Na política
Bancada evangélica é menos branca, mais nova e mais casada que a média
Um corpo de deputados menos branco, mais novo, com maior apego ao matrimônio e menor índice de diplomados, eleito em campanhas mais baratas, com um empurrãozinho de igrejas –e dono de um apetite dobrado por proposições legislativas na área dos direitos humanos, nas quais pululam expressões como "moral e bons costumes" e "família".
Eis a cara da bancada evangélica em comparação ao quadro geral da Câmara, segundo levantamento da Folha.
É um bloco que se agiganta a cada nova eleição: em 1994, congregava 21 (4%) de 513 deputados; quadruplicou para atuais 80 (15,5%), a maioria vinda de igrejas da Assembleia de Deus (23) e da Universal do Reino de Deus (14).
A prioridade para 2017 já está posta: "Lutar contra esse 'tiroteio' orquestrado dos ateus e 'esquerdopatas', via rótulo de arte, contra nossas crianças", diz o presidente da frente, o pastor Hidekazu Takayama (PSC-PR), evocando recentes polêmicas com o mundo artístico, entre as quais a da mostra "Queermuseu", com hóstias ornadas com a palavra "vagina" e pinturas inspiradas em fotos do site "Criança Viada" no rol de obras.
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Não é de espantar, portanto, que a ala se dedique quase duas vezes mais a temas reunidos sob o selo "direitos humanos". Eles representam o mote mais pop entre evangélicos, com 7,3% das proposições apresentadas pelo grupo. Considerando o total de deputados, cai para o sétimo campo de interesse (4%).
Uma amostra: o projeto de decreto legislativo do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para tentar sustar resolução da Secretaria de Direitos Humanos que orienta instituições de ensino a garantir direitos de travestis e transexuais.
Diz o texto: o uso de banheiros femininos por "pessoas que digam que sua identidade de gênero é diferente de seus cromossomos [...] constrangerá a norma dos bons costumes".
A porção evangélica na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, entre titulares e suplentes, é 21% –como Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), aliado do pastor Silas Malafaia.
O recorde está na Comissão de Ciência e Tecnologia, na qual esses parlamentares detêm 40% das 30 cadeiras. E não por acaso, diz Gerson Moraes, professor de teologia e política da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É por ali que passam concessões de rádios e TVs, a joia da coroa para evangelistas –programas de teor religioso dominam 20% da TV aberta, segundo a Agência Nacional de Cinema.
Essas outorgas "vinham do presidente até a Constituição de 1988", diz Moraes. "Aí elas viraram responsabilidade do Legislativo." Não à toa tanto empenho em emplacar evangélicos na Câmara, afirma.
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Em um ponto esse batalhão parlamentar se equipara à lavra média da Câmara: nos dois recortes, mulheres –51,5% da população– são minoria, uma em cada dez deputados.
Se 73% desses políticos são casados, a fração aumenta para 87,5% entre os evangélicos. Dessa bancada religiosa, 70% se declaram brancos, 25% pardos e 5% pretos. Na Casa como um todo, as proporções são 79%, 17% e 4%, respectivamente. Idade média dos evangélicos: 50 anos, 4 menos do que a do conjunto da Câmara.
Menor é também o custo para eleger evangélicos, cujas campanhas de 2014 saíram por cerca de R$ 911 mil, ante R$ 1,3 milhão da média parlamentar.
Vem do Partido Republicano Brasileiro, vinculado à Universal, a maior fatia da bancada (15 deputados). Em segundo e terceiro lugares, o Democratas, com 8 representantes, e o Partido Social Cristão, 8.
'AMÉM' NA CÂMARA
"Quem está feliz por estar com Jesus aqui? Amém!" Aqui, no caso, é a Câmara, e os autodeclarados felizardos participavam no dia 18 de outubro do costumeiro culto das quartas, quando deputados e assessores preenchem uma sala da Casa com gritos de "glória a Deus", antes de começar a atividade parlamentar.
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Com a palavra, Pastor Eurico (PHS-PE). Encerrada a reunião, na qual evoca "as trevas que estão aí para destruir a família", ele diz à Folha o que vê como missão da bancada evangélica da Câmara: "Não podemos somar com quem defende drogas, aborto, desvalorização da construção daquilo que é divino: macho, fêmea, homem, mulher".
Gilberto Nascimento (PSC-SP) não se vê em "bancada de direita, e sim numa bancada de princípios". Mas, "se [defender a família] é estar mais à direita", que assim seja.
A frente tem um grupo no WhatsApp com deputados e seus assessores. Por lá circulam sugestões de boicote a anunciantes do "Fantástico", após a exibição de reportagens sobre gênero –uma delas traz um casal que ensina seus filhos homens a brincar com carrinhos e também com bonecas.
Há ainda frases como: "Querem que os héteros tenham relacionamentos líquidos, mas que os gays se casem nas igrejas. Que homens se tornem 'frágeis' e com trejeitos, como se fossem mulheres".
De seus 80 membros, 46 também são signatários da frente de segurança pública, e 33 da ruralista. Ao todo, 23 atuam nos três fronts, entre eles Takayama e Shéridan (PSDB-RR), relatora de uma das PECs da reforma política. A tríplice aliança tem apelido: "Bancada BBB" (Bíblia, Bala e Boi).
E como se posicionam nas pautas políticas que incendeiam Brasília? Da bancada, 37,5% se opôs a arquivar a segunda denúncia contra Michel Temer (PMDB), na votação de quarta (25) –a média no plenário foi de 45,5%. Menos benevolentes foram com Dilma Rousseff (PT): 89% disseram "sim" ao seu impeachment, em abril de 2016.