Sebastião Salgado na Amazônia - Marubos

Mudou para pior a vida dos índios <b class="red">marubos</b>, mostra o produto de duas expedições fotográficas separadas por 20 anos feitas ao sul do Amazonas; eles se sentem ameaçados por movimentos recentes de caráter econômico, político e criminoso

A maloca é sempre escura e obriga qualquer um a se curvar na entrada

A maloca é sempre escura e obriga qualquer um a se curvar na entrada

Na chegada à aldeia Maronal, principal comunidade dos marubos, o forasteiro é conduzido em uma marcha na qual os índios cantam e dançam, enquanto percorrem o espaço onde ficam suas casas.

A recepção é uma festa. Os visitantes são levados à maloca do principal líder, Ivinimpapa, o Alfredão. Homens mais velhos nos esperam na entrada, sentados em bancos.

A expedição de Sebastião Salgado começa por Maronal porque há, ali, uma reunião de representantes de várias comunidades, presentes para uma festa de celebração da fartura da época das chuvas, chamada de isso-shënya ou "macaco gordo".

Nessas oportunidades, todos aproveitam para trocar experiências e narrar os problemas que vivem.

É também quando se faz política: durante o dia, os líderes falam sobre preocupações com seu território, a saúde dos marubos e as ameaças aos índios isolados. Depois, dançam e cantam até o amanhecer.

A aldeia é formada por seis seções entremeadas por trechos de mata. Cada uma dessas seções tem uma grande maloca oblonga (seu formato lembra uma bola de futebol americano cortada ao meio) ao centro e várias casas pequenas em volta. A maloca é como uma aldeia independente, formada por uma família ou clã. É conhecida pelo nome do líder que a construiu ou a comanda, mas é coletiva, abriga a todos daquele grupo.

As pessoas dormem e comem por lá. Há espaços demarcados para cada família nuclear. Cada mãe tem seu fogareiro para esquentar as noites e cozinhar -o que ela prepara é para consumo de todos.

Nas construções em volta, as famílias guardam os bens que não cabem na residência, como panelas de barro, máscaras rituais e coisas adquiridas após o convívio com não índios (motosserras, motores, aparelhos de som). Durante o dia, essas casas são usadas para atividades que exigem luz, como a confecção de artesanatos, já que as malocas são escuras.

A forma mais rápida de chegar à terrados marubos é voando de monomotor de Cruzeiro do Sul, no Acre, até as comunidades que têm pistas de pouso, caso de Maronal. Essa viagem só pode ser feita em um teco-teco, porque a pista é curta e em forma de "L".

Minutos depois de sair de Cruzeiro do Sul, o cenário de fazendas desmatadas é substituído pelo da floresta densa. A visão é a de um maciço verde escuro, às vezes cortado por pequenos rios de cor barrenta e umas poucas clareiras naturais. Voamos nesse cenário até que o piloto localiza um grupo de quatro malocas com casinhas em volta.

A chegada, precedida pelo barulho do motor, atrai à pista um monte de gente, em que se destacam as crianças e as mulheres com os adereços típicos do grupo: longos fios de contas grossas, brancas, cruzados sobre o peito e as costas, e outros mais finos, de miçangas, que vão de orelha a orelha passando por dentro do nariz, marca registrada da etnia.

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Quando se trata de relacionamento com o Estado ou os não índios, os marubos têm duas referências: as cidades de Atalaia do Norte (Amazonas) e de Cruzeiro do Sul. Embora vivam na Terra Indígena Vale do Javari, dentro do município amazonense, a cidade acreana é mais perto, a cerca de 60 km do limite sul da terra indígena. Em linha reta, os pequenos aviões fazem o percurso em meia hora. A pé, são dois dias e meio.

Para Atalaia do Norte são feitas as viagens de barco, mais demoradas, que levam cargas pesadas. São cerca de 230 km em linha reta, mas, serpenteando os rios, o percurso chega a durar nove dias.

Homem senta em banco e come antes da mulher, que senta no chão

Ao entrar em uma maloca marubo, os olhos têm um choque: impera um escuro permanente, quebrado apenas por alguns pequenos buracos no teto e os fachos que entram nas duas únicas entradas, nos lados opostos da grande casa comum.

Nas pontas, as portas sempre abertas exigem que até o mais baixo dos adultos se curve para entrar. Há uma entrada principal, que aponta para o nascer do sol, e uma oposta. As visitas entram pelo lado da alvorada. Logo se veem dois bancos compridos que formam um corredor.

Atrás do banco da esquerda há um trocano, instrumento de percussão composto por um tronco escavado no miolo, com uma abertura reta, no sentido da madeira. Quando alguém bate com bastões rígidos nesse orifício ou pelo lado de fora, o instrumento emite um som grave e alto, que serve para chamar a atenção de pessoas distantes ou comandar o ritmo da música nas noites de festa.

Os bancos são reservados aos homens. Ali eles conversam, comem, tomam ayahuasca e cheiram rapé.

As mulheres se sentam ao centro, em esteiras no chão, com as crianças, e fazem as refeições depois de servirem os homens. Junto à porta dos fundos há um outro tronco, usado como pilão, para triturar alimentos.

A maloca é sustentada por colunas que a dividem em três partes. A área central é de uso coletivo, e há dois gomos laterais entre as colunas e as paredes, onde ficam os espaços de cada família. Ao entrar pela porta principal, o primeiro espaço familiar, à esquerda ou à direita, é destinado ao dono da casa.

Um homem pode se casar com uma ou mais irmãs de sua mulher. Nesse caso, cada uma terá espaço correspondente ao de uma família, e o marido poderá ficar no espaço de uma ou de outra.

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