Dia 2
‘Obama declarou guerra ao carvão, e esse governo, não’
Mahanoy City, Gilberton e Shenandoah (Pensilvânia)O segundo dia de viagem amanheceu com uma mudança brusca na paisagem. As árvores que nos acompanhavam por vários quilômetros deram lugar a montanhas cinzas, cheias de vegetação queimada.
Ainda era Pensilvânia, mas o condado de Schuylkill anunciava que o motor de siderúrgicas como as de Bethlehem eram as minas de carvão. Espremidas entre elas, estão as cidades de Gilberton, Shenandoah e Mahanoy City, onde no fim da manhã de uma quinta-feira era mais fácil encontrar um tanque de guerra do que um lugar para tomar café.
“Uma homenagem a todos os americanos, homens e mulheres que lutaram pelo país”, dizia a placa ao lado do carro de combate parado na rua principal.
A população do condado de Schuylkill soma 142 mil pessoas –94% delas brancas.
Rick Muntone, 57, não foge do estereótipo. Há quase 40 anos trabalhando como mineiro, fala com orgulho que seu filho mais novo é a quarta geração da família empregada na Gilberton Coal Company.
A pedido do chefe, Brian Rich, presidente da companhia, Muntone nos levou em um tour de 4x4 para conhecer as esteiras e fornalhas por onde passam diariamente toneladas de carvão.
Entre as explicações técnicas, afirma que as nove minas da região estão com mais demanda depois da eleição de Trump, mas que o fundamental para ele são os valores defendidos pelo presidente.
“Estou mais ocupado e ganho mais dinheiro, mas a questão é que aqui somos muito conservadores. Esses democratas aparecem com umas loucuras liberais, não tanto sobre casamento gay, com isso posso lidar, mas sobre aborto. Eu acho que isso não é certo. Estamos perdendo os valores com os quais eu cresci.”
O discurso de parte dos republicanos tem impulsionado alguns estados americanos a aprovar legislações locais para restringir ou proibir o aborto, mesmo que a prática seja legalizada no país desde 1973.
O mineiro afirma que não impõe suas crenças aos dois filhos –“nem mesmo à que é mulher”–, mas que eles comungam de seu conservadorismo e também votarão em Trump.
Antes de Muntone terminar o percurso, o presidente da empresa embicou o carro ao lado do operário.
Disse que finalizaria pessoalmente a visita guiada com uma vista panorâmica das minas e a indicação de almoço “no melhor restaurante italiano da Pensilvânia” –realmente, as lulas do simpático Francesco’s, no pequeno centro comercial de Shanandoah, foram a refeição mais gostosa da viagem.
Além da carvoaria de Gilberton, Brian Rich lidera outras 24 marcas sob o guarda-chuva da Reading Anthracite Company, fundada pelo pai.
Com fala mansa, resume a política protecionista de Trump como base do crescimento dos números da indústria carvoeira e fonte do apoio que o presidente tem entre operários do setor.
“Obama declarou guerra à indústria do carvão, e esse governo, não. A principal diferença para mim é essa, porque é difícil acordar para trabalhar sabendo que o governo está contra você.”
Na avaliação de Rich, por ser muito poluente, a produção de carvão destinada a gerar energia elétrica está sob forte pressão dos ambientalistas, enquanto a que vai para as siderúrgicas tem prosperado após Trump estabelecer tarifas de importação sobre o aço de diversos países.
Desde 2016, diz o executivo, sua empresa tem contratado reforço para o time, hoje com 600 funcionários somente na mina de Gilberton.
“É por isso que essa região vai apoiar Trump de novo em 2020. Ele é o político mais incomum que nós já vimos, mas pelo menos está tentando entregar o que prometeu.”
No fim da tarde de 24 de outubro, deixamos para trás Rich e sua cidade com barbearias antigas, em que uma bandeirinha de apoio a Trump se equilibra entre quadros e uma coleção de objetos antigos usados pelos mineiros.
O caminho até a próxima cidade levaria quase cinco horas, e o primeiro entrevistado por lá ainda não havia confirmado se poderia nos receber.