Dia 1
‘Trump motivou pessoas esquecidas de cidades esquecidas’
Filadélfia, Macungie e Bethlehem (Pensilvânia)A Filadélfia estava debaixo de chuva naquele 23 de outubro. Ainda era bem cedo quando eu e o repórter fotográfico Lalo de Almeida entramos no carro para dar início à viagem por Pensilvânia, Ohio, Michigan e Wisconsin.
Primeiro abrimos o mapa rodoviário –e não o Waze!–, comprado em uma loja de conveniência. Queríamos explorar algumas rotas alternativas, que revelassem uma paisagem diferente daquela oferecida pelas grandes rodovias.
Na América profunda, o cenário que se apresentou foi decadente, muitas vezes de abandono, em que era difícil acreditar que ainda se tratava do país mais rico do mundo.
As maiores surpresas estão espalhadas em áreas rurais e pequenos centros urbanos, que concentram homens brancos, mais velhos e sem nível superior –eleitores que foram fundamentais para a vitória de Trump nesses estados em 2016.
E é só chegar a Macungie, distrito de pouco mais de 3.000 habitantes no Vale do Lehigh, para encontrar vários deles.
Bandeiras com o nome do presidente balançam na frente das casas que marcam o caminho até a fábrica de caminhões da Mack Trucks, que estava em greve havia duas semanas.
Estimulados pela gigante General Motors, também parada naquele mês, funcionários de Macungie experimentavam sua primeira paralisação em 35 anos, reivindicando aumento de salário e mais segurança no trabalho.
Alguns ainda estavam arredios com a imprensa –“só escrevem fake news”–, e o mais invocado vociferava que era “tudo culpa do Obama”.
Num piquete mais à frente, o operário Steve Werner corrigiu o colega. “Dizer que é culpa do Obama é um exagero. Mas foram oito anos, e ele não fez nada. Não só nada para a gente, nada para ninguém.”
Aos 54 anos, 15 deles trabalhando na Mack Trucks, Werner se diz orgulhoso de ter ajudado Trump a vencer no estado da Pensilvânia, mesmo que por uma margem tão estreita –48,2% contra 47,5% de Hillary.
Eleitor independente, afirma que já votou em democratas, mas só viu melhora na economia nos últimos anos. Para ele, as atuais dificuldades dos trabalhadores não são culpa do governo. “O problema é a empresa, que teve o ano mais lucrativo da história e não quer dividir, quer só cortar nossos benefícios.”
Como justificativa, o operário repetia de cabeça os números do PIB e da taxa de desemprego dos EUA, no formato embalado pela Casa Branca para alimentar seus eleitores.
“O crescimento [do PIB] é de cerca de 2% mesmo com a crise mundial, e o desemprego entre os americanos é o mais baixo em 50 anos [3,5%].”
Ele não se comove, porém, com os dados amargos que acompanham esses índices, como o aumento da desigualdade e o encolhimento da classe média no país. Para Werner, é preciso dar mais quatro anos de mandato a Trump para que todos os americanos comecem a sentir os benefícios da melhora econômica.
Enquanto isso, diz ele, basta ir a Bethlehem, a meia hora dali, onde, na sua avaliação, os efeitos já podem ser comprovados pelos moradores.
Lá pela hora do almoço, quando chegamos à cidade de 75 mil habitantes, estávamos preparados para o impacto visual. Uma pesquisa antes de cair na estrada tinha mostrado que, após mais de cem anos em funcionamento, a siderúrgica de Bethlehem havia falido, deixando à beira do rio sua monstruosa carcaça aberta à visitação.
E foi ali a primeira parada. As escadas de ferro levam os curiosos a se aproximar das gigantes estruturas que, naquela tarde gelada, porém, atraíam apenas duas famílias.
A alguns metros dali, a cidade fica mais movimentada, com pequenas mercearias e pelo menos três igrejas somente na rua principal.
Na varanda de uma das casas de madeira estava John Kennedy. Aos 48 anos, com um livro na mão e uma Coca-Cola na outra, o gerente de supermercado terminava de compor o cenário bucólico que parece ter parado no tempo, uma das principais marcas do Cinturão da Ferrugem.
Depois de quatro anos desempregado, diz que conseguiu trabalho em 2018 e atribui o mérito a Donald Trump: “Ele motivou pessoas esquecidas em cidades esquecidas”.