Mineração está muito próxima de um grupo isolado
Mineração está muito próxima de um grupo isolado
21.dez.2019
A mineração ilegal voltou à Terra Indígena Yanomami 20 anos após a expulsão de garimpeiros pelo governo Fernando Collor (1990-1992). A atividade nunca desapareceu totalmente, mas, até o fim da década passada, o número de invasores se manteve em torno de mil. Hoje, são 20 mil, segundo entidades indígenas.
A crise mundial em 2008 fez disparar o preço do ouro. No mesmo período, o real sofreu desvalorização em relação ao dólar. Houve hipervalorização do ouro em real, potencializando as receitas dos garimpos.
Isso atraiu nova onda de invasão, que coincidiu com um menor empenho pelos direitos indígenas durante a gestão Dilma Rousseff, agravado nos períodos de Michel Temer e Bolsonaro. Entre 2013 e 2015, a Funai criou e logo desativou, por falta de verba, bases de vigilância.
Os principais rios usados pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami são o Uraricoera e o Mucajaí. Na bacia deste fica a Serra da Estrutura, por onde perambula um grupo de índios isolados. De todas as ameaças aos ianomâmis, essa é a mais dramática. Os garimpos estão muito perto das malocas. O rio Uraricoera é a principal porta de entrada dos garimpeiros, que o poluíram com mercúrio. A atividade tornou a pesca impossível.
Ao sobrevoar a comunidade de Waikás, em uma expedição à Terra Indígena Yanomami, Sebastião Salgado se chocou ao ver a dimensão da área devastada pelo garimpo Tatuzão do Mutum, um quilômetro rio acima de onde moram os índios. Ali há perto de mil pessoas, entre garimpeiros e prestadores de serviço, morando em barracas de lona, em um acampamento já transformado em vila.
Em 2018, houve a notícia de confronto entre garimpeiros e índios do grupo isolado, ocorrido em maio. Invasores teriam sido flagrados por índios ao tentar furtar comida de uma roça; atacados com flechas, fugiram, mas organizaram um revide. No confronto, dois índios teriam morrido e um garimpeiro, desaparecido. A informação motivou uma ida do Exército à antiga base de vigilância da Funai. Em agosto de 2018, os militares acharam sinais de que a base havia sido usada por garimpeiros, mas ela estava vazia.
Eles foram vítimas do único caso de genocídio reconhecido no país
Uma expedição de vingança contra ianomâmis resultou no único caso de genocídio reconhecido pela Justiça brasileira em toda a história.
No Massacre de Haximu, em 1993, todos os que estavam na aldeia com esse nome foram mortos por garimpeiros. Eram 16, entre mulheres, idosos, quatro crianças e um bebê, mortos a tiros e retalhados com facão.
Havia uma balsa do garimpo operando perto dessa comunidade, com 80 índios de pouco contato. Os indígenas costumavam pedir bens em pagamento pela invasão das terras. Alguns deles teriam ficado descontentes com o que receberam, discutido e atacado garimpeiros.
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Em resposta, chefes do garimpo organizaram um ataque que pretendia eliminar toda a comunidade, mas só encontraram velhos, mulheres e crianças. Os jovens tinham deixado o local pouco antes. O crime teve repercussão internacional.
O Ministério Público Federal acusou os responsáveis por genocídio. Os cinco foram condenados a 20 anos em primeira instância em 1997, entre eles o líder, Pedro Emiliano Garcia.
Em 1993, Garcia era dono de balsas. Na época, a técnica mais usada para mineração era submeter a encosta do rio a jatos d'água, fazendo com que ela se tornasse uma lama densa, que em seguida era sugada por uma draga e peneirada. O resultado é que os rios perdem suas margens e suas águas ficam sujas.
A sentença foi confirmada pelo STF em 2000. Em 2011, Garcia voltou a atuar como empresário de mineração na área dos ianomâmis. Apesar da gravidade do crime, a 3ª Vara Criminal de Roraima deu por cumprida a pena em janeiro daquele ano e o condenado foi solto. Dos cinco, só ele está vivo, segundo a polícia.
Garcia passou de dono de balsa a fornecedor de produtos e serviços a garimpeiros, operando aeronaves entre Boa Vista e a área ianomâmi. Foi detido algumas vezes por ligação com o garimpo entre 2012 e 2018.
Ditadura militar queria instalar uma nova Serra Pelada em Roraima
O sucesso do Major Curió, comandante da exploração de ouro em Serra Pelada que transformou os milhares de garimpeiros em força popular a favor do regime militar, nos anos 1980, entusiasmou militares que queriam ocupar a chamada Calha Norte da Amazônia para afastar o fantasma das invasões estrangeiras e atenuar a porosidade das fronteiras brasileiras.
No início do governo José Sarney (1985-1989), militares ligados ao seu gabinete decidiram fomentar o garimpo de ouro em Roraima.
A partir de estudos dos anos 1970 que apontaram a presença de ouro na região de Carajás (Serra Pelada), uma conciliação firmada entre militares liderados pelo general Rubens Bayma Denys (que era chefe da Casa Militar de Sarney), Romero Jucá (presidente da Funai e depois nomeado governador de Roraima), empresários de mineração e garimpeiros desenhou o plano que, nos anos seguintes, se materializaria à medida que caía a produção de Serra Pelada.
A ideia foi esquentada pela frustração de militares com os rumos dos debates da Constituinte, que retiraram das Forças Armadas a competência para agir em assuntos de ordem interna nas áreas próximas à fronteira. O raciocínio era que se o Exército não podia mais ocupar as fronteiras, os garimpeiros serviriam de tropa.
Com o esgotamento de Serra Pelada, milhares desses mineradores se mandaram para Roraima. Em 1989, a atual Terra Indígena Yanomami já reunia 40 mil pessoas.
Os planos, que foram preparados no fim da ditadura militar e implantados no início da redemocratização, foram vazados pelo governo de Ferando Collor, que tentava isolar a resistência da linha dura dos militares ao reconhecimento dos direitos dos índios contra os interesses econômicos do garimpo.
Na época, os militares se dividiam entre aqueles que queriam a ocupação de Roraima e os que se opunham ao projeto, cujo porta-voz era Jarbas Passarinho, coronel e senador constituinte, responsável pela redação do capítulo de direitos indígenas da Constituição.
Na posição de ministro da Justiça de Collor, Passarinho assinou a homologação da Terra Indígena Yanomami, criando a reserva e expulsando os garimpeiros.
Funai diz que combate a prática criminosa na terra indígena
A atual gestão da Funai (Fundação Nacional do Índio) informa que reconhece a presença de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e afirma que vem atuando, em parceria com outros órgãos dos governos federal e estadual, em ações de fiscalização, proteção e combate à prática criminosa.
"Este ano, uma grande ação de desmantelamento do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami chegou à etapa final no mês de outubro de 2019. A Operação Walopali/Curare XI abordou mais de 30 focos de garimpo, realizou o flagrante de diversos ilícitos na TI [Terra Indígena] e retirou cerca de 300 invasores durante 12 dias de duração".
Participaram, conforme a Funai, cerca de 75 agentes do órgão, Exército Brasileiro, Polícia Federal, Ibama, ICMBio, Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo [do Ministério da Economia], Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima (Femarh) e Polícia Civil de Roraima. Eles se dividiram em três frentes de atuação na região ocidental da Terra Indígena e na Floresta Nacional de Roraima, "ao longo das calhas dos rios Mucajaí e Couto Magalhães, um dos principais focos de garimpo ilegal".
Além disso, segue a nota, "a Funai atua permanentemente no local por meio da base de proteção etnoambiental Walopali, que vem contando com o apoio do Exército Brasileiro".
O xamã conhecido como André evoca espíritos auxiliares para celebração na aldeia de Piaú, que fica na divisa de Roraima com o Amazonas