No centro de São Paulo, ‘prédio do sexo’ revela um mundo paralelo através de suas janelas


























EMILIO SANT'ANNA
KEINY ANDRADE
DE SÃO PAULO
A porta de madeira do elevador se abre. Um homem baixo, bigode cobrindo a boca e camisa aberta no peito faz as vezes de ascensorista. Com os olhos fixos no radinho de pilha que parou de funcionar, ele é direto: “Só vai parar no oitavo”.
Em meio ao mar de prédios da cidade, o Itatiaia é só mais um onde o trabalho não pode parar. São nove andares, 16 varandas, 12 janelas, quase uma centena de mulheres. Entra e sai sem fim.
Ninguém pode carregar consigo mochila, pasta ou qualquer outra coisa além do próprio desejo e curiosidade.
Ressuscitado, o radinho despeja música sertaneja, universitária. “Oitavo. Cuidado quando abrir a porta para não bater em ninguém.”
Faz sentido. Está lotado.
Expediente: do meio da manhã até o meio da noite.
Da calçada, luzes coloridas podem ser vistas. De quando em quando, uma cabeça é posta fora, um cigarro é aceso.
A lógica parece se inverter. Ali, no centrão, na alameda Barão de Limeira, aquelas janelas servem mais para a curiosidade de quem está na rua do que para ver a vida que se desenrola lá fora.
O edifício e a deselegância indiscreta de suas varandas não passam batidos para quem levanta o olhar para além das marquises. Mulheres acenam para os comércios vizinhos, encomendam o almoço lá de cima mesmo, mandam beijos para curiosos, desfilam para olhos desconhecidos.
Dentro, a marcha não para. Motoboys, homens de terno surrado, trabalhadores de uniforme, imigrantes a vagar pelos corredores, descer as escadas em caracol, entrar em cada um dos 17 apartamentos.
Moto-perpétuo.
“Oi, lindo. Quer dar um pulo lá dentro?” Andar por andar, mulheres de biquínis, lingerie e microssaias.
“Quanto vale o show?”, pergunta o rapaz de cabelo escovinha a uma mulata, vinte e tantos anos, espartilho vermelho, seios pequenos e cintura larga.
“Pra você é R$ 30.”
Para todo mundo.
O preço é tabelado. O tempo também. Quinze minutos. “É mais do que suficiente, gato, ou você acha que aguenta mais?”, desdenha uma morena magra, cinta-liga faltando uma das tiras.
Em comum, o celular. Entre uma oferta e outras, elas matam o tempo no zap-zap.
Só elas, porque tirar o aparelho do bolso é expressamente proibido a todos os clientes, diz um papel afixado logo na saída do elevador. Fotografar é “pedir para dar treta,” diz um homem de meia-idade, circulando pelo oitavo com ares de leão de chácara.
A divisão territorial em cada andar atende uma lógica. Na porta dos apartamentos, as mais jovens. Na entrada da escada, as de meia-idade, nos degraus, as mais velhas. Algumas, poucas, cabelos grisalhos.
Ali, o som dos andares se mistura. Misto de sertanejo, pagode e música romântica.
Na entrada de alguns apartamentos, “tias” vendem cerveja em bares improvisados.
No quinto, um globo de boate gira iluminando o ambiente. Lá dentro, à direita da porta, pequenos quatros são formados com divisórias de madeira. Cheiro forte. Camas de alvenaria. Colchonetes sem lençol.
À esquerda, armários das meninas e um banheiro. Item fundamental.
“Vamos? Ok. Mas primeiro tem que tomar banho, lindo”, diz a loira. Suado, o imigrante hispano-americano aproveita a hora do almoço para “aliviar”. Veio a pé. Saiu do elevador no oitavo, não conseguiu segurar mais do que dois andares. No sexto, encarou a moça, apontou com a cabeça para o quarto. Foi. Quinze minutos é quase uma eternidade.
“Pó, cara. Pó. Tem muito maluco que chega tão cheirado que não quer saber de nada”, diz uma morena, saia e bustiê, recatada para os padrões locais. “‘Não quer’, não. Não consegue”, completa.
Cabelos longos, olhos claros. A mais assediada do quarto andar. O ar blasé também destoa. Diz que faz programas em uma conhecida casa noturna da zona sul, onde cobra R$ 400. Vê-la ali é oportunidade rara, ela garante. “Não venho sempre. Só quando tô precisando mesmo”, afirma.
Todos estão. Muita gente nos corredores e nas escadas. Poucos abrindo a carteira. “Me liga, então”.
Na lógica invertida do edifício, o primeiro andar é também o último. Quem chega até ali é porque não se decidiu ou já saciou a curiosidade.
Para esses, resta passar no hall, pegar seus pertences, guardar o desejo, e voltar para a vida cotidiana.
Para os outros, o caminho é de novo o elevador. “Só vai parar no oitavo.” “Cuidado quando abrir a porta para não bater em ninguém.”
O dia passa assim por ali. A noite chega e, por volta das 21h, a porta do edifício é fechada. Quem ainda está dentro, que corra se arrumar de uma vez.
Apressadas, as mulheres começam a deixar o prédio. Tudo em volta vai fechando, a rua está vazia. As luzes das sacadas vão, aos poucos, se apagando.
Através de uma janela, ainda pode-se ver a prosa descontraída entre um rapaz e uma garota enrolada em uma toalha. Eles riem.
Em outra, uma jovem sozinha descansa o olhar com a cabeça apoiada no batente.
Sentada na cama desarrumada, uma mulher mais velha acende um cigarro. Dois andares acima, uma moça seminua se limpa após a última transa do dia. A faxineira recolhe lençóis e toalhas. As duas conversam, dão risada, mostram cremes e bijuterias.
O prédio adormece.