Introdução
Meio cheio, meio vazio
15.jan.2017 - 02h00
Um legado sempre é refém das expectativas que lança.
Sob essa régua, Barack Hussein Obama, 55, o 44º presidente dos Estados Unidos, estará em desvantagem quando, neste 20 de janeiro, deixar a Casa Branca.
Passaram-se 2.922 dias desde que o político havaiano então com 47 anos discursou para 1,8 milhão de pessoas em Washington numa manhã fria de 2009. Pediu responsabilidade coletiva sobre os rumos do país. A esperança que inspirava surtiu efeitos concretos.
Um deles é a imagem dos EUA no exterior. Segundo pesquisa do instituto Pew, 63% dos entrevistados em dez países têm imagem positiva dos EUA, e 77% deles dizem confiar em Obama. Sob George W. Bush (2001-09), apenas entre britânicos e poloneses a visão positiva dos EUA predominava.
O outro é o poder do democrata de, em tempos de ceticismo, inspirar com palavras e despertar interesse por política. Sobretudo os jovens, entre os quais sua taxa de apoio permanece acima de 70%, apesar das batalhas perdidas em uma queda de braço constante com um Congresso majoritariamente opositor.
Isso não minimiza o fato de que ele foi incapaz de reduzir a desigualdade, o que levou parte significativa desse eleitorado a preterir, nas primárias democratas de 2016, a candidata de Obama, Hillary Clinton.
Para os americanos, segundo aferiu o Gallup, Obama fracassou, entre outras áreas, no combate à criminalidade; o que fez pelos direitos civis de gays e lésbicas foi mencionado como um dos maiores avanços.
Essa ideia de uma nação que acolhe todos e faz disso sua força foi repetida no discurso final de Obama, na última terça (10), no qual lembrou que a democracia só se sustenta com respeito a vozes dissonantes.
O público aponta ganhos também no campo da energia e na questão climática, e, mais modestamente, na economia, com o estancamento da crise e a melhoria do nível de emprego.
Para a América Latina, onde passou boa parte de seus mandatos ausente, fica como herança maior o restabelecimento paulatino das relações com Cuba, algo que seu sucessor não deve reverter.
O carisma de Obama, seu apreço pelas câmeras e o antagonismo com Donald Trump devem impedi-lo de sumir de cena. Na era da pós-verdade, sua pós-presidência será crucial para agigantá-lo ou apequená-lo.
ESPERANÇA
Barack Obama se tornou o 44º presidente dos EUA em 20/1/2009 sob a bandeira da esperança e a expectativa de agir, como diria 11 meses depois ao receber o Nobel da Paz, para tornar a história mais justa.
Avaliar seu legado sem o distanciamento do tempo pode levar a leituras equivocadas. Passados oito anos, a esperança deu lugar à dúvida, inflada pelo prospecto de um sucessor com ideias muito distintas das suas.
Obama assumiu um país em profunda crise econômica e cuja política externa era refém das guerras travadas no Afeganistão e no Iraque.
Ambos os fardos borraram a imagem dos EUA e limitaram seu poder de influência, ainda que sua hegemonia geopolítica tenha prevalecido.
No comércio, a China ganhava o centro do palco; em temas como mudança climática, Europa e Brasil se tornavam a voz ressonante; e, em direitos humanos, Washington se tornou alvo de críticas por causa da prisão de Guantánamo.
A crise passou, mas seus resultados ainda são sentidos por muitos; aos poucos o país se retirou das guerras, embora seus drones ainda bombardeiem civis e a violência da guerra na Síria contamine a região; Osama bin Laden foi morto, mas a ameaça terrorista, não. E Guantánamo permanece aberta, ainda que com menos detentos.
Feitos importantes, como a ascensão da questão climática ao topo da agenda e o equilíbrio da relação com a China, incluindo uma nova aliança comercial entre Washington e os vizinhos asiáticos de Pequim, carecem de impacto imediato visível.
Mais grave, o primeiro presidente negro dos EUA deixa o cargo com 52% dos cidadãos afirmando que o país retrocedeu na questão racial, segundo pesquisa feita neste mês pelo Gallup. A América pós-racial de seus discursos, como admitiu no último deles, nunca chegou a existir.
Obama conclui seu mandato sem ter conseguido ser o líder transformador que ambicionava. Mostrou-se, porém, um dedicado presidente de transição.
Para Joseph Nye, professor de Harvard cujos livros esmiúçam o poder e a Presidência dos EUA e que assim classificou Obama, isso não é necessariamente ruim: mais vale um operador hábil que conduza o país em meio a crises, escreveu, do que alguém que mude a rota para uma tormenta pior.
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AS FOTOS
O fotógrafo Dan Winters fez a foto de 2008 a pedido da revista "Time", logo após uma derrota de Obama. Na noite anterior, em 4 de março, o então senador e pré-candidato presidencial havia perdido a primária democrata do Estado do Texas para sua rival, Hillary Clinton.
Em julho de 2016, Winters foi convidado pela revista "New York Magazine" a fotografar novamente Obama, agora presidente em seu segundo mandato.
A operação descrita pelo fotógrafo faz lembrar um filme de Hollywood.
Para tirar o máximo dos cinco minutos dados pela Casa Branca para a sessão de fotos, Winters relata que viajou a Washington uma semana antes da data.
No dia marcado, ele e sua equipe passaram quase cinco horas ajustando luzes e equipamentos para que nada saísse errado na hora de receber o presidente.