Sebastião Salgado na Amazônia - Alto do Xingu

<b>Xingu </b> População indígena no norte do Mato Grosso já foi dizimada por epidemias, a primeira delas no século 16; sanitarista que trabalha na região prevê 'situação explosiva' e diz que cidades vizinhas já têm infectados por coronavírus

Diabetes, obesidade e pressão alta preocupam médicos

Diabetes, obesidade e pressão alta preocupam médicos

A chegada da epidemia de coronavírus e a contaminação do território por agrotóxicos não são as únicas ameaças à saúde dos índios da Terra Indígena do Xingu. Hoje, há também grande preocupação com o crescimento dos casos de diabetes (doença caracterizada por excesso de açúcar no sangue ou hiperglicemia), provocado pela mudança dos hábitos alimentares tradicionais ao longo principalmente das três últimas décadas.

Não se trata de um problema exclusivo dos xinguanos. É um fenômeno estudado entre índios das três Américas e, no Brasil, se revela particularmente grave entre os xavantes, habitantes do mesmo Mato Grosso.

Até meados dos anos 1980, não existiam na Terra Indígena do Xingu casos de diabetes, obesidade e hipertensão. Isso ficou comprovado por um estudo realizado em diversos países para medir a relação entre o uso do sal industrial e a incidência de pressão alta, denominado Intersalt. No Brasil, foram estudados os xinguanos e os ianomâmis. A Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) participou da pesquisa, com o levantamento sobre os xinguanos. Na época, os dois grupos brasileiros não tinham registros de pressão alta, obesidade e diabetes.

Cerca de 15 anos depois, um novo estudo foi realizado no Xingu e apareceram vários casos de excesso de peso, mas apenas dois de diabetes. Agora está sendo feito um novo levantamento, e a pesquisa já aponta 70 ocorrências de diabetes e muitas outras de excesso de peso.

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"É um problema crescente", diz o médico sanitarista Douglas Rodrigues. "Há grande preocupação, porque a diabetes é diferente de outras doenças para as quais temos remédios, como malária. A hiperglicemia é crônica e causa múltiplas lesões: no olho, nos rins, nas extremidades. E hoje já é o principal problema de saúde pública no Xingu", diz.

A ocorrência dessa doença entre indígenas de todo o planeta, quando adotam dietas industrializadas e ricas em açúcar, vem sendo estudada há várias décadas. O que os cientistas notam é que, ao adotar comidas típicas dos brancos, os índios desenvolvem mais diabetes do que os próprios habitantes das grandes cidades.

Isso se deve a uma característica adquirida pelos indígenas ao longo dos muitos milênios seguindo o mesmo estilo de vida. Eles passam a ter um metabolismo chamado de genótipo econômico, incorporado ao seu padrão genético pelo mecanismo que os cientistas chamam de epigenética (os fatores externos, como o modo de vida, ativam certos genes mais que outros e essa característica passa para as gerações futuras, junto com o material propriamente genético, o DNA).

O genótipo econômico, explica Rodrigues, faz com que os índios absorvam muita energia dos alimentos que consomem, mais do que uma outra pessoa que tenha um estilo de vida diverso. Isso explica por que normalmente os habitantes de sociedades tribais têm ao longo do ano épocas com maior acesso a alimentos e outras em que falta comida. Quando uma roça está sendo desenvolvida, não produz; quando os rios estão cheios, na época de chuvas, é difícil pescar e até mesmo caçar. Quando têm bons alimentos, os índios tentam absorvê-los intensamente, como se criassem uma reserva para atravessar os períodos de carência. Como sua vida cotidiana exige muito esforço físico, as calorias são consumidas.

Esse fenômeno ocorreu com os índios xavantes, contatados pelos irmãos Villas Bôas em 1945. Nos anos 1970, as terras dos xavantes tinham sido invadidas, e o governo brasileiro destinou a eles várias reservas separadas entre si, com áreas insuficientes para sua sobrevivência, como as denominadas Sangradouro e São Marcos, perto da cidade de Barra do Garças (MT). Ao mesmo tempo, a Funai (Fundação Nacional do Índio) incentivou a troca da agricultura tradicional (mandioca) por arroz, cujo excedente supostamente poderiam vender. O resultado foi a mudança dos hábitos alimentares. Os xavantes têm índices de diabetes semelhantes aos índios pima norte-americanos (27% da população, quando a média brasileira é 9%).

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A incidência da doença no Xingu é baixa comparada à dos xavantes: cerca de 3%. Mas o crescimento é progressivo, partindo de zero há pouco mais de 30 anos. E, em várias aldeias do território, o índice de pessoas com excesso de peso já chega a 50%. "Temos feito campanhas para a redução do consumo de açúcar e preparamos os agentes de saúde para estimular constantemente o controle", afirma Rodrigues.

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