Música muito popular brasileira

Quem merece o selo de música popular brasileira? <b>Folha</b> analisa 134 bilhões de execuções no YouTube para descobrir o que os brasileiros ouvem e como, quando, onde e por que

Mercado da música

Streaming dá fôlego ao setor e molda consumo

A indústria fonográfica tem se reerguido por meio do mercado digital, que, alavancado pelo streaming, passou a representar metade da receita global do setor desde 2016. Os primeiros sinais de recuperação vieram em 2015 e se fortaleceram nos últimos dois anos.

Apesar de favorável, o cenário ainda se encontra distante do áureo fim dos anos 1990, mas, segundo projeção da Goldman Sachs divulgada em agosto, a indústria deve se recuperar até 2030. Até lá, sua receita deve atingir US$ 41 bilhões, enquanto a do mercado global de música deve chegar a US$ 119 bilhões.

A recuperação se estabelece conforme a evolução das tecnologias —como o acesso a redes mais rápidas e smartphones com maior armazenamento— e as mudanças de hábito de consumo, ao mesmo tempo incentivando-as e alimentando-se delas.

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Há diversas características da nova maneira de consumir música, mas uma, destacada pela US Music 260, pesquisa divulgada pela Nielsen neste ano, chama a atenção: a experiência musical, valendo-se de curadorias customizadas e de "devices" musicais, tem se tornado cada vez mais individualizada.

As playlists se tornaram meninas dos olhos de serviços de vídeo como o YouTube, campeão de acesso pelos brasileiros que querem ouvir música. Há relatos de usuários que recebem para incluir uma faixa entre uma seleção de grande audiência.

Bruno Vieira, diretor da Deezer no Brasil, diz que as playlists são a principal forma de consumo na plataforma.

"Essa cultura diminuiu o hábito de consumir o álbum", afirma. "Lá atrás existia o EP, o single, mas, com o CD, isso se perdeu, e agora está retomando", comenta.

Cerca de 74% dos usuários de streaming criam suas próprias seleções, afirma a Nielsen. Elas também passaram a ser um recurso valioso em plataformas de streaming de áudio e podem alavancar a carreira de artistas.

É o caso do DJ e produtor musical brasileiro Alok, tido como case de sucesso em um experimento do Spotify. Em um esquema de pirâmide, o artista foi incluído primeiro em playlists regionais até figurar em uma global.

Assim, tornou-se o primeiro brasileiro no Top 50 Global da plataforma. Seu hit "Hear me Now" conseguiu ainda ficar entre as 20 músicas mais ouvidas em rádios de todo o país em 2017, segundo o Ecad.

As rádios, por sua vez, mantêm sua relevância.

Segundo a Kantar Ibope Media, as transmissões atingem 87% da população nas 13 regiões metropolitanas do país e os ouvintes dedicam, em média, quatro horas e 40 minutos ao dia a escutar rádio em casa, no carro e no trabalho.

Não é sem razão, portanto, que rádios sejam vistas com bons olhos em estratégias de lançamentos de gravadoras, especialmente para sertanejo e novo pop brasileiro (misturado com funk, como Anitta, Ludmilla e Nego do Borel), afirma Paulo Junqueiro, presidente da Sony no Brasil.

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"O Brasil é muito grande e, para uma música se tornar nacional, precisa tocar em rádio", diz. Ele afirma que, mesmo diante das modificações na indústria, o papel das gravadoras continua igual.

"O que mudou foi o canal de distribuição", afirma. Para Junqueiro, o mercado digital "estreitou laços" e facilitou a caçada a talentos.

"Há 20 anos, para encontrar um artista ou era por alguém que trazia uma demo ou era a gravadora que ia ao show e sabia o que estava acontecendo." Junqueiro conta que agora tem o hábito diário de ver os charts do Spotify ao acordar.

O garimpo de novidades também é um filão importante do streaming. Plataformas apostam em recursos de curadoria personalizada, como o Flow, da Deezer, e playlists como "Descobertas da Semana", do Spotify.

Ainda assim, 70% das músicas reproduzidas são de catálogo, diz a analista Lisa Yang, na divulgação da pesquisa Music in the Air, da Goldman Sachs. "Isso significa que você pode monetizar melhor seu acervo."

Seja novidade no cenário ou artista tarimbado, há uma constante no pódio dos mais escutados: brasileiro consome música nacional.

Entre as Top 100 músicas mais ouvidas na Deezer, cerca de 70% são de conteúdo nacional. Já no Spotify, 19 dos 20 artistas mais ouvidos no país são brasileiros.

ROYALTIES

Neste ano, a Deezer passou a propor um novo modelo de pagamento de royalties. A ideia é que a assinatura mensal paga por cada assinante seja distribuída somente entre os artistas que ele ouviu durante o período.

Atualmente, toda a arrecadação proveniente de usuários pagantes é destinada a um fundo único e distribuída a todos os artistas, de forma proporcional às reproduções que cada um teve no período.

"Nossa crença é a de que essa não apenas é uma maneira muito mais justa de distribuição de receita como também terá um efeito positivo sobre reproduções fraudulentas que são planejadas para desviar pagamentos através de tráfego impulsionado por robôs", diz o manifesto da empresa sobre o UCPS (Sistema de Pagamento Centrado no Usuário).

Para Henrique Leite, chefe de relacionamento da Deezer com gravadoras na América Latina, o modelo atual não é ruim, mas pode melhorar. Com a proposta, diz, haveria "uma relação mais direta com artistas que têm fãs engajados e a receita que ele vai gerar".

"Para um artista extremamente forte que consegue mobilizar sua fanbase, é como se ele estivesse vendendo um CD por usuário naquele mês", diz o executivo.

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O modelo chega em um momento em que a indústria da música debate o "value gap" de serviços de vídeo como o YouTube -o contraste entre o número de reproduções no serviço e a receita gerada por ele aos autores.

Segundo o estudo YouTube Insights, publicado em julho, o YouTube, sozinho, é do tamanho do rádio no Brasil e assistido pela população acima de 12 anos das classes A, B e C. A música é o principal conteúdo consumido.

O público desses serviços é estimado em 900 milhões de usuários. A receita transferida aos detentores de direitos autorais é da ordem de US$ 553 milhões.

Como contraponto, uma base de 212 milhões de usuários de serviços de áudio por assinatura (pagos ou financiados por publicidade), como o Spotify, contribuiu com mais de US$ 3,9 bilhões.

A IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica) estima que o Spotify tenha pagado a gravadoras US$ 20 por usuário em 2015, último ano em que dados do tipo foram disponibilizados.

Em contrapartida, estima que o YouTube tenha retornado menos de US$ 1 por cada ouvinte de música.

Procurado pela reportagem, o Google não comentou sobre o "value gap" e afirma que, por meio do YouTube, já pagou mais de US$ 3 bilhões de dólares à indústria musical no mundo todo.

"Esse número tem crescido de forma consistente ano a ano. Estamos direcionando receitas importantes aos criadores e detentores de direitos, tanto aos já estabelecidos como aos emergentes", diz Sandra Jimenez, chefe do setor de música do YouTube e do Google Play na América Latina.

O mercado também estuda a utilização de blockchain, um banco de dados descentralizado que permite um rastreio de informações e transações comerciais supostamente à prova de fraudes.

A tecnologia, a mesma por trás da criptomoeda Bitcoin, poderia ser utilizada para pagamentos de royalties ou certificação de direitos autorais.