Cresce em um ano a mineração ilegal na terra dos yanomamis
Cresce em um ano a mineração ilegal na terra dos yanomamis
08.jul.2019 - 2h00
Nos últimos meses, a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, sofreu uma verdadeira explosão no número de garimpeiros.
O total deles passou de cerca de 3.000 a 5.000, no início de 2018, para 15 mil a 20 mil hoje, segundo a Hutukara, entidade que representa os indígenas, e agentes da Funai ouvidos pela Folha.
Desde o início dos anos 1990, quando a terra indígena foi criada e cerca de 40 mil garimpeiros foram expulsos, é a primeira vez que o número de mineradores chega à casa de dois dígitos de milhares. Há hoje na região quase um garimpeiro para cada yanomami brasileiro.
A Funai anunciou que, na segunda quinzena deste mês de julho, iniciará a reinstalação de bases de vigilância permanentes para o combate ao garimpo na terra indígena.
A primeira delas será no rio Uraricoera, principal rota de entrada e abastecimento para os garimpos.
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No segundo semestre de 2018, o Exército realizou uma operação de combate ao garimpo, implantando bases fixas nos rios Uraricoera e Mucajaí, os mesmos onde a Funai pretende atuar a partir de agora. Após a medida, cerca de 2.000 homens deixaram a área por falta de abastecimento para suas atividades.
A decisão de suspender a operação militar, em dezembro passado, e a eleição de Jair Bolsonaro, que fez da crítica às reservas indígenas uma das plataformas de campanha, foram um sinal verde para os garimpeiros.
Desde a posse do novo governo federal, aproximadamente 10 mil novos garimpeiros chegaram à região, segundo os líderes indígenas.
O clima de tensão na área se acirrou no final de junho, quando uma embarcação de garimpeiros resistiu à ordem de parada dada por uma patrulha e arremeteu contra o barco do Exército. No incidente, um militar foi ferido e perdeu parte da mão. Um garimpeiro foi preso.
A nova ação da Funai atende a uma decisão judicial que definia o mês de junho como prazo para o restabelecimento das bases implantadas no início da década e suspensas em 2015 devido a cortes no orçamento.
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No ano passado, decisão da Primeira Vara da Justiça Federal em Boa Vista, em ação iniciada pelo Ministério Público Federal, determinou que a Funai, a União e o governo de Roraima implantem e mantenham as bases, garantindo o orçamento necessário para seu funcionamento.
Além de um posto na calha do Uraricoera, devem ser implantados em seguida dois outros, um no rio Mucajaí e o terceiro na serra da Estrutura, próximo a um local habitado por um grupo yanomami isolado, chamado "moxihatetea" em língua yanomami. Em julho do ano passado, houve um conflito entre garimpeiros e membros desse grupo.
Os garimpos ilegais têm provocado grande impacto ambiental na área. A concentração de mercúrio no corpo dos moradores se tornou excessiva, e as aldeias localizadas próximas de rios estão sendo levadas a perfurar poços artesianos para evitar o consumo da água poluída. Além disso, os índios têm sido obrigados a evitar o consumo de peixes.
Um estudo publicado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em 2016 apontou níveis alarmantes do metal na população indígena da Terra Indígena Yanomami. Em algumas aldeias, o excesso do metal no corpo atinge 92% dos indivíduos.
O garimpo em Roraima é todo clandestino. Não há uma mina ou lavra oficializada em todo o estado, dentro ou fora de áreas indígenas.
Ao longo dos últimos cinco anos, esse garimpo se tornou mais intenso, profissional e organizado.
E, mais recentemente, a atividade se internacionalizou: o órgão do governo federal que acompanha as exportações (Comex) aponta que Roraima exportou 200 quilos de ouro para a Índia desde setembro de 2018, mesmo sem ter minas registradas.
Os sinais de aumento da mineração ilegal são evidentes pelo tamanho da devastação e pelos equipamentos utilizados, como o repórter constatou ao visitar a Terra Indígena Yanomami nos anos de 2014, 2015, 2018 e 2019.
Além de causar todos esses problemas, o garimpo também favorece a expansão da malária. A doença ainda está presente em toda a Amazônia, especialmente na periferia das cidades e nas pequenas vilas ribeirinhas. A sua incidência é potencializada com o desmatamento.
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Quando se corta a floresta, a população de mosquitos cresce, porque desaparecem seus predadores. Somem também os animais que os mosquitos atacam. Os garimpeiros e os índios, portanto, se tornam os seus alvos. E, ao picar mineradores contaminados, os mosquitos transmitem a doença a outras pessoas.
Quando a malária se espalha, os garimpeiros procuram os postos da Secretaria de Saúde Indígena das aldeias próximas, consumindo os kits de testes e remédios. O órgão que deve cuidar da saúde dos índios acaba, assim, destinando parte de seu orçamento para tratar invasores brancos que levam doença para a área indígena.
Sucesso de major Curió no Pará inspirou ocupação em Roraima Foi tamanha a popularidade do major Curió, o interventor enviado pelo governo à Serra Pelada quando ali explodiu o garimpo, que ele acabou atuando como "prefeito" da Vila Trinta, bairro que os garimpeiros passaram a chamar de Curionópolis. Em 2002, quando a vila se transformou em município -e foi batizada mesmo com o nome de Curionópolis-, o major foi eleito de fato como seu primeiro prefeito.
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Segundo a Folha apurou na época, o sucesso em fazer dos garimpeiros uma força popular de apoio ao regime militar entusiasmou generais que, anos depois, quiseram ocupar a chamada Calha Norte da Amazônia. A ideia era afastar o fantasma das invasões estrangeiras e reduzir a porosidade das fronteiras.
Muitos militares entenderam que, se o Exército não conseguisse ocupar as fronteiras, os garimpeiros poderiam servir de tropa.
Logo no início do governo de José Sarney (1985-89), militares ligados ao gabinete da Presidência decidiram fomentar o garimpo de ouro em Roraima. Baseada em estudos do projeto Radam (Radar da Amazônia), realizado na década de 1970, uma conciliação entre militares, políticos, empresários e garimpeiros desenhou um plano cuja eclosão coincidiu com a decadência de Serra Pelada. Milhares de garimpeiros rumaram, então, para Roraima.
Quando a produção em Serra Pelada atingia o fundo do poço, em 1989, os garimpos no que hoje é a Terra Indígena Yanomami somavam 40 mil pessoas -quase três vezes a população indígena da área.
Depoimentos de garimpeiros com 50 anos ou mais contemplam sempre esses dois momentos: a busca do ouro em Serra Pelada, no Pará, e, posteriormente, a corrida para a área dos índios, no estado de Roraima.
Técnica de enfermagem ganha R$ 9.000 por mês como cozinheira no garimpo ilegal
Antônia, 43, é técnica de enfermagem, mas no garimpo é cozinheira. A experiência em tratar doentes fez tocar rápido seu alarme quando sentiu os primeiros sintomas de malária. Preocupada em fazer o teste para saber que tipo da doença havia contraído -falciparum, mais grave, ou vivax, mais simples-, buscou atendimento no posto médico da Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai), na comunidade Ye'kwana de Waikás, na Terra Indígena Yanomami (Roraima). Ela não quis revelar seu sobrenome.
Nascida em Caititu, no Maranhão, diz que já "rodou a Amazônia inteira". Na Prefeitura de Marajá do Sena (também Maranhão), ela é concursada e recebia um salário mínimo como enfermeira, mais um adicional por ocupar cargo de confiança. Em 2016, com a mudança do prefeito, perdeu o adicional, e decidiu tentar reforçar o caixa com o bico no garimpo ilegal.
Depois de uma experiência no Suriname, com uma amiga que ganha a vida viajando de barco e vendendo mercadorias aos garimpeiros, Antônia pediu licença no trabalho. Deixou os três filhos -de 24, 21 e 8 anos- no Maranhão e foi para o Tatuzão do Mutum (ou Mutum), onde cozinha para uma equipe de 11 pessoas. Dorme pouco, trabalha muito, mas faz um bom dinheiro, diz. Prepara o café da manhã, almoço, jantar e merenda para os trabalhadores, e só descansa das 22h as 4h. Em seis meses, calcula, deverá ganhar o correspondente a quase seis anos de trabalho na Prefeitura.
Ela recebe R$ 9 mil por mês em gramas de ouro ao preço menor. O salário é líquido: não paga para comer e nem para dormir. "Eu tenho meu rabo-de-jacu lá e durmo", diz, referindo-se à tenda onde pendura a rede. Recebe assim, a cada mês, cerca de 70 gramas de ouro.
Quando consegue que a amiga, que passa oferecendo suas mercadorias no Mutum, leve seu ouro para vender em Boa Vista, aumenta a receita em cerca de R$ 1,3 mil. Isso porque, no garimpo, o ouro vale cerca de 15% menos do que na capital.
Quem paga seu salário é o "chefão", mas ele fica em Boa Vista, não vai até o Mutum. No garimpo não tem pista de pouso. Os aviões pousam na pista da comunidade indígena, que usam com uma anuência forçada dos índios. "No Mutum, pousa helicóptero. De vez em quando ele baixa lá, para buscar o ouro e deixar dinheiro".
Agora a malária ameaçava atrapalhar seus planos. Diz que pegou a doença no esconderijo, na selva, onde todos ficaram entocados durante vários dias para fugir a uma das ações policiais de combate ao garimpo clandestino. Conta que nessas oportunidades, levam comida suficiente para 10 a 15 dias, período que conseguem esticar com a caça. Mas todos ficam ainda mais expostos aos mosquitos e, por isso, à malária.
"Passamos 12 dias no esconderijo, um total de 15 pessoas, e ninguém nos achou. A gente aguenta o tempo que a polícia ficar na corrutela (a vila) do garimpo, 7, 9, 10 dias". Enquanto conta a história, mostra a foto de um bicho que fez no celular quando estava escondida na floresta. Uma espécie de gafanhoto que mimetiza direitinho o galho da madeira onde está escondido, ninguém consegue vê-lo. Ela se compara ao inseto.
A malária havia aparecido semanas antes. Sem receita médica, tomou por alguns dias comprimidos comprados na própria vila do garimpo. Sarou, mas a febre voltou e ela não sabia se era a mesma malária, que havia sido mascarada pelos remédios, ou uma nova. Por isso procurou atendimento médico.
Depois de fazer o exame na Sesai, Antônia foi embora. De canoa a remo, levaria cerca de uma hora e meia para chegar ao Mutum, e depois ainda teria que caminhar 15 minutos. Levou uma cartela de remédios para a malária detectada: a vivax, menos agressiva.
Foi tamanha a popularidade do major Curió, o interventor enviado pelo governo à Serra Pelada quando ali explodiu o garimpo, que ele acabou atuando como "prefeito" da Vila Trinta, bairro que os garimpeiros passaram a chamar de Curionópolis. Em 2002, quando a vila se transformou em município -e foi batizada mesmo com o nome de Curionópolis-, o major foi eleito de fato como seu primeiro prefeito.
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Segundo a Folha apurou na época, o sucesso em fazer dos garimpeiros uma força popular de apoio ao regime militar entusiasmou generais que, anos depois, quiseram ocupar a chamada Calha Norte da Amazônia. A ideia era afastar o fantasma das invasões estrangeiras e reduzir a porosidade das fronteiras.
Muitos militares entenderam que, se o Exército não conseguisse ocupar as fronteiras, os garimpeiros poderiam servir de tropa.
Logo no início do governo de José Sarney (1985-89), militares ligados ao gabinete da Presidência decidiram fomentar o garimpo de ouro em Roraima. Baseada em estudos do projeto Radam (Radar da Amazônia), realizado na década de 1970, uma conciliação entre militares, políticos, empresários e garimpeiros desenhou um plano cuja eclosão coincidiu com a decadência de Serra Pelada. Milhares de garimpeiros rumaram, então, para Roraima.
Quando a produção em Serra Pelada atingia o fundo do poço, em 1989, os garimpos no que hoje é a Terra Indígena Yanomami somavam 40 mil pessoas -quase três vezes a população indígena da área.
Depoimentos de garimpeiros com 50 anos ou mais contemplam sempre esses dois momentos: a busca do ouro em Serra Pelada, no Pará, e, posteriormente, a corrida para a área dos índios, no estado de Roraima.
Técnica de enfermagem ganha R$ 9.000 por mês como cozinheira no garimpo ilegal
Antônia, 43, é técnica de enfermagem, mas no garimpo é cozinheira. A experiência em tratar doentes fez tocar rápido seu alarme quando sentiu os primeiros sintomas de malária. Preocupada em fazer o teste para saber que tipo da doença havia contraído -falciparum, mais grave, ou vivax, mais simples-, buscou atendimento no posto médico da Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai), na comunidade Ye'kwana de Waikás, na Terra Indígena Yanomami (Roraima). Ela não quis revelar seu sobrenome.
Nascida em Caititu, no Maranhão, diz que já "rodou a Amazônia inteira". Na Prefeitura de Marajá do Sena (também Maranhão), ela é concursada e recebia um salário mínimo como enfermeira, mais um adicional por ocupar cargo de confiança. Em 2016, com a mudança do prefeito, perdeu o adicional, e decidiu tentar reforçar o caixa com o bico no garimpo ilegal.
Depois de uma experiência no Suriname, com uma amiga que ganha a vida viajando de barco e vendendo mercadorias aos garimpeiros, Antônia pediu licença no trabalho. Deixou os três filhos -de 24, 21 e 8 anos- no Maranhão e foi para o Tatuzão do Mutum (ou Mutum), onde cozinha para uma equipe de 11 pessoas. Dorme pouco, trabalha muito, mas faz um bom dinheiro, diz. Prepara o café da manhã, almoço, jantar e merenda para os trabalhadores, e só descansa das 22h as 4h. Em seis meses, calcula, deverá ganhar o correspondente a quase seis anos de trabalho na Prefeitura.
Ela recebe R$ 9 mil por mês em gramas de ouro ao preço menor. O salário é líquido: não paga para comer e nem para dormir. "Eu tenho meu rabo-de-jacu lá e durmo", diz, referindo-se à tenda onde pendura a rede. Recebe assim, a cada mês, cerca de 70 gramas de ouro.
Quando consegue que a amiga, que passa oferecendo suas mercadorias no Mutum, leve seu ouro para vender em Boa Vista, aumenta a receita em cerca de R$ 1,3 mil. Isso porque, no garimpo, o ouro vale cerca de 15% menos do que na capital.
Quem paga seu salário é o "chefão", mas ele fica em Boa Vista, não vai até o Mutum. No garimpo não tem pista de pouso. Os aviões pousam na pista da comunidade indígena, que usam com uma anuência forçada dos índios. "No Mutum, pousa helicóptero. De vez em quando ele baixa lá, para buscar o ouro e deixar dinheiro".
Agora a malária ameaçava atrapalhar seus planos. Diz que pegou a doença no esconderijo, na selva, onde todos ficaram entocados durante vários dias para fugir a uma das ações policiais de combate ao garimpo clandestino. Conta que nessas oportunidades, levam comida suficiente para 10 a 15 dias, período que conseguem esticar com a caça. Mas todos ficam ainda mais expostos aos mosquitos e, por isso, à malária.
"Passamos 12 dias no esconderijo, um total de 15 pessoas, e ninguém nos achou. A gente aguenta o tempo que a polícia ficar na corrutela (a vila) do garimpo, 7, 9, 10 dias". Enquanto conta a história, mostra a foto de um bicho que fez no celular quando estava escondida na floresta. Uma espécie de gafanhoto que mimetiza direitinho o galho da madeira onde está escondido, ninguém consegue vê-lo. Ela se compara ao inseto.
A malária havia aparecido semanas antes. Sem receita médica, tomou por alguns dias comprimidos comprados na própria vila do garimpo. Sarou, mas a febre voltou e ela não sabia se era a mesma malária, que havia sido mascarada pelos remédios, ou uma nova. Por isso procurou atendimento médico.
Depois de fazer o exame na Sesai, Antônia foi embora. De canoa a remo, levaria cerca de uma hora e meia para chegar ao Mutum, e depois ainda teria que caminhar 15 minutos. Levou uma cartela de remédios para a malária detectada: a vivax, menos agressiva.