cálculos feitos pelo colunista da Folha Vinicius Torres Freire

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O arrocho na área social

Com a aplicação do teto, cabe ao governo e ao Congresso decidir onde cortar para que as despesas se enquadrem nos limites estabelecidos. Por esse motivo, há grande preocupação com o futuro da saúde e da educação, áreas para as quais a Constituição reservava parte das receitas do governo. Com o teto, o governo substituiu essas vinculações por um novo piso, que, a partir de 2018, será corrigido pela inflação do ano anterior como as outras despesas previstas no Orçamento.

O gráfico abaixo mostra o que deve acontecer com as despesas do governo federal com saúde e educação com a aplicação do teto nas próximas duas décadas. Em 2026, os gastos com saúde serão reduzidos dos atuais 1,6% do PIB para 1,3% e as despesas com educação, de 0,9% para 0,7% do PIB. Ou seja, uma fatia menor da riqueza produzida pelo país será destinada a essas áreas no futuro, a não ser que os políticos tirem recursos de outros programas federais.

DESPESAS COM SAÚDE E EDUCAÇÃO

Em % do PIB

Saúde

Educação

2010

2015

2020

2025

2030

2036

projeção

previsão

Nota: A projeção leva em consideração estimativas do governo para receitas e despesas até 2020, previsões do boletim Focus do Banco Central até 2020, inflação anual de 4,5% a partir de 2017 e taxa de crescimento do PIB de 2,5% ao ano a partir de 2019

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, Secretaria do Orçamento Federal, Banco Central e cálculos do colunista da Folha Vinicius Torres Freire

Críticos da proposta do governo se preocupam com as consequências. Com o envelhecimento da população e o surgimento de novos medicamentos e novas tecnologias na área médica, os custos do sistema de saúde tendem a aumentar nas próximas décadas. Aprovado há dois anos, o Plano Nacional de Educação estabelece como meta um investimento equivalente a 10% do PIB, somados gastos da União, dos Estados e dos municípios. Os defensores do teto argumentam que, sem equilíbrio nas contas públicas, seria ainda mais difícil financiar essas áreas no futuro.

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Estabilidade no topo

As projeções indicam também que o congelamento dos gastos do governo frearia a expansão acelerada da dívida pública. De acordo com as estimativas apresentadas no gráfico abaixo, resultado de cálculos dos economistas do Itaú Unibanco, a dívida do governo continuaria aumentando até 2022, quando atingiria o equivalente a quase 81% do PIB, mas ela cresceria num ritmo menos preocupante do que o atual, e diminuiria um pouco depois, chegando a 79% do PIB em 2025. Se esses cálculos estiverem corretos, isso significa que a dívida brasileira seria estabilizada num nível muito alto, se comparada a padrões internacionais.

PROJEÇÃO PARA A DÍVIDA PÚBLICA

Em % do PIB

90

80

70

60

50

40

2006

2010

2015

2020

2025

setembro

previsão

Nota: A projeção tem como premissas a volta do equilíbrio fiscal em 2020, com superavits crescentes a partir daí, taxas de crescimento de 2% em 2017, 4% nos dois anos seguintes, 3% em 2020 e 2% ao ano a partir de 2010, inflação próxima do centro da meta de 4,5% a partir de 2017 e juro real de 4% a partir de 2020

Fonte: Banco Central e cálculos do departamento econômico do Itaú Unibanco

Para saber mais

O que seis colunistas da Folha pensam sobre o assunto