Homenagem a veteranos de guerra em rua de Mahanoy City, na região carvoeira da Pensilvânia - Lalo de Almeida/Folhapress

Os americanosOs anos Trump

Dia 2

‘Obama declarou guerra ao carvão, e esse governo, não’

Marina Dias e Lalo de Almeida

Mahanoy City, Gilberton e Shenandoah (Pensilvânia)O segundo dia de viagem amanheceu com uma mudança brusca na paisagem. As árvores que nos acompanhavam por vários quilômetros deram lugar a montanhas cinzas, cheias de vegetação queimada.

Ainda era Pensilvânia, mas o condado de Schuylkill anunciava que o motor de siderúrgicas como as de Bethlehem eram as minas de carvão. Espremidas entre elas, estão as cidades de Gilberton, Shenandoah e Mahanoy City, onde no fim da manhã de uma quinta-feira era mais fácil encontrar um tanque de guerra do que um lugar para tomar café.

“Uma homenagem a todos os americanos, homens e mulheres que lutaram pelo país”, dizia a placa ao lado do carro de combate parado na rua principal.

Homenagem a veteranos de guerra em rua de Mahanoy City, na região carvoeira da Pensilvânia
Homenagem a veteranos de guerra em rua de Mahanoy City, na região carvoeira da Pensilvânia
Enfeite para o Dia das Bruxas em jardim de uma casa em Gilberton
Enfeite para o Dia das Bruxas em jardim de uma casa em Gilberton

No alto, homenagem a veteranos de guerra em rua de Mahanoy City, na região carvoeira da Pensilvânia; acima, enfeite para o Dia das Bruxas em jardim de uma casa em Gilberton - Lalo de Almeida/Folhapress

A população do condado de Schuylkill soma 142 mil pessoas –94% delas brancas.

Rick Muntone, 57, não foge do estereótipo. Há quase 40 anos trabalhando como mineiro, fala com orgulho que seu filho mais novo é a quarta geração da família empregada na Gilberton Coal Company.

A pedido do chefe, Brian Rich, presidente da companhia, Muntone nos levou em um tour de 4x4 para conhecer as esteiras e fornalhas por onde passam diariamente toneladas de carvão.

Entre as explicações técnicas, afirma que as nove minas da região estão com mais demanda depois da eleição de Trump, mas que o fundamental para ele são os valores defendidos pelo presidente.

Planta de processamento da Reading Anthracite Company em Gilberton, na Pensilvânia
Planta de processamento da Reading Anthracite Company em Gilberton, na Pensilvânia

Planta de processamento da Reading Anthracite Company em Gilberton, na Pensilvânia - Lalo de Almeida/Folhapress

“Estou mais ocupado e ganho mais dinheiro, mas a questão é que aqui somos muito conservadores. Esses democratas aparecem com umas loucuras liberais, não tanto sobre casamento gay, com isso posso lidar, mas sobre aborto. Eu acho que isso não é certo. Estamos perdendo os valores com os quais eu cresci.”

O discurso de parte dos republicanos tem impulsionado alguns estados americanos a aprovar legislações locais para restringir ou proibir o aborto, mesmo que a prática seja legalizada no país desde 1973.

O mineiro afirma que não impõe suas crenças aos dois filhos –“nem mesmo à que é mulher”–, mas que eles comungam de seu conservadorismo e também votarão em Trump.

Antes de Muntone terminar o percurso, o presidente da empresa embicou o carro ao lado do operário.

Disse que finalizaria pessoalmente a visita guiada com uma vista panorâmica das minas e a indicação de almoço “no melhor restaurante italiano da Pensilvânia” –realmente, as lulas do simpático Francesco’s, no pequeno centro comercial de Shanandoah, foram a refeição mais gostosa da viagem.

Brian Rich, presidente da Reading Anthracite Company, em seu escritório em Gilberton
Brian Rich, presidente da Reading Anthracite Company, em seu escritório em Gilberton

Brian Rich, presidente da Reading Anthracite Company, em seu escritório em Gilberton - Lalo de Almeida/Folhapress

Além da carvoaria de Gilberton, Brian Rich lidera outras 24 marcas sob o guarda-chuva da Reading Anthracite Company, fundada pelo pai.

Com fala mansa, resume a política protecionista de Trump como base do crescimento dos números da indústria carvoeira e fonte do apoio que o presidente tem entre operários do setor.

“Obama declarou guerra à indústria do carvão, e esse governo, não. A principal diferença para mim é essa, porque é difícil acordar para trabalhar sabendo que o governo está contra você.”

Na avaliação de Rich, por ser muito poluente, a produção de carvão destinada a gerar energia elétrica está sob forte pressão dos ambientalistas, enquanto a que vai para as siderúrgicas tem prosperado após Trump estabelecer tarifas de importação sobre o aço de diversos países.

Desde 2016, diz o executivo, sua empresa tem contratado reforço para o time, hoje com 600 funcionários somente na mina de Gilberton.

“É por isso que essa região vai apoiar Trump de novo em 2020. Ele é o político mais incomum que nós já vimos, mas pelo menos está tentando entregar o que prometeu.”

No fim da tarde de 24 de outubro, deixamos para trás Rich e sua cidade com barbearias antigas, em que uma bandeirinha de apoio a Trump se equilibra entre quadros e uma coleção de objetos antigos usados pelos mineiros.

O caminho até a próxima cidade levaria quase cinco horas, e o primeiro entrevistado por lá ainda não havia confirmado se poderia nos receber.

Homem aguarda para cortar o cabelo em um barbeiro em Shenandoah, na Pensilvânia
Homem aguarda para cortar o cabelo em um barbeiro em Shenandoah, na Pensilvânia

Homem aguarda para cortar o cabelo em um barbeiro em Shenandoah, na Pensilvânia - Lalo de Almeida/Folhapress

Texto: Marina Dias / Fotografia: Lalo de Almeida / Infografia: Catarina Pignato / Edição de fotografia: Fernando Sciarra, Lalo de Almeida e Daigo Oliva / Edição e revisão de texto: Daigo Oliva e Beatriz Peres / Tratamento de imagem: Edson Salles / Desenvolvimento: Pilker / Design: Fernando Sciarra e Irapuan Campos / Coordenação de arte: Kleber Bonjoan e Thea Severino / Edição e coordenação: Daigo Oliva