E além disso?

Colunistas da Folha falam sobre os grandes desafios do país, independentemente de como terminar o processo de impeachment

Francisco Daudt

A doença de nossa democracia, que se tornou patente nos últimos tempos, é principalmente de valores. O que vale, e o que não vale, no senso-comum que nos domina? Percebo que a louvável compaixão pelos desvalidos degenerou-se numa crença arraigada do esquerdismo: "Em nome da luta contra a desigualdade, vale tudo!" Vale o roubo? Vale! Vale a ditadura do proletariado? Vale! O bolivarianismo? Vale! A mentira, o aparelhamento do estado, a corrupção por uma boa causa? Valem! O abolimento da lógica e do pensamento crítico? Valem! O coitadismo militante, a adoração de um líder que se julga acima do bem e do mal? Valem! A destruição da democracia em nome de defendê-la? Vale! "Fazer o diabo" para conquistar o poder e se manter nele? Vale!

Penso que, mesmo enquanto o pus sai desse cancro, precisamos considerar meios mais dignos de buscar os ideais da democracia: igualdade perante a lei; igualdade de oportunidades. Precisamos repensar o que vale e o que não vale para cada um de nós.

Francisco Daudt
Nizan Guanaes

O Brasil não irá longe sem reformas que possibilitem crescimento sustentável. Para competir no século 21, precisamos de leis mais modernas e compatíveis com o futuro. Não adianta determinar direitos maravilhosos se não conseguimos sustentá-los. Nosso país tem um potencial enorme, que só reformas poderão destravar.

Nizan Guanaes
Contardo Calligaris

O desafio é voltar a ter a coragem das ideias que nos importam. Se tivéssemos a coragem de nossas ideias (e elegêssemos pessoas também corajosas), os governos poderiam errar, mas errariam na tentativa de transformar o país, para o bem ou para o mal.

Sairíamos do ciclo da democracia abstrata, em que os governos só trabalham para se manter no poder, e o intento dos eleitos é só o de se reeleger.

Na democracia abstrata, há conflitos de poder, mas, com poucas exceções, ninguém se arrisca no conflito de ideias, pois todos são aliados potenciais no futuro — são aliados potenciais porque todos renunciaram às suas posições para se sentar à mesma mesa (e eventualmente dividir o butim).

O desafio de amanhã, então, é ter a coragem de discordar. Sem concessões.

Contardo Calligaris
Gregório Duvivier

Nenhuma reforma que preste jamais será capitaneada por Eduardo Cunha e sua gangue — todos sujos de lama até o pescoço. A primeira coisa seria dissolver o congresso e pedir novas eleições — sem financiamento empresarial. Enquanto isso não acontece, legalizaria a maconha e impostaria o consumo — a verba gorda iria para saúde. Legalizaria o aborto e ofereceria de forma gratuita e segura pelo SUS. Retiraria a isenção tributária das igrejas —pastores pagariam imposto como todo mundo—, e os impostos iriam para a educação.

Demarcaria terras indígenas e desapropriaria latifúndios. Daria incentivos aos agricultores de orgânicos. Taxaria mais a herança e menos o consumo. Taxaria mais a renda e menos o trabalho. Isentaria de imposto as bicicletas para incentivar o uso. Investiria na infraestrutura ferroviária ao invés da rodoviária. Na energia solar e eólica ao invés da nuclear ou hidrelétrica. Quando finalmente elegessem o Congresso, esse seria muito melhor e mais limpo, porque estaria lá representando o povo, e não bancos ou empreiteiras.

Gregório Duvivier
Reinaldo Azevedo

O governo, qualquer que seja, tem de enviar ao Congresso uma emenda parlamentarista com voto distrital puro, já para 2018, submetendo, depois, o resultado, se aprovado, a referendo. O sistema de governo não faz os ladrões, mas os ladrões tomam o sistema de governo com mais facilidade no presidencialismo. Essas mudanças levarão necessariamente à qualificação do Congresso, ao barateamento das campanhas eleitorais, a uma maior proximidade do eleitor com o eleito e a uma redução do número de partidos. Três medidas se fazem urgentes para tirar o país do buraco: 1) total desoneração de investimentos em infraestrutura, com um “fast-track” legislativo que facilite a entrada de recursos nessa área; 2) fim da distinção entre as Previdências do setor público e do setor privado para os novos servidores e elevação do tempo de contribuição; 3) permissão para contratos de trabalho alternativos à CLT. Não é preciso mexer nos chamados “direitos trabalhistas”. Basta que as partes possam celebrar novas formas de acordo.

Reinaldo Azevedo
Delfim Netto

A situação social e econômica é muito difícil e não vai alterar-se sem uma mudança profunda da confiança da sociedade no governo. O problema é a expectativa negativa que emerge do desencontro produzido por um presidencialismo de coalizão quem nem preside, nem coaliza e provoca a judicialização da política pela arbitragem do Supremo Tribunal Federal. Precisamos de uma solução o mais cedo possível para que se estabeleçam as reformar constitucionais que restabelecerão o equilíbrio fiscal estrutural que emergiu da queda dramática do nível de atividade. Com “impeachment” ou sem ele, precisamos de governo, isto é, que o Poder Executivo resultante, assuma o seu protagonismo, reúna suas forças e mobilize o Congresso para a aprovação do seu programa.

Delfim Netto
José Simão

"O PAU VAI COMER! Qualquer que seja o resultado! O que está acontecendo no Brasil é guerra pelo poder. Tipo duas facções brigando pra ver quem vai tomar conta da boca de fumo! E a intolerância política, religiosa e moral vai demorar pra terminar. O brasileiro entrou nessa de I LOVE ODIAR! "

José Simão
Marcos Jank

A crise doméstica jogou a agenda internacional do Brasil para segundo plano. Missões oficiais têm sido canceladas por falta de recursos, representações no exterior não conseguem cobrir gastos correntes e o Brasil não está honrando o pagamento das organizações internacionais. No curto prazo não temos ambiente para retomar a agenda perdida da política comercial e dos acordos internacionais.

Mas é hora de recuperar o tempo perdido. É preciso racionalizar a estrutura diplomática, fechando representações menos importantes para viabilizar as demais. É fundamental melhorar a coordenação entre os ministérios. Na promoção comercial, por exemplo, Itamaraty e Apex deveriam somar recursos e evitar duplicidades. Em vez dos holofotes dos megaeventos e das missões esporádicas ao exterior, ampliar a presença física e a ação diária junto aos reguladores dos países chave. Em vez de pedidos unilaterais de acesso ao país alvo, desenvolver parcerias estratégicas de longo prazo que beneficiem os dois lados. Países menores e com menos recursos que o Brasil tem mostrado resultados admiráveis. Basta olhar onde os navios estão atracando e por quê.

Marcos Jank
Antonio Prata

O principal desafio segue o mesmo de sempre, reduzir o abismo que separa os ricos dos pobres. Pegue o Rodoanel entre Raposo Tavares e Castelo Branco, cortando aquele Afeganistão de favelas em Carapicuíba. Chegue no Rio de Janeiro pela Linha Vermelha, atravessando o Complexo da Maré. Isso é o Brasil. (E o fato de eu estar me dirigindo aos que estão no carro, não aos que estão no morro, é fruto da desigualdade: este jornal dificilmente atravessará o fosso e o insulfilm que separam o lado de cá do lado de lá). O Haiti (ainda) é aqui.

Antonio Prata
Luiz Felipe Pondé

Apontaria duas faces do mesmo problema, o populismo de esquerda, que deverão ser enfrentadas nos próximos anos no Brasil. A primeira face desse populismo de esquerda é econômica e social, e se constitui numa marca do país nos últimos mandatos do PT. O populismo é uma praga bem latino-americana. Caracterizado pelo gasto público desmedido, tem como meta tratar o povo como eterno dependente e, assim, torná-lo infantil e incapaz de entender que a vida econômica não tem garantias. Marca de um Estado gastador que se oferece como “pai dos pobres”. A outra é o cerceamento do acesso nas universidades a uma bibliografia que não seja a de esquerda, tornando nossos alunos míopes, achando que não há vida inteligente para além de Marx e Foucault. O Brasil, fica, assim, menos capaz e mais cego.

Luiz Felipe Pondé
Meirelles

A prioridade é restaurar a confiança de trabalhadores, empresários e investidores. Só a confiança trará de volta os investimentos e o consumo, pilares para a retomada do crescimento. Para restaurar a confiança, é necessário sinalizar claramente que o Estado brasileiro é capaz de cumprir suas obrigações fiscais e adotar medidas pró-crescimento, como reformas e investimentos em infraestrutura.

Meirelles
João Pereira Coutinho

Como observador estrangeiro, concordo com vários políticos e politólogos brasileiros: o Brasil deveria ponderar seriamente uma mudança do seu sistema presidencialista para um modelo semipresidencialista. Como em Portugal, por exemplo: os eleitores elegem uma assembleia e o presidente convida para formar governo quem tiver maioria parlamentar. O papel do presidente (eleito diretamente por sufrágio universal) seria promulgar as leis conformes à Constituição e só em casos excepcionais (como perigo para o regular funcionamento das instituições) poderia dissolver a assembleia e convocar novas eleições.

João Pereira Coutinho
André Singer

Vejo quatro grandes desafios. O mais urgente é a reconstrução das condições de crescimento do PIB. Cabe ao Estado orientar a política econômica no sentido de interromper a contração das atividades produtivas e sinalizar para a retomada do emprego e da renda, sem o que o sofrimento humano, sobretudo entre os pobres, será cada vez mais alto. A segunda é o equacionamento da Operação Lava Jato. A desmontagem da corrupção precisa continuar, mas faz-se necessário equilibrar as investigações de modo a que todos os partidos relevantes, uma vez que se trata de problema sistêmico, sejam obrigados a prestar esclarecimentos e modificar os seus procedimentos. Em terceiro lugar, será preciso reconstruir a ecologia partidária. A crise em curso desde o final de 2014 está desmontando a esquerda e o centro do sistema, sem os quais este não pode funcionar bem. Por fim, está posto o problema de impedir que a presente onda conservadora revogue os direitos consagrados na Constituição de 1988, a qual representou uma síntese das melhores aspirações brasileiras depois do trauma de 1964.

André Singer
Denise Fraga

Utilizando o volume morto de meu reservatório de otimismo, desconfio que temos a possibilidade de sair fortalecidos de todo este imbroglio. No mínimo, mais bem capacitados em nosso alfabeto político. Resta-nos continuar em reflexão, transformando tudo que lemos e tentamos entender dentro deste pobre Fla-Flu em uma força cidadã múltipla, atenta e com poder de transformação. Está mais que claro: precisamos de uma reforma política. Mais: vivemos uma crise de fé no material humano. Portanto, precisamos usar a força adquirida para clamar por transformações sociais intensas, que, mesmo que a longo prazo, nos ponha de volta no caminho da evolução. Um grande primeiro passo seria o cuidado urgente, radical e qualitativo com o sistema educacional do país.

Denise Fraga
Demétrio Magnoli

No cerne de nossa crise política está a privatização do Estado, expressa no chamado "presidencialismo de coalizão", um eufemismo que designa o sistema de intercâmbios corruptos entre o Executivo e o Congresso. A estabilidade política da Nova República, fundada na polaridade PT-PSDB, no jogo pendular do PMDB e na proliferação de "partidos de negócios" apodreceu na era lulopetista, que conduziu o "presidencialismo de coalizão" a um paroxismo, esvaziando de conteúdo a democracia representativa. Para superá-lo, seria preciso: a) uma reforma do Estado, com radical redução dos cargos de livre provimento político e regras de governança profissional das empresas estatais e fundos de pensão; b) uma reforma política destinada a eliminar os "partidos de negócios", por meio de diversas medidas, entre as quais a proibição de coalizões proporcionais e uma cláusula de barreira eleitoral.

Demétrio Magnoli
Laura Carvalho

A questão que mais assusta na economia brasileira hoje é a dinâmica do mercado de trabalho, tanto do ponto de vista do nível de emprego quanto do poder de compra dos salários. O processo virtuoso de crescimento com redução das desigualdades salariais durante os anos 2000 sustentou-se, em grande medida, no dinamismo do consumo de bens e serviços que demandam mão de obra pouco qualificada. Tal processo, ainda que apresentasse desafios para a sua continuidade, vem sendo revertido nos últimos anos de forma acelerada. A preservação dos empregos formais e a consolidação do menor nível de desigualdade de renda conquistados na última década depende da retomada dos investimentos públicos que, em um contexto de estagnação dos gastos privados e do comércio mundial, é o único fator autônomo que poderia gerar expectativas favoráveis nos agentes econômicos.

Laura Carvalho
Alexandre Schwartsman

Desafio quase tão grande quanto resolver os problemas econômicos do Brasil é escolher quais deles cabem num único parágrafo, a menos que estejamos falando da taxa de câmbio e taxa de juros. Mas, não, os problemas econômicos do Brasil não são tão fáceis de resolver quanto botar, à força, juros e câmbio no lugar onde os iluminados assim o desejam. O primeiro é fazer conciliar o desejo de uma sociedade que muito pede do Estado com os meios crescentemente escassos para satisfazê-la, ou seja, fazer o governo caber no PIB, reconquistando o orçamento como instrumento de políticas públicas. O segundo, dentre muitos que ainda restam, é recuperar o crescimento da produtividade, de forma a permitir a expansão sustentável da renda, por meio do incremento à competição doméstica e internacional, afastando os grupos que se privilegiam da proximidade com o poder, os alvos últimos da Lava Jato. Não são os únicos, mas, se resolvidos, recolocariam o país na rota do Crescimento.

Alexandre Schwartsman
Guilherme Boulos

O maior desafio colocado hoje é construir uma nova saída para a crise. Uma saída que seja popular, que faça o andar de cima pagar a conta. Precisamos de uma reforma tributária, com taxação de fortunas e lucros, precisamos de uma auditoria da dívida pública e de uma redução profunda dos juros no país. Enfim, é necessário um programa que permita a ampliação dos investimentos públicos, com distribuição de renda e enfrentamento dos privilégios históricos da elite brasileira. Na contramão das políticas de austeridade, que afundam sociedades por onde passam.

Junto a isso, precisamos de iniciativas que radicalizem a democracia no país. Se esta crise mostrou algo é o esgotamento do sistema político tal como está. É também a infâmia representada pelo monopólio das comunicações. É preciso transformar o sistema político, ampliando a participação popular e combatendo seu aprisionamento pelos interesses privados.

É preciso também democratizar as comunicações no país.

Só avançaremos nesses caminhos com muita mobilização, fortalecendo a luta popular.

Guilherme Boulos
Kim Kataguiri

Com Dilma ou sem Dilma, a democracia brasileira tem de resolver os problemas da crise de representatividade, da harmonia entre os Poderes da República e dos absurdos custos de campanha, que incentivam a corrupção. Deputados estaduais e federais são eleitos por intermédio do sistema proporcional, que, além de tornar as eleições caras por obrigar os candidatos a fazer campanha no maior número de cidades possível, também distancia o eleitor do representante pelo fato de os votos serem, em regra, dispersos. Além disso, o sistema presidencialista faz com que os candidatos tenham de gastar fortunas em suas campanhas rodando o país inteiro em busca de votos, o que dá margem para que um líder que perdeu a legitimidade popular ou a base parlamentar se mantenha no poder, paralisando o país. A melhor maneira de solucionar esses problemas é adotar um modelo de voto distrital e o sistema parlamentarista. Assim, os eleitores votarão apenas em candidatos de suas respectivas regiões, e, consequentemente, as campanhas serão mais baratas. Além disso, a campanha do chefe do governo terá o mesmo custo da campanha de um deputado.

Kim Kataguiri
Elio Gaspari

Aqui vai um problema perene e complicado, de solução simples. Todo mundo diz que o sistema político brasileiro está falido e que não pode funcionar com 35 partidos políticos. Tudo bem, a maioria desses partidos existe porque em 2006 o Supremo Tribunal Federal derrubou a clausula de barreira, aprovada pelo Congresso em 1995, cuja aplicação era marotamente adiada.

O partido que não conseguisse 5% dos votos em todo o país seria afastado das verbas do Fundo Partidário e do horário gratuito de televisão.

Basta recriar a cláusula de barreira. Quem quiser fazer maiores reformas, vá à luta, mas essa é fácil.

Elio Gaspari
Fernanda Torres

A crise de representatividade é séria: a constatação de que, com raras exceções, os políticos trabalham para si mesmos e não para a sociedade. Fala-se de reforma política, mas ninguém consegue levá-la adiante. Esse distanciamento entre eleitores e eleitos alimenta o ódio dos debates e aprofunda a cisão entre pobres e ricos, brancos e pretos, homens e mulheres, povo e elite, patrões e empregados, coxinhas e mortadelas. Não conheço nenhuma liderança que simbolize o caminho do meio, ou se mostre capaz de restabelecer o diálogo entre gregos e troianos. Esse, penso, é um dos grandes desafios futuros.

Fernanda Torres
Juca Kfouri

Embora, como usual, a economia seja o motivo que fez a crise brasileira ficar do tamanho em que ficou, é claro que sem uma REFORMA POLÍTICA de verdade, com a introdução da rechamada — recall para os íntimos —, voltaremos sempre ao mesmo ponto.

Juca Kfouri
Pedro Passos

Para atingir um crescimento econômico e social maior e mais duradouro, teremos que garantir a qualidade da educação, acelerar as concessões de infraestrutura, rever programas do governo para reduzir o tamanho do setor público, promover as reformas trabalhista, tributária e previdenciária e descomplicar a vida das empresas e dos cidadãos. Não é pouca coisa.

Será ainda indispensável fincar o alicerce da integração à economia mundial, por meio, entre outras medidas, de firme abertura de mercado, de forma a gerar o quanto antes maior concorrência, fator de destaque para impulsionar o desenvolvimento tecnológico e os ganhos de produtividade das empresas brasileiras.

Pedro Passos
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