As festas e os nomes que estão dando nova cara às batidas da cidade

Paulo Tessuto (CAPSLOCK), no seu estúdio em SP

ALEX KIDD

NATÁLIA ALBERTONI

fotos GABRIEL CABRAL

17/04/2016 - 7h00

A música eletrônica está renascendo em São Paulo. O som, que já fez a cidade dançar as batidas de Marky e Mau Mau nos anos 1990 e início dos 2000 e consagrou clubes como o Hell’s e o Massivo, encontra novo público (e espaço) com o surgimento de nomes, festas e estilos diferentes. A partir de 2013, momento de efervescência cultural e política no centro da cidade, as novas baladas saíram dos clubes, espaço que lhes era reservado, e foram para as ruas, cinemas abandonados, túneis e antigos cabarés.

 

Em setembro do ano passado, SP na Rua reuniu todos os coletivos independentes e levou mais de 15 mil pessoas ao centro da cidade, segundo os organizadores.

 

Na onda atual, os artistas são, também, empreendedores: eles produzem, divulgam e apresentam suas canções.

 

Nos sons, o público começa a ouvir novidades: os sintetizadores (agora portáteis) voltaram a ganhar espaço, e as batidas e melodias são criadas ao vivo. "A flauta e os sintetizadores fizeram uma diferença muito grande na aceitação das minhas apresentações. As pessoas reagem diferente na pista por reconhecerem os instrumentos", conta Laércio Schwantes, o DJ L_cio.

 

A jornalista Claudia Assef, do site especializado no gênero "Music Non Stop", acredita que a cena está revigorada. "Esses artistas têm feito coisas bem divertidas e fora da caixa. É uma fase realmente incrível, quase que um contraponto a essa aura de crise política e econômica."

 

 

A festa não se restringe às ruas. No ano passado, o moderníssimo clube The Year abriu as portas na Vila Leopoldina com os timbres de grife do veterano DJ Gui Boratto, que transita bem entre o pop e o underground. E o ponto alto do último Lollapalooza não foi um solo de guitarra de Noel Gallagher (ex-Oasis), mas sim a memorável parceria dos DJs Skrillex e Diplo com MC Bin Laden.

 

Dudu Marote, diretor artístico do selo Skol Music, diz que o momento é tranquilo e favorável —para emular a expressão que tornou o MC paulistano conhecido. "São Paulo é uma das poucas cidades do mundo onde você tem música boa de domingo a domingo", diz.

 

A sãopaulo abraçou o zeitgeist e pediu para que essa nova turma indicasse suas festas e artistas favoritos. De graça ou com ingressos até R$ 50, esses eventos são divulgados nas redes sociais das próprias festas e chegam a atrair mais de mil pessoas.Se joga!

A festa Mamba Negra

Inspirado por trilhas sonoras de filmes de ficção científica, o DJ paulistano criou a rádio on-line Metanol usando o estúdio montado no seu apartamento em SP. “O canal foi criado para gerar conversa em torno de sonoridades que não eram de fácil acesso”, lembra. A rádio ganhou seguidores e, um ano e meio depois, Akin reuniu alguns deles para criar o Coletivo Metanol. A parceria resultou numa mistura de graves pesados com batidas secas, que lembra um hip-hop sob efeito de entorpecentes. Em 2013, a rádio virou balada: a festa Metanol na Rua começou na rua da Consolação e se espalhou por toda a cidade. No ano passado, a trupe participou do SP na Rua. Para equilibrar as contas e financiar as festas de rua, eles realizam eventos fechados com entrada paga. “Pra quem produz, festa de rua é festa só no nome. Em geral elas são resultado de muito planejamento e trabalho árduo”, diz. As apresentações ao vivo são parte essencial das atividades do núcleo, e o clima underground é criado pelas locações —que, hoje, também podem ser espaços privados.

 

 

Laércio Schwantes, 39, cresceu tocando flauta em orquestras e conservatórios e só teve contato com rock e a música eletrônica aos 15 anos. Aos 21, conheceu as maravilhas do reggae, mas foi em uma rave que veio o clique: ficou obcecado por criar música eletrônica. Fazendo as pazes com o seu passado, ele une instrumentos orgânicos a sintetizadores. “Já toquei com violoncelo, harpa, oboé, piano, trombone. As pessoas reagem diferente quando reconhecem um instrumento”, diz L_cio, como assina. Ele está em boa fase: fechou

com o selo alemão Kompakt, referência para fãs do estilo.

Todos os circuitos apontam para Pedro Zopelar, 28. Megafã de sintetizadores (contamos mais de cinco no seu estúdio), seus sets reforçam o poder hipnótico da sua música. O DJ mineiro começou como residente na D-Edge, mas construiu sua reputação em festas independentes como a Mamba Negra e a ODD. Na edição de 2015 do festival Sónar, encarou sua maior missão: tocar depois do The Chemical Brothers e antes do Hot Chip. Fora das pistas, seus dotes como produtor podem ser ouvidos no “The Drone Lovers”, grupo de disco/house formado em parceria com Érica Alves e Davis Genuíno.

Quando criança, a carioca Érica Alves, 29, fez aulas de piano erudito, incentivada pela família. Os estudos não avançaram, mas rapidamente ela descobriu ter talento para a composição. Já adolescente, flertou com o free jazz, mas foi fisgada pelas maluquices da fase eletrônica do Radiohead. Largou Niterói em 2012, quando conheceu os gurus Pedro Zopelar e Paulo Beto. Já em São Paulo, um novo desafio: ser a frontwoman do The Drone Lovers, trio de house para pista criado com Zopelar e Davis Genuíno. “Acho que tem poucas mulheres fazendo música eletrônica porque nós fomos criadas para ter outros sonhos que não mexer em máquinas”, diz. Com um disco solo engatilhado para 2016, a aprendiz agora ensina o caminho das pedras: no próximo dia 27, ela apresentará o workshop gratuito “Synth e Gênero”, na Red Bull Station, no qual convidará mulheres para experimentar equipamentos usados na produção de música eletrônica.

 

 

Desde pequeno, Márcio Vermelho, 36, organizava grupos de dança e festinhas na garagem da sua casa em Araraquara, interior de SP. Na vitrola, bombava “Pump Up The Jam”, disco clássico do grupo de house music Technotronic. “Sabíamos todas as letras e criamos coreografias para cada música desse disco”, relembra. Já na capital, Vermelho se encontrou nos inferninhos paulistanos e começou a carreira de DJ. Explorando com energia as diversas vertentes da música disco, tornou-se rapidamente um dos símbolos da Freak Chic, festa do clube D-Edge, onde é residente desde 2010. O desejo de experimentar novas sonoridades resultou em 2015 no projeto Sphynx, criado em parceria com Zopelar. Juntos criaram a festa ODD, rolê imperdível em SP.

Paulo Tessuto, 30, tocava bateria numa banda punk e seus 1,92 m de altura garantiam um futuro escrito nas quadras de basquete. Mas ele decidiu seguir por outro caminho após uma noite de electro na D-Edge. Influenciado pela festa Voodoohop, Tessuto resolveu se montar como drag queen e criar um manifesto contra “os personagens que você acaba criando pra viver no mundo moderno”. A primeira edição da festa CAPSLOCK aconteceu na Trackers, mas logo foi às ruas. “São Paulo é uma cidade muito privada. O sucesso das festas de rua tem a ver com a liberdade que elas proporcionam”, diz. No próximo mês, Tessuto dará férias à festa e passará uma temporada na Europa: ele recebeu convites para tocar em Berlim, Istambul e Londres.

 

 

Enquanto estudava produção de áudio, Ceah Pagotto, 29, voltou-se para gêneros como o minimal e o trance psicodélico. A inexistência de performance nas apresentações, no entanto, o incomodava. "Achava e continuo achando ridículo o DJ chegar, pôr um laptop na frente dele, abrir e fazer o 'live'. Parece que o cara tá lendo um e-mail.". Ao fundar a Lumen Craft ao lado de John Evans e Noah Guper, estava claro que a proposta deveria ser diferente. Concebido ao longo de dois anos e com apenas nove shows no currículo, o projeto audiovisual faz música com sintetizadores e pads eletrônicos, além de voz, guitarra e até diretor de arte. Quase uma instalação, a Lumen Craft é aberta a experimentação e tem ganhado espaço na cena.

 

 

Não confunda com a catuaba. O nome da dupla formada em 2012 por Millos Kaiser, (à esq.) 33 e Augusto Trepanado,28, é uma homenagem à fauna da praça Dom José Gaspar, cenário das noites regadas a disco music e grooves brasileiros. Recém-chegado a São Paulo, Milos encontrou em Trepanado sua alma gêmea musical. “Nosso som vai de house a música russa”, define.  A alquimia deu certo. Quatro anos depois, a festa saltou de público (de 200 para 2.000 pessoas) e ganhou um passaporte internacional: em maio os selvagens sairão em turnê para desbravar a flora e fauna europeia.

Quando recebeu o prêmio de melhor produtor e DJ revelação em 2014 no Rio Music Conference, Marcos Benedetti, 24, já tinha um longo casamento com a música eletrônica: o DJ paulistano começou a arriscar suas primeiras produções aos 14 anos. O Volkoder do nome é uma homenagem a um filtro usado no gênero, que distorce a voz até ela parecer a de um robô. Seu maior hit, “Detroit”, abraça a estética e lembra as primeiras produções da dupla francesa Daft Punk. Escalado para tocar dois dias no Tomorrowland 2016, Volkoder promete um set cheio de novidades.

 

 

Alok Petrillo, 24, está em ascensão. Em março do ano passado, mais de 180 mil pessoas assistiram ao DJ brasiliense no Tomorrowland, que repete a dose ainda neste mês. A trajetória do músico mudou em 2014 quando foi eleito o melhor DJ brasileiro pela revista House Mag.

O reconhecimento foi fruto de um longo trabalho. Filho de DJs, Alok já arriscava aos 12 anos mixar nas picapes do pai. A influência resultou no Lógica, projeto de trance que criou em 2007 com o irmão Bhaskar. A parceria se desfez em 2010, quando decidiu voar solo e criou o hit “We Are Underground”, que contabiliza mais de 1 milhão de players no Soundcloud. O sucesso o levou a ganhar um palco com seu nome no Tomorrowland 2016, em que se apresentará por dois dias. “O festival é uma ótima oportunidade para garimpar novos nomes e sons”, diz Alok.

 

 

Design: Alex Kidd e Cesar Albornoz / Textos: Alex Kidd e Natália Albertoni / Fotos e vídeos: Gabriel Cabral

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