As músicas que embalavam os jovens
da garçonnière e o casal Oswald e Deisi
Deisi tinha principalmente música clássica em sua coleção: peças para piano, piano e violino e violoncelo e piano, quarteto e corda e algumas para orquestras --eram raras gravações sinfônicas no período-- dos maiores intérpretes que aceitavam gravar discos na época.
Ela ouvia peças românticas de Chopin, Wagner e Glazunov, bem como obras do século 18 recém-popularizadas em disco, como o "Minuetto", de Luigi Boccherini, e a "Ária na Corda Sol", de Bach.
A lista de 12 músicas a seguir, coligida em catálogos de gravações da época, é baseada nas músicas que os frequentadores da garçonnière anotaram no diário.
“It’s a Long Way to Tipperary” (Jack Judge
e Harry Williams)
A canção irlandesa, lançada em 1912, se tornou popular ao virar a favorita dos soldados britânicos durante a Primeira Guerra Mundial. Foi gravada em 1914 por John McCormack para o selo Victor.
“Young Doodle (Dandy)” (Tradicional)
Outra canção de guerra, essa peça escocesa ficou famosa durante a Guerra dos Sete Anos (1756- 1763) e se folclorizou nos Estados Unidos, onde ganhou várias gravações no início do século 20. A mais famosa foi de John McCormack. Gravação Victor, 1914.
“Some Sunday Morning” (Billy Murray)
A canção foi lançada em peças musicais americanas em 1917 pelos cantores-atores Ada Jones e Billy Murray. Em 1945, a música faria parte do filme "Cidade sem Lei" (San Antonio), na interpretação de Alexis Smith. Seria indicada ao Oscar de Melhor Canção em 1945.
“My Sweet Eileen” (John Arthur Maney)
Canção famosa em vaudevilles de Londres do final do século 19. Recebeu gravação de Harry Macdonough, lançado em 1899,
para o selo Berliner.
"Ária na Corda Sol" (Johann Sebastian Bach)
O violoncelista espanhol Pablo Casals tornou mundialmente popular o prelúdio da "Suíte nº 3" de Bach. Rebatizou-a de “Air for G String”, gravação Columbia, 5 de maio de 1915. Casals é acompanhado por um pianista não creditado.
“Berceuse” (Frédéric Chopin)
A "Berceuse em Ré Bemol Maior op. 57" de Chopin era a música que o casal Deisi-Oswald ouvia em momentos românticos. Gravação do pianista ucraniano Vladimir von Pachmann, lançamento Victor, gravação realizada em 1912. Lançada em disco de 12 polegadas, maior que o habitual, e 10 polegadas.
“Marcha Fúnebre”
(Fréderic Chopin)
O humor dos jovens da "belle époque" de São Paulo era crepuscular, melancólico e fatalista. Uma das músicas que gostavam de ouvir era a famosa “Marcha Fúnebre” de Chopin, em gravação do pianista Vladimir von Pachmann, para a Victor, disco de 12 polegadas gravado em 1913.
“Le Cygne” (Camille Saint-Säens)
Peça para violino e piano que Oswald ouviu até o fim da vida, pois evocava seus tempos de juventude no “covil da rua Líbero” e era uma das favoritas de Deisi. A gravação Victor, de 1913, tinha interpretação do violinista russo naturalizado americano Efrem Zimbalist (1889-1985) acompanhado de um pianista não creditado. Disco 12 polegadas.
"Minuetto” (Luigi Boccherini)
O minueto do "Quarteto em Dó Menor", de Luigi Boccherini, foi popularizado por gravações como a do Victor String Quartet, realizada para a Victor em 26/10/1915. Os frequentadores do apartamento tocavam a peça muitas vezes, para fazer brincadeiras.
“Prelúdio”, da ópera "Lohengrin" (Richard Wagner)
Em uma noite mais exaltada, Oswald colocou para tocar o prelúdio do terceiro ato de "Lohengrin", mas foi obrigado a diminuir o volume, fechando a abertura da caixa acústica da grafonola. A gravação usada foi a da Victor Orchestra, de outubro de 1913, em registro Victor.
“Marcha Fúnebre”, da ópera "Siegfried" (Richard Wagner)
Eram jovens que adoravam marchas fúnebres. O exemplo é a popularíssima marcha do funeral da ópera "Siegfried". Gravação Victor de 26/4/1912 em disco de 12 polegadas. A interpretação é da Vessela’s Italian Band, gravação de 16 de janeiro de 1914 (Victor)
“Bacchanale”
(Alexander Glazunov)
“Viva a Bacanal de Glazunov!”, escreveu Miss Cyclone no diário da garçonnière, desafiando o comportamento tradicional das moças da época. A composição pertence ao balé “As Estações” do russo Glazunov. A versão de Cyclone era a da Chicago Symphony Orchestra, com regência de Frederick Stock, gravação Columbia de 5/2/1916, disco de 12 polegadas.
Fonola - As grafonolas, chamadas de fonolas pelos jovens no Brasil, foram lançadas pela Columbia por volta de 1911 como aparelhos portáteis de disco, uma opção ao gramofone, pesado e de mesa. O modelo que pertencia a Deisi era a grafonola Columbia de 1915, dotado de “persianas”, um mecanismo que abria e fechava a caixa acústica para alterar o volume.
Repertório – A “playlist” da garçonnière compreendia de 20 a 30 discos, comprados dos catálogos da Casa Edison –cuja sucursal paulistana ficava na avenida São João. A maioria dos títulos à disposição era formada por discos americanos, lançados pelas gravadoras Victor e Columbia. A turma de Cyclone e Miramar não ouvia os discos brasileiros gravados pela Casa Edison na Fábrica Odeon, com choros, lundus e modinhas. Esse tipo de repertório “das ruas” era considerado de mau gosto pela elite brasileira. Além disso, a prensagem da Fábrica Odeon era inferior a dos discos importados. Deisi e Oswald gostavam de canções tradicionais americanas e inglesas, como a canção “It’s a Long Way to Tipperary”, o grande sucesso da Primeira Guerra Mundial. Tratava-se de origem irlandesa, que se tornou o hino da turma da garçonnière, pois todos a cantavam. O cantor era o tenor popular irlandês John McCormack (1884-1945).