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Sonia M. Portella Kruppa

Qualidade na contramão

“É que a ideologia tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade” (Paulo Freire)

A população de São Paulo foi surpreendida com o anúncio pela Secretaria estadual da Educação, de reorganização e fechamento de escolas em 2016. Como justificativa, usa argumentos de medida semelhante implantada em 1995: redução demográfica, maior qualidade no atendimento dos níveis de ensino em certas unidades, separando crianças de adolescentes, possibilidade de expansão do ensino médio.

Retomar a história pode elucidar problemas de implantação dessas medidas. Chama a atenção a coincidência do grupo político autor de ambas as propostas, o PSDB. É preciso lembrar que, em 1995, esse grupo se encontrava à frente do Ministério da Educação (governo FHC).

As medidas paulistas eram parte de um programa de ajuste estrutural, impulsionado por organismos internacionais —especialmente pelo Banco Mundial— com empréstimos e assessorias preconizando o atendimento público só para o ensino fundamental regular.

Isso levou à maior responsabilização dos municípios por esse atendimento, progressiva privatização dos níveis posteriores (ensino médio e superior) e ao caráter comunitário e assistencialista para a educação infantil —contrariando a ampliação da cidadania e do dever do Estado, determinados pela Constituição, então, submetida à modificação pela Proposta de Emenda Constitucional nº 233/1995, apresentado ao Congresso Nacional.

Nesta época de crise econômica, a mesma agremiação política, o PSDB, pretende dirigir o país e prepara, demonstrando a partir de São Paulo, um projeto eficiente de corte de gastos públicos para políticas destinadas ao povo.

As medidas de 1995 não melhoraram a qualidade da escola paulista. Pelo contrário, destruíram a única rede pública brasileira que tinha alcançado a condição de universalizar o ensino fundamental num mesmo prédio, ampliando o diálogo entre os professores na passagem dos anos iniciais, com apenas um professor, para os anos finais do ensino fundamental e médio, em que atuam professores por disciplinas, de oito a dez.

A municipalização distanciou ainda mais os professores e seus projetos; a população viu-se às voltas com a matrícula de seus filhos em escolas nem sempre próximas e jovens de diferentes territórios urbanos foram expostos ao relacionamento imposto num mesmo espaço. Mas a contenção do gasto público foi exitosa.

Em 1999, a Secretaria da Educação voltou ao número de professores e especialistas de dez anos antes. Foram desativadas, pelo menos, 150 escolas, diminuindo 10.014 classes, já na passagem de 1995 para 1996. A rede estadual diminuiu 376.230 atendimentos entre 1995 e 1998, com um decréscimo de 5,61%, enquanto as redes municipais aumentaram 841.860 atendimentos, crescendo quase 60%.

O projeto atual movimentará mais de um milhão de alunos. As entidades do magistério preveem mesmo número de escolas fechadas. Na sequência da mais longa greve do magistério paulista, esse anúncio ameaça a categoria, dificultando a qualidade no fechamento deste ano letivo.

A população não é gado que se remove e se confina em espaços predeterminados. O passado nos faz descrentes de qualquer benefício à qualidade e à oferta da educação dessas medidas. Os jovens já se organizam e o movimento de contestação ganha às ruas. Reagir é preciso! Adiar a implementação é necessário e de bom senso.

Sonia M. Portella Kruppa, 64, professora da Faculdade de Educação da USP, é secretária municipal de Educação de Suzano (SP)