1. O ato de mandar nudes é restrito aos jovens?

  2. Existe o conceito que fala sobre nativos e imigrantes digitais. Para esses últimos, é como aprender uma nova cultura, uma nova linguagem, ao passo que aos nativos é algo natural. Eu entendo que existe uma diferença no uso da tecnologia. Para uma pessoa de 70 anos, é como se fosse aprender alemão. É diferente aprender depois de uma certa idade. Mas eu acredito que as pessoas mais velhas estão se aproximando desse tipo de comunicação, inclusive de atos como o de “mandar nudes”, e isso do Stenio Garcia com a mulher dele mostra isso. Claro, eles usam menos do que os mais jovens. Isso dos nudes deixa assustadas as pessoas mais conservadoras, pois antes não tinha como fazer, a pessoa não ia tirar um nude e mandar para um fotógrafo revelar. A tecnologia possibilitou também essa forma de comunicação por fotos.

  3. Por que as pessoas mandam fotos peladas?

  4. Eu acho que o exibicionismo, a vontade de se mostrar bonito, é um desejo muito humano. Se for pensar, os pintores do Renascimento já faziam aulas com modelos nus. Mas também não tenho uma opinião tão naturalista. Eu acredito que a comunicação que a gente tem hoje possibilita esse desejo inato do ser humano, pois ela desperta e potencializa essa vontade, a partir do momento em que existe a possibilidade de mandar fotos nuas. Isso vira um certo padrão, um certo modelo.

  5. E as pessoas têm consciência do risco?

  6. Eu acho que a comunicação virtual fica em um espaço meio obscuro, sem um limite definido entre o que é o mundo interno, o dos pensamentos e das fantasias, e o mundo externo, aquele da sociedade. O Facebook, por exemplo, te pergunta: ‘o que você está pensando?’ É um convite para expor seu pensamento, que é muito íntima.

    Como tudo isso é muito novo, as pessoas acabam se confundindo e não se dando conta que aquilo vai se tornar público. Eu atendo adolescentes que falam “ah, todo mundo manda nudes e todo mundo pede para mandar”, eu fico pensando se está claro para esse adolescente se ele está tirando essa foto para ele mesmo, do mundo interno das fantasias pessoais, ou se está se comunicando lá fora.

  7. E quando ocorre um vazamento, como é a reação das pessoas?

  8. Quando essas fotos vazam, parece que tem o susto. “Nossa, como assim? Algo da minha cabeça vai se tornar público?”. Para dar um exemplo dessa confusão, existe um centro em Londres só de pessoas que foram condenadas por pedofilia. E eles se sentem muito surpresos de serem presas. “Como alguém me prende por causa de um pensamento?” Não existe muito a ideia que para ter a foto da criança, o pedófilo precisou ter acesso a uma foto de uma criança de verdade. Essa mudança entre mundo real e mundo virtual confunde um pouco. A questão dos nudes segue esse mesmo caminho, ilustra essa confusão.

  9. Mas vai chegar uma hora que vai se tornar normal esse comportamento?

  10. As pessoas ainda ficam surpresas por ser algo novo, até pouco tempo atrás não existiam esses celulares com máquinas e aplicativos de mensagens instantâneas. E por causa disso, adolescentes ainda se suicidem. Mas eu acredito que daqui a um tempo isso não seja mais uma questão. Talvez todos vão mandar fotos nuas uns para os outros e isso não vai mais ser discutido. Vai ser superado esse surto.

  11. E por que as meninas sofrem tão mais com os vazamentos?

  12. Entre os adolescentes fica muito claro. O cara que manda foto é o garanhão, enquanto as meninas são vagabundas. A ideia é muito simples: a sexualidade feminina é vista como algo pecaminoso, enquanto a masculina é louvada. É a ideia da mulher que não se dá o valor. Se for pensar, elas estão na mesma situação das bruxas que eram queimadas na fogueira na Idade Média. Para a sociedade, é como se a sexualidade feminina tivesse que ser secreta.

  13. E como trabalhar essa questão com as meninas?

  14. Eu tento conversar com minhas pacientes de forma a fazê-las perceber a questão: “olha que engraçado, sua amiga que mandou foto é vagabunda, mas e o menino?”. Tento trazer essa reflexão de que existe uma diferença abissal de como o homem e a mulher são vistos. E deixo claro a seguinte mensagem: se tem algo vergonhoso nessa situação é o ato de compartilhar as fotos de pessoas que não querem que sejam pública. Eu acho que tem que ter um trabalho muito sério para que quem fique com vergonha seja quem compartilhou a foto. Isso sim é agredir, isso sim é ser violento. Todo mundo tem direito de mandar a foto que quiser.

  15. Pais e educadores sabem lidar com essa questão?

  16. Eu tenho a impressão que eles tentam usar ferramentas antigas. “Não manda foto”. Isso não ajuda em nada, pois eles vão continuar mandando. Eu acho interessante que alguns youtubers conseguem ter uma visão muito mais lúcida. Por exemplo, eu ouvi o “PC Siqueira” aconselhando para mandar fotos diferentes para pessoas diferentes, pois isso ajudaria a identificar em caso de vazamento. É isso, eles entendem essa linguagem. E não aquela conversa conservadora de “ai meu filho é depravado”.

  17. E por que as reações das pessoas na internet ainda são tão enfurecidas?

  18. Pensando no lado da psicanálise, quando você aponta o erro no outro, fica como o bom, o que se diferencia. E nessas ações de massa da internet acontece isso: “ela é a vagabunda, eu não”. E, no caso das fotos em específico, tem o discurso machista que faz parte da nossa sociedade. A comunicação deixa aberta um tipo de linguagem que no mundo presencial não é possível. É como se na internet deixasse escapar um pensamento. Pode ser que depois a pessoa até se arrependa. E tem o fenômeno de que xingar alguém aproxima as pessoas. Só ver no ambiente de trabalho com os chefes. Pessoas que não se gostam se unem para falar mal dele.