Wilson Meneguci | Histórias de vítimas do novo coronavírus - Equilíbrio e saúde - Folha de S.Paulo
Descrição de chapéu Coronavírus Aqueles que perdemos

Wilson Meneguci

Médico pioneiro, salvou vidas e se tornou referência no Oeste paulista

foto de Wilson Meneguci

Wilson Meneguci, 86

médico pneumologista

faleceu em 31.ago.2020

O pneumologista Wilson Meneguci, 86, seguia sendo frequentador assíduo e interessado nos encontros às sextas-feiras com outros médicos de sua área de atuação na Santa Casa de Presidente Prudente (a 556 km de SP) para discutir casos clínicos.

Único cirurgião torácico do Oeste Paulista quando chegara ao hospital, fora ele próprio quem havia criado ali o Centro de Estudos Câmara Lopes, para fomentar, através de reuniões semanais, o desenvolvimento técnico-científico de colegas na região, então escassa de profissionais.

Estudioso, fazia questão de compartilhar mas também de aprender com os companheiros de profissão, todos mais novos que ele, apesar dos 62 anos de experiência médica. Precisou interromper as reuniões presenciais devido à pandemia de Covid-19, da qual foi vítima na última segunda-feira (31).

Nascido em Pedregulho (a 451 km de SP), segundo filho entre seis irmãos, cresceu brincando em fazendas locais e desenvolveu logo cedo o gosto por leitura -chegava a madrugar para ler os jornais entregues aos vizinhos antes que fossem recolhidos à porta, segundo contava.

Aos 19 anos, ingressou na segundo turma da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), pela qual se formou em 1958. Ainda realizou dois anos de residência em cirurgia sob a tutela de Luiz Heraldo Câmara Lopes, médico reverenciado já à época.

Junto ao tutor intelectual, aprendeu técnicas então inovadoras e ainda hoje aplicadas de cirurgia de esôfago e passou a se reunir com colegas para discutir literatura médica e comentar casos, prática que levou a Prudente anos depois, já na condição de mestre e homenageando o antigo orientador.

Em 1972, foi convencido por colegas a trocar Ribeirão Preto (a 312 km de SP) por Prudente, onde seria pioneiro em cirurgia do tórax, pescoço e cabeça. Logo foi integrado ao corpo clínico da Santa Casa local, na qual, 47 anos depois, faleceu em decorrência de complicações da Covid-19.

Dois anos após sua chegada à cidade, perdeu a primeira esposa, Maria Bernadete, mãe de seus quatro filhos, em um acidente de carro. Já em 1978, casou-se com a enfermeira obstetra Aparecida, hoje internada em uma UTI (unidade de terapia intensiva), também infectada pelo coronavírus.

Meneguci, como ficou conhecido, dedicou-se a cirurgia até a virada do século, quando passou a se concentrar em clínica médica. Antes, ajudou na formação de sucessores, caso do cirurgião Enio Maia, que cuidou do tutor em seus últimos dias de vida, até ser ele próprio acometido pela Covid-19.

Para o pupilo, além da generosidade com colegas, a dedicação aos pacientes é parte marcante do legado do mentor: "Sempre tratava de forma muita humana". A impressão é compartilhada pelo radiologista Jaime Barbosa, amigo de Meneguci por cinco décadas: "Era responsável com o doente".

Na região, o médico protagoniza relatos por ter salvo a vida de pacientes, que chegavam até de estados vizinhos. Familiares usualmente ouvem histórias de anônimos sobre o patriarca quando têm o sobrenome reconhecido. Até pouco antes de morrer, seguia requisitado para tratar doenças respiratórias.

Longe do trabalho, mantinha o perfil disciplinado e curioso, com uma volumosa biblioteca em casa. Gostava ainda de passar tempo em seu sítio e embarcar em expedições para pescar -no consultório, chegou a expor uma cabeça de jaú embalsamada, para atestar as façanhas de pescador.

Com a pandemia, ficou afastado do trabalho por cerca de três meses, até retomar as atividades, em especial na Santa Casa prudentina. Acabou diagnosticado com a doença causada pelo novo coronavírus em meados de agosto. Não resistiu após ter estado internado em UTI por 18 dias.

Sem poderem se despedir, familiares e amigos fizeram uma corrente de oração à distância em memória dele na manhã em que foi sepultado, no cemitério municipal São João Batista, em Presidente Prudente. Na ocasião, os hospitais locais prestaram homenagem a ele com um minuto de silêncio.

Wilson Meneguci deixa, além da esposa e dos filhos, cinco netos e quatro bisnetos, entre eles a recém-nascida Catarina, que conheceu o bisavô por chamada de vídeo, já hospitalizado. (Paulo Batistella)