Descrição de chapéu Independência, 200

200 anos, 200 livros

Conheça 200 importantes livros para entender o Brasil, um levantamento com obras indicadas por 169 intelectuais da língua portuguesa

voltar para lista

Noemi Jaffe

Escritora, professora e crítica literária, autora de livros como “O Que Ela Sussurra”

As indicações de Noemi Jaffe

Escrito às vésperas da inauguração de Brasília e localizado, como todas as obras do autor, no sertão mineiro –portanto próximo ao Centro-Oeste– 'Grande Sertão: Veredas' narra a saga de Riobaldo, jagunço por ocupação e metafísico por vocação, dividido entre o amor por Diadorim e o questionamento sobre a existência do mal e do demônio. Nessa travessia pelos confins do sertão e, portanto, do mundo, o leitor acompanha o fim de uma era da tradição oral, da lei não escrita, em que predomina o princípio do olho por olho e dente por dente. Ao mesmo tempo, no trabalho de linguagem do autor, o Brasil também reconhece a riqueza de seu repertório popular, aqui incorporado e transformado em vocabulário autoral, não sem deixar de ressaltar os aspectos profundamente filosóficos da vivência do sertanejo. Uma experiência do infinito territorial, especulativo e linguístico como poucas vezes se testemunhou no Brasil e no mundo.

Ir para página do livro chevron_right

Escrito em 1880, este romance de Machado de Assis revoluciona a literatura brasileira de então e, espantosamente, mantém esse aspecto transformador até a atualidade. Narrado por um defunto-autor, sem deixar de ser realista, combina delírio, crítica social, aprofundamento psicológico e deslocamentos formais como nunca se tinha testemunhado antes. Brás Cubas é um personagem mediano em toda sua composição, convenientemente hipócrita ou simpático, dependendo da necessidade circunstancial. Um retrato, infelizmente atual, do comportamento social da classe média carioca e brasileira.

Ir para página do livro chevron_right

A partir de um ponto de vista contemporâneo, esse romance caudaloso narra a história de Kehinde, mulher negra, cega e africana – moradora de Benin – já com 80 anos de idade e nascida no início do século 19. Vendida como escrava quando jovem e levada para o Brasil, a protagonista narra os meandros da vida em um navio negreiro e, em seguida, no Brasil prestes a se tornar independente. Kehinde passa por experiências de dor, torturas, estupro, casamentos e compra a própria alforria, passando a vender cookies e tornando-se uma empreendedora, num lance estilístico inesperado para um livro com essa temática. Após o desaparecimento de um filho e das buscas sem sucesso por encontrá-lo, ela retorna à África, para, depois de velha, voltar a um Brasil já independente, que vive as ambiguidades e contradições dessa nova condição. Com uma perspectiva feminina e moderna sobre um fenômeno que determina a vida brasileira até os dias de hoje, é um livro essencial para a compreensão do país.

Ir para página do livro chevron_right

Macunaíma é a rapsódia do herói sem nenhum caráter. Não que ele seja mau caráter, apenas desprovido de características fixas que o representem. Índio, negro e branco, tem o corpo de um adulto e cabeça de piá. Transita fantasticamente por tempos e espaços diferentes, enfrentando gigantes do mal, sem que, por isso, deixe de ser preguiçoso. Na floresta e na cidade, no passado e no presente de uma São Paulo que está se transformando em máquina, esse nosso herói retorna para o mato depois de sua odisseia frustrada pela cidade, apenas para se transformar em estrela, não sem antes narrar sua história para um papagaio. Macunaíma é o Brasil e são os brasileiros, oscilando entre sua origem e seu destino, entre a infância e a maturidade, sem conseguir definir seus desejos e sua vocação.

Ir para página do livro chevron_right
23º

Macabéa é uma migrante nordestina no Rio de Janeiro e, como quase todas elas, tem a esperança de uma vida melhor. Inocente e crédula, suas aventuras na cidade são sempre fracassadas, embora nada extraordinárias. Ela, mesmo assim, se encanta com tudo: com a Rádio Relógio, com as palavras e com a possibilidade de um amor. Sua história, que é a de tantas mulheres, é narrada por um homem, S.M. (espécie de alterego da autora). Ele, diante do absurdo que essa mulher representa, mal sabe como narrá-la, pois é a própria realidade, em toda sua crueza e simplicidade, que invade sua visão mergulhada em teorias e abstrações. Ao final do romance, Macabéa tem um sonho simples: ser comumente feliz. A epifania última, de sentido duplo, pode ser interpretada tristemente como a conquista dessa felicidade ansiada.

Ir para página do livro chevron_right
95º

Sem perder a complexidade de sua poesia simultaneamente rigorosa e moderna, Carlos Drummond de Andrade, em 'Rosa do Povo', se aproxima como nunca das circunstâncias históricas do Brasil e do mundo. Escrito sob a ditadura do Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial, em atmosfera de desencanto profundo, o livro começa com dois poemas que questionam o lugar da própria poesia, reiterando a importância que o poeta atribui ao trabalho formal. Sem perder isso de vista, em poemas como 'Áporo', 'A Flor e a Náusea' e 'Visão 1944', o poeta se coloca diante de um mundo em ruínas, assolado pela tecnologia destruidora, tanto das máquinas quanto das guerras, propondo apenas um fino fio de esperança, que pode estar no humano ou, quem sabe, na própria poesia. A representação poética de um Brasil nada alegre ou gentil, apenas à beira do abismo.

Ir para página do livro chevron_right