Sebastião Salgado na Amazônia - Suruwaha

<b>Suruwaha</b> Expedição do fotógrafo brasileiro documenta os índios suruwahas, que vivem sem cacique ou qualquer outra hierarquia em uma pequena comunidade isolada no sul do Amazonas, onde produzem toda sua comida, cultivam o vigor físico e preservam tradições &ndash;como a de usar poções venenosas para caçar, pescar e morrer jovem

O índio Kwakway trabalha na construção de sua maloca, que será usada por toda a comunidade; as casas coletivas têm cerca de 20 metros de altura e trazem prestígio ao dono

Malocas de até 20 metros de altura podem abrigar toda a tribo

Malocas de até 20 metros de altura podem abrigar toda a tribo

Os suruwahas vivem em grandes malocas, construídas em forma cônica, com até 20 metros de altura -equivalentes a um prédio de seis ou sete andares. Há cerca de dez malocas espalhadas pela terra indígena, aptas a receber toda a população, se necessário. Mas, em geral, apenas três ou quatro estão ocupadas a cada momento, porque os índios mudam em função de conveniências, como a disponibilidade de água (quando o igarapé junto a uma casa fica mais seco, por exemplo) ou a colheita de roças com mais alimentos.

Em razão de festas, caçadas ou pescarias coletivas, todos podem se juntar em uma mesma casa por um certo período.

Até recentemente, os suruwahas estavam distribuídos em cinco malocas, duas mais próximas entre si e as outras três mais distantes das primeiras. Para chegar a elas, o fotógrafo Sebastião Salgado teve que marchar por cerca de quatro horas. Já no domingo passado (26/8), toda a população estava concentrada em uma só moradia.

Há sempre uma casa em reforma ou em construção na aldeia, para que o grupo possa ficar mais próximo de uma roça recém-aberta.

Construir uma casa é uma decisão individual. No início, o trabalho é coletivo: muitos homens auxiliam na instalação das colunas principais, grandes troncos de madeira.

A cobertura será feita praticamente por uma só pessoa, o "dono" da casa, e esse é um dos elementos que o caracterizam como um homem generoso, provedor, que dá abrigo aos outros. Essa segunda parte leva mais de um ano.

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A estrutura interna da maloca é composta por troncos longos, grossos e pesados e por outros mais finos, alternados. O dono escolhe as árvores na floresta, que serão cortadas e limpas. Para o transporte da madeira, ele conta com a ajuda de oito a dez índios.

Também é o dono quem determina as dimensões e a posição da construção -é ele quem abre os buracos no chão que receberão os troncos.

O processo de levantamento das colunas é quase uma festa. Vários homens iniciam a tarefa. Depois largam o tronco estrondosamente no chão, retomam o esforço e sobem um pouco mais, até que, para colocá-lo na posição final, usam forquilhas de outras madeiras. Isso é repetido várias vezes.

Por último, eles amarram aros feitos de madeira mais maleável às colunas, com diâmetros que vão ficando menores em direção ao topo, o que dá a forma cônica do edifício.

Os homens convocados ajudam ainda a montar os andaimes internos em que o construtor vai se equilibrar na longa jornada de instalação da cobertura de palha.

Nesse período, o dono da casa vai colher sozinho (ou apenas com um parente próximo) as folhas de uma palmeira baixa chamada caranaí; vai secá-las e desfiar suas fibras com faca, para produzir as peças que serão assentadas sobre a estrutura de madeira do telhado, como se fossem telhas de tecido vegetal. Na hora da chuva, a palha desfiada vai cumprir o papel de vedar a entrada da água.

A maloca dá a seu dono certa proeminência, porque os outros serão sempre recebidos como hóspedes, mesmo que por longos períodos ou toda a vida em comum. Embarcar na construção de uma casa é sinal de coragem já que depois, ele trabalhará muito para alimentar os visitantes.

O construtor então vira um líder, um "madi iri karuji", "pessoa inspiradora". Essa influência não se traduz em um poder executivo, de decidir pelos demais ou mandar nos outros. O que diz respeito ao direito pessoal é decidido pelo indivíduo. "Por isso, às vezes uma pessoa combina uma coisa com outra e depois, quando isso envolve uma terceira, que pensa diferente, tudo é cancelado", conta Salgado.

Dentro das malocas, as famílias se organizam em núcleos com cerca de quatro metros quadrados cada um, entre as colunas de sustentação e a parede de palha, formando um círculo em torno da praça central, reservada às atividades coletivas.

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