Maior metrópole da América Latina, São Paulo se tornou palco onde quase todos os elementos da pandemia aconteceram. Desde a crise econômica, que assolou milhares de brasileiros, até a esperança de dias melhores.
Fotografias de Eduardo Knapp
Texto de Antonio Prata
Produzido por Otavio Valle (edição) e Thea Severino
Quarentena
Vinte e Cinco de Março, a rua, costuma ser um formigueiro. Acontece que em vinte e quatro de março, a data, o estado de São Paulo decretou oficialmente o lockdown.
"Artigo 1º - Fica decretada medida de quarentena no Estado de São Paulo, consistente em restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus, nos termos deste decreto. Parágrafo único - A medida a que alude o 'caput' deste artigo vigorará de 24 de março a 7 de abril de 2020."
A gente achava mesmo que seria só por uns 15 dias. (Riso histérico, seguido por pranto sincero). Naquela semana, apertei a mão do meu colega Leandro, saindo de um táxi, sem imaginar que só apertaria a próxima mão em setembro de 2021, dezoito meses mais tarde --e benzeria o cumprimento com fartas borrifadas de álcool 70%.
Em 1912, quando o Titanic afundou, morreram 37% dos passageiros de primeira classe, 74% dos da terceira e 77% dos tripulantes. Cento e dez anos depois, de março de 2020 a janeiro de 2022, a taxa de homens negros mortos por Covid em São Paulo foi de 599 por 100 mil habitantes, 60% maior que a média do Estado, de 375 por 100 mil habitantes. (Nenhum filme, aposto, será feito sobre isso).
"Bota no Youtube: tutorial-ginástica-quarentena. Pega dois galões de amaciante: faz agachamento, rosca, crucifixo, quadríceps, ombro. Eu acho que o Comfort tem uma pegada melhor que o Fofo, mas vai da pessoa. Pro aeróbico, pula corda. Ué, cê não tem varal? Então"
"Com todo respeito, aí, pela dor de vocês, humanos, mas foi um bom momento pra ser cachorro. Eu tava no corre da adoção fazia o que, Karen? Três anos? Aí começou a quarentena, geral quis ter bicho. Chegou esse casal aí. Santo bateu. Dei uma latida pra Karen, ela abanou o rabinho, fez carinha de MEME, graças a Deus tamos aqui, agora --e os caras praticamente pedem pra levar a gente pra passear umas dez vezes por dia."
Lista de compras da primeira semana: 50 velas, 30 caixas de fósforo, duas lanternas, 16 pilhas grandes, um freezer vertical, que enchi com congelados suficientes para 20 anos de Mad Max. Além, claro, de infinitos rolos de papel higiênico. Ainda há de ser estudada a relação entre o medo e o papel higiênico --embora pareça um tanto quanto óbvia
"Essa noite eu tive um sonho de sonhador/ Maluco que sou, eu sonhei/ Com o dia em que a Terra parou/ com o dia em que a Terra parou/ Foi assim/ No dia em que todas as pessoas/ Do planeta inteiro/ Resolveram que ninguém ia sair de casa (...)"
"(...) O empregado não saiu pro seu trabalho/ Pois sabia que o patrão também não tava lá/ Dona de casa não saiu pra comprar pão/ Pois sabia que o padeiro também não tava lá/ E o guarda não saiu para prender/ Pois sabia que o ladrão também não tava lá/ e o ladrão não saiu para roubar/ Pois sabia que não ia ter onde gastar/ No dia em que a Terra parou." Raul Seixas
"Planeta dos Macacos", "Apocalipse Zumbi", "A Peste", do Camus, "Contágio", com o Matt Damon, o "Apocalipse de São João", "Black Mirror", previsões da Mãe Dinah e outras fabulações delirantes foram nossos aflitivos companheiros nestes dois anos descendo pelo buraco do coelho.
Crise
Os documentários, os livros e as teses sobre como o governo Bolsonaro lidou com a pandemia serão estudados no futuro com o assombro com que lemos hoje sobre os julgamentos dos nazistas em Nuremberg. Como isso foi possível?
Após um ano e meio de pandemia, Brasil tinha 20 milhões de pessoas com fome. A sociedade civil se organizou. Se Tem Gente com Fome, Dá de Comer: R$ 22 milhões em cestas básicas. Brasil sem Fome: 100 milhões de pratos distribuídos. Ação da Cidadania, Gerando Falcões, Movimento Panela Cheia, Cufa.
Mensagem recebida da ONG SAEC, que trabalhava com moradores de rua, em junho de 2020: "Sabonete líquido. Papel interfolhas. Luvas descartáveis. Água sanitária. Desinfetante. Acho que basicamente isso, Antonio". (...) "A falta de estrutura pra essa população já é gritante no dia-a-dia, imagine nessa situação".
O mais louco, pensei mil vezes, é que se toda a humanidade passasse duas semanas realmente sem sair de casa ou mantivesse essa distância aí, de máscara, o vírus sumia. Nós somos capazes de elaborar essa estratégia, mas não de implantá-la. O vírus não elabora picas, mas implanta sua estratégia que é uma beleza.
Os protagonistas das nossas vidas: pai, mãe, irmão, irmã, melhor amigo, amiga, demos um jeito de ver. Só depois da vacina, porém, percebi como são essenciais os coadjuvantes. Aquela pessoa pra quem você nunca telefonou, mas encontra de vez em quando. O namorado da amiga. A mulher do primo. Foi o chamado "elenco de apoio" que realmente fez falta.
Faltava EPI para médicos no mundo todo, enquanto eu me barbeava numa manhã de abril com um barbeador de cinco lâminas. Chama-se Mach Five, referência aos caças supersônicos. Eis como organizamos a humanidade: passamos mais tempo desenvolvendo o barbear perfeito do que saídas para enfrentar uma pandemia.
"Tá superdimensionado o poder destruidor desse vírus". "Brasileiro pula em esgoto e não acontece nada". "Eu não sou coveiro". "E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?" "País de maricas". "Temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?". Declarações do presidente Jair Messias Bolsonaro.
Levei um ano pra entender que o elástico da máscara deveria cobrir (e segurar) as hastes dos óculos. Em abril de 2020 meus óculos escorregaram sobre o nariz coberto: no meio segundo da viagem entre o rosto e o chão, pensei: "danou-se, são meus únicos óculos, tá tudo fechado, se eles quebrarem eu vou ficar com meus 6 graus de miopia por meses". Felizmente, com a classe de um Ronaldo recebendo um lançamento longo, matei suave no peito do pé.
Comida online. Compras online. Farmácia online. Online, comprei pros meus filhos um manual de aviõezinhos de papel, um microscópio chinês vagabundo, War e Banco Imobiliário, uma cama elástica de três metros de diâmetro que ficou montada no meio da sala do apartamento. (Obrigado à Denise, do 131, pela zen-budística paciência).
Com o passar dos meses podíamos ver nos Zooms da vida os resultados, mais ou menos catastróficos, da autogestão capilar. Eu fui raspar a cabeça e a máquina quebrou no final da primeira investida. Felizmente, havia começado por trás: fiquei com uma Transamazônica da nuca ao cocuruto, até que a Magalu me entregasse a máquina nova. Meus filhos nunca se divertiram tanto quanto naquela semana, toda vez que eu virava de costas.
No primeiro ano da quarentena o Brasil teve o maior número de divórcios desde o início da série histórica, em 2007. Foram 77.112 separações, segundo o Colégio Notarial do Brasil.
Linha de frente
EPI, comorbidade, intubação, RNA, RNA mensageiro, Novo normal, Velho normal, N 95, respiradores, "Você tá mutado", "Tá falhando um pouquinho", Iamarino, Hallal e Dalcolmo foram palavras, expressões e nomes que vieram fazer parte da nossa vida. (Também descobrimos que vínhamos lavando as mãos errado desde a tenra infância).
Psicólogos atendendo remotamente, funcionários de escritório na secretaria de saúde e gente que teve a última crise de bronquite aos dez anos de idade foram vacinados antes que motoristas de ônibus, cobradores e professores. As academias de ginástica e os salões de cabeleireiro foram autorizados a abrir antes do que as escolas. O Brasil nunca decepciona.
Poema de Natal, Vinicius de Moraes: "Para isso fomos feitos Para lembrar e ser lembrados Para chorar e fazer chorar Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses Mãos para colher o que foi dado Dedos para cavar a terra (...) Por isso precisamos velar Falar baixo, pisar leve Ver a noite dormir em silêncio (...)"
Mas durante esses dois anos não nos despedimos, não velamos, não enterramos nossos mortos. Eu, minha mãe e um tio demos adeus ao meu padrasto no estacionamento do morgue, durante cinco minutos, seis da manhã. Atrás de mim, em vez de uma coroa de flores, um pôster mostrava o passo a passo do embalsamento, enquanto fumando um cigarro, nos fitava entediado o motorista do rabecão.
Eu tinha dois borrifadores de álcool e os usava simultaneamente para desinfetar as compras, como um caubói com uma arma em cada mão. Descobri da pior forma que as superfícies vermelhas, como a da geladeirinha e a das cadeiras da sala, não podiam entrar em contato com a minha munição. Foi neste dia em que eu cheguei mais perto de entrar pras estatísticas do Colégio Notarial do Brasil.
Pesquisa em 30 países mostrou que 30% das pessoas engordaram durante a quarentena. No Brasil, foram 52%. O brasileiro engordou em média 6,5 kg, contra 3,1 kg da média mundial. Eu me recuso a revelar onde eu me encontro nestas estatísticas. Só digo que me senti BEM brasileiro.
"Acho que eu não quero reatar laços como todo mundo", constatou uma amiga. "Vou fazer uma faxina nos meus contatos. Tipo uma Marie Kondo da vida social. Antes da pandemia eu me relacionava com, sei lá, 200 pessoas. Acho que quero mesmo, no máximo, umas 35."
Consumimos páginas e páginas de jornal com a curiosidade mórbida de quem diminui a velocidade para ver o acidente na estrada. (O governo, grande promotor dos acidentes, negava que eles existissem. Se não fosse o consórcio da imprensa, anotando e divulgando os dados, talvez jamais soubéssemos os números reais da pandemia).
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nunca a polícia matou tanto quanto em 2020, o primeiro ano de pandemia. Foram 6.416 pessoas, das quais 78,9% eram negras. Enquanto isso, Sergio Moro, ministro da Justiça do Bolsonaro, tentava passar um projeto de lei para que o juiz reduzisse a pena pela metade ou deixasse de aplicá-la caso a morte tivesse sido causada por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" do policial.
Aldir Blanc, Paulo Gustavo, Nelson Sargento, Tarcísio Meira, Ismael Ivo, Genival Lacerda, Alfredo Bosi, Antonio Bivar, Agnaldo Timóteo, Sérgio Sant'Anna e Ciro Pessoa foram alguns dos artistas e intelectuais brasileiros que perdemos para a Covid-19.
Ir e vir
Sem vínculos ou direitos trabalhistas, sem álcool gel ou máscaras fornecidos pelas empresas, sem auxílio em caso de acidente: assim os entregadores de aplicativos viveram a quarentena. Quando tentaram se organizar, o iFood contratou uma agência, que infiltrou falsos entregadores entre os manifestantes e promoveu desinformação online, segundo reportagem da agência Pública, numa mistura bem brasileira de "Black Mirror" e navio negreiro.
As ruas estavam tão vazias que em algumas cidades apareceram animais silvestres. Nos cruzamentos dava pra ouvir o "plec" da mudança de cor nos semáforos. Um amigo arquiteto disse que na avenida Nove de Julho, em plena luz do dia, conseguiu ouvir pela primeira vez o rio Saracura passando por baixo do asfalto.
"A melhor máscara é a azul, tripla". "A melhor máscara é 3M". "A melhor máscara é a N95 bicuda". No final de 2021 surgiu a "máscara sapatênis", preta --só dava ela entre os farialimers. Já entre os santaceciliers despontava aqui e ali a máscara bandana, a máscara bordada, a máscara #FORABOZO.
Mensagens em placas e adesivos no chão dos mercados, ordenando a fila. Nos assentos intercalados das salas de espera. Nas pias e mictórios públicos. Mas, sempre, em qualquer ocasião, tinha um cretino com a napa inteira pra fora. Depois da "arminha de mão", o nariz veio em auxílio da patética insegurança que o brasileiro tem com o próprio falo.
Performance de teatro no trânsito. Lives de música via Zoom. Peça sem plateia via streaming. Lançamentos de livro online. Cinema, futebol e circo em drive-in. Músicas gravadas com cada instrumentista num canto do mundo. Fora a sinfonia de panelas, que brotava nas janelas a cada pronunciamento do presidente. A vida dá o seu jeito.
"Tira a mão do corrimão, Dani!". "Não coça o olho, Olivia!". "Não, não é pra pegar coisa do chão, meu Deus!". "Não, não aperta o botão! Deixa que eu chamo o elevador com a chave!". "Dá aqui as mãos. Agora espalha. Isso." "Lavou as mãos? Direito? Cantou parabéns pra você duas vezes? Então lava de novo."
Apesar da intensa campanha federal contra as medidas sanitárias, a população brasileira seguiu à risca as recomendações da OMS passadas pela imprensa, prefeituras e governos estaduais. Depois, quando veio a vacina, poucos tiveram medo de virar jacaré: geral foi lá e tomou.
Quantas vezes, antes da quarentena, nos deslocávamos pra fazer uma reunião presencial? Às vezes, íamos a outra cidade. Gastava-se dinheiro, tempo e queimava-se combustível à toa. As reuniões por Zoom, parece, vieram pra ficar. As pessoas falando com o microfone fechado e um cônjuge passando pelado no fundo, também.
O novo normal
O mundo, descobrimos, era imundo. Lembra que a gente pegava na barra do metrô, depois pegava o celular, levava o celular à bochecha, cumprimentava vinte pessoas, coçava o olho, espirrava na reunião? Estes hábitos medievais, espero, ficarão pra trás.
Abrir e fechar o portão do prédio com o pé. Chamar o elevador com o cotovelo. Cumprimentar com soquinho. Tacar álcool na Bic alheia. Catraca empurra-se com a cintura. E nas portas giratórias, sempre aproveitar-se de alguém entrando e saindo, meter-se noutro gomo e passar sem encostar em nada. Quase uma dança --embora o indivíduo que usou a mão pra empurrar a porta possa se sentir levemente explorado.
Muitos amigos tiveram que lidar com o mesmo problema: um pai ou mãe rebelde que se recusava a fazer quarentena. Uns, mais toscos, por negacionismo. Alguns homens baby boomers por sentirem-se, ao serem restringidos por uma lei, tolhidos em suas masculinidades. Mas a mãe de 92 anos de uma amiga falou: "Pra vocês é só um ano. Pra mim pode ser o resto da vida". Minha amiga nunca mais lhe encheu o saco. (A mãe, felizmente, continua viva).
"Tô te ouvindo, mas não tô te vendo". "Clica na camerazinha, Adalberto. Embaixo, à direita". "Você tá no computador ou no celular?". "Consegue pôr um fone?". "Tá com eco: gente, vamos fechar todos os microfones, por favor?". "Vai cair em 30 segundos, abro outra ou a gente para aqui?".
Aí eu já acho exagero. E se a pessoa não tem celular? E se tá sem internet? Deviam botar pelo menos um cardápio físico para os nostálgicos do velho normal --assim como aqueles cardápios em inglês nos restaurantes turísticos do Rio ou Guarujá.
"Eu li que só pega através do ar". "Não, não, provaram que o vírus fica até 14 dias no papelão". "Tem que higienizar todas as compras". "Tem que tacar álcool na sola". "Não tem que higienizar compra". "O vírus não gruda no pé". "Alguém já contraiu gripe de uma maçã?". "Não sei, tem como saber?" "O Dráuzio disse que não precisa". "Ah, então, beleza... Mas e o Atila? E o Pedro Hallal?"
Terminada a quarentena eu descobri, apavorado, que não sabia mais bater esses papinhos de elevador. Fui a uma festa e me peguei puxando conversa sobre o tempo. Será possível fazer algum tipo de fisioterapia para recuperar as habilidades sociais? Tem coach de reabilitação social?
Os ritos ficaram cancelados durante a quarentena. Ou quase. Quem não lembra do papa Francisco rezando uma missa na praça São Pedro totalmente vazia, no Vaticano? Também teve gira de umbanda online. Teve meditação coletiva com cada um em sua casa e outras bênçãos pandêmicas. Sem falar dos rituais mais comezinhos, mas nem por isso menos importantes, como festas de aniversário, amigo secreto da firma e, chegando mais pro paganismo, os happy hours por Zoom e --dizem-- até surubas.
Voltando ao terreno do sagrado: o futebol é uma experiência coletiva, mesmo que dentro do carro. Cada uma dessas pessoas poderia ter assistido ao jogo em casa, sozinha, mas preferiu se juntar do jeito que rolasse. Este instinto gregário futebolístico chega a dar alguma esperança na nossa tão estropiada humanidade.
Das inúmeras perguntas para as quais ainda não temos respostas: a quarentena vai acelerar ainda mais o processo de atomização social que vínhamos vivendo ou trará um novo vigor pras experiências coletivas?
Resiliência
Talvez porque as disparidades sociais, raciais e de gênero tenham se escancarado na distância como cada um pôde atravessar o isolamento, algumas pautas explodiram. Não é exagero dizer que, nos últimos anos, o Brasil acordou de um transe de séculos. Sai "Democracia Racial", entra "Racismo Estrutural".
Com a gentileza que lhe é habitual, a Polícia Militar de São Paulo lança bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes que exigiam do governo federal o cumprimento da Constituição. Quando outros manifestantes, no mesmo ano, na mesma avenida, pediram golpe de Estado, a PM trocou a preocupação com a ordem por selfies com o golpistas.
Você sabe que vai morrer. Mas no fundo, no fundo, você não acredita mesmo que vai morrer, né? Aí aparece o vírus matando jovem, triatleta, monge, vegetariano. Foram dois anos caminhando por um terreno minado, contemplando a possibilidade concreta do fim.
O que mais me assustava era a morte solitária. Você dá um até logo de manhã, vai pra UTI de tarde, pode passar semanas, meses, sem nenhum contato com sua mulher, seus filhos. As famílias sem notícias dos doentes. Uma dor desorganizada, desordenada e desassistida dói muito mais.
"E daí, lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre". "Chega de frescura e mimimi". "Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa". "Quer fechar de novo, porra?". "Coleira que querem botar no povo brasileiro". Jair Messias Bolsonaro.
"Como a gente sai da própria bolha?". "Como a gente fala pra fora?". "Como é possível uma frente ampla?". "Como o país não se revolta contra um sujeito que imita, caçoando, um paciente com Covid morrendo sufocado e cuja única virtude talvez seja a incompetência, que o impede de causar ainda mais mal ao mundo?"
Se eu tivesse que elencar um ponto a favor da quarentena, seria a revitalização do moletom. O moletom é o ápice do vestuário. A indústria da moda devia ter fechado depois do primeiro conjunto de moletom, como um advogado em filme americano: "meritíssimo, encerro meu caso".
Achamos que nada seria pior do que 2020, mas 2021 foi. Um caso raro em que a sequência se mostrou mais impactante do que o original --2021 foi "O Poderoso Chefão 2" do calendário gregoriano.
Aos poucos, o retorno
Em 2022 levei meus filhos, pela primeira vez, a um jogo do Corinthians. Para mim a multidão no metrô cantando "aqui tem um bando de louco, louco por ti Corinthians!" vai ficar pra sempre marcado como a trilha sonora do começo do fim da quarentena. Entrar num vagão com a Gaviões me pareceu, para os meus filhos, uma boa reintrodução à vida em sociedade. Embora o resultado, 5 x 0 contra a Ponte Preta, doure um pouco a pílula da realidade.
Um dos maiores prazeres de poder voltar à vida social: ter um bom programa pra ir, arrumar-se para ir --e não ir.
Samba da bênção "Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar; Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar... Até disseram que o Sol ia nascer antes da madrugada: Por causa disso nesta noite lá no morro não se fez batucada"
"Boemia, aqui me tens de regresso E suplicante te peço a minha nova inscrição Voltei pra rever os amigos que um dia Eu deixei a chorar de alegria Me acompanha o meu violão"
Além do violão, acompanhou-me, no pós Carnaval, a variante ômicron. Eu, minha mulher e meu filho pegamos. Todos imunizados, enfim, com as vacinas que o homicida em chefe hesitou em comprar: não viramos jacaré, tivemos apenas tosse e coriza. Todo dia, porém, ainda morrem mais de cem pessoas de Covid. A grande maioria não vacinada, influenciada pela campanha de desinformação patrocinada pelo governo federal. Espero que no futuro, ao contarmos a história destes anos terríveis, possamos dizer que os responsáveis foram julgados e punidos.