Verel Salmon, 72, presidente do comitê do Partido Republicano em Erie, Pensilvânia - Lalo de Almeida/Folhapress

Os americanosOs anos Trump

Dia 3

‘Gosto da Elisabeth Warren, mas falta alguma coisa nela’

Marina Dias e Lalo de Almeida

Erie (Pensilvânia) e Lordstown (Ohio)Em Erie, última parada na Pensilvânia, fomos surpreendidos logo na chegada.

Na manhã de 25 de outubro, dois jornalistas da afiliada da rede de TV ABC nos esperavam à porta da casa de Verel Salmon.

Tínhamos marcado uma entrevista com o presidente do comitê republicano de uma das cidades-símbolo da virada de 2016 –reduto democrata desde 1972, Erie elegeu Trump por menos de 2.000 votos.

Mas o repórter e o cinegrafista chegaram antes. “Eles estão aqui para fazer uma reportagem sobre o interesse de vocês em Erie. Nunca imaginei conversar com uma jornalista brasileira”, disse Salmon.

Verel Salmon, 72, presidente do comitê do Partido Republicano em Erie, Pensilvânia
Verel Salmon, 72, presidente do comitê do Partido Republicano em Erie, Pensilvânia

Verel Salmon, 72, presidente do comitê do Partido Republicano em Erie, Pensilvânia - Lalo de Almeida/Folhapress

Mesmo com a temperatura em um dígito, o dirigente partidário de 72 anos escolheu falar em pé, do lado de fora da casa, para que ficasse mais fácil a filmagem pela equipe que, claro, ele mesmo havia convocado.

Em poucos minutos, organizou de forma esquematizada todos os elementos da retórica dos apoiadores de Trump que tínhamos ouvido até ali.

Além dos números da economia e da exaltação à política protecionista do republicano, destacou o combate à imigração ilegal e argumentou por que o presidente diz que os democratas, se eleitos, vão levar o socialismo ao país.

“Eles querem dar tudo de graça. As pessoas trabalham duro para ganhar o que têm. Não querem alguém tomando decisões por elas.” Segundo Salmon, a disputa de 2020 será um teste para os EUA. “Vamos com o socialismo ou com o modo tradicional americano?”

A assistente social Judy Phelps, 71, no comitê do Partido Republicano em Erie, Ohio
A assistente social Judy Phelps, 71, no comitê do Partido Republicano em Erie, Ohio

A assistente social Judy Phelps, 71, no comitê do Partido Republicano em Erie, Ohio - Lalo de Almeida/Folhapress

Após ter votado duas vezes em Obama, Judy Phelps, a personagem que inicia esta reportagem, segue o coro do dirigente republicano e diz que os democratas são socialistas que “fazem lavagem cerebral” nos eleitores com promessas de educação e saúde grátis para todos.

A assistente social é a cara da virada republicana em Erie e hoje atua duas vezes por semana como voluntária na campanha à reeleição de Trump.

Ela afirma que estava cansada dos políticos tradicionais e sentia-se desamparada por eles. Por isso, optou pelo “homem de negócios” que via no republicano. Desde então, responde às queixas que chegam ao comitê sobre o presidente, as principais delas sobre a personalidade transgressora e o jeito de falar de Trump.

“O que respondo? Que também me incomodo. Mas me importo mais com o jeito como ele se apresenta ou com sua política? É uma escolha.”

A maioria dos que se incomodam com o presidente está no centro de Erie, mais progressista e diverso que o restante do condado –na cidade, os negros chegam a 16%, enquanto no condado eles são apenas 8%.

Naquele dia, o comitê democrata estava fechado e, para além do prédio cheio de placas e adesivos, não havia indícios da presença de opositores de Trump na cidade.

Da fresta da porta, viam-se pilhas de papéis em cima de uma única escrivaninha.

Foi quando Katherine Blair apareceu na esquina trazendo um molho de chaves na mão.

“Vocês querem entrar? Ainda não estamos abertos, só vim desligar o alarme de incêndio que disparou, mas vocês podem conhecer em primeira mão o nosso novo logo”, disse ela enquanto apontava para um “D”, de Democrata, pintado em azul na parede.

Fábrica abandonada em Erie, Ohio
Fábrica abandonada em Erie, Ohio

Fábrica abandonada em Erie, Ohio - Lalo de Almeida/Folhapress

Aos 32 anos, conta que trabalhou ali como voluntária na campanha de Obama em 2012, mas não na de Hillary Clinton –“não dava para gostar dela”–, e que, neste ano, está outra vez difícil animar o eleitorado progressista da região.

Blair explica que o discurso de ódio de Trump reacendeu o racismo do condado e que, sem um líder que os empolgue, ficou complicado mobilizar os jovens e negros que Obama levou às urnas em 2008 e 2012, garantindo sua vitória.

“A gente precisa de um candidato motivador, mas hoje não vejo ninguém com esse perfil entre os democratas. Gosto da Elizabeth Warren, mas falta alguma coisa nela. Bernie Sanders é legal, mas é velho e teve um ataque cardíaco. Eu gostava do Joe Biden como vice-presidente, mas, como presidente, não sei.”

As várias dúvidas da jovem se resumiam em uma certeza de Cynthia Sarabis. A 160 quilômetros daquele comitê em Erie, a operária disse não querer a reeleição de Trump.

Sozinha em frente à fábrica da GM de Lordstown, em Ohio, uma das três unidades que a montadora vai fechar nos EUA, Sarabis, que é parcialmente surda, esforçou-se para se comunicar conosco.

A operária Cynthia Sarabis, 54, faz piquete solitário em frente à fábrica da montadora General Motors em Lordstown, Ohio, desativada recentemente
A operária Cynthia Sarabis, 54, faz piquete solitário em frente à fábrica da montadora General Motors em Lordstown, Ohio, desativada recentemente

A operária Cynthia Sarabis, 54, faz piquete solitário em frente à fábrica da montadora General Motors em Lordstown, Ohio, desativada recentemente - Lalo de Almeida/Folhapress

A partir de leitura labial –e de um aparelho no ouvido direito que ajudava um pouco sua audição–, conseguiu entender a pergunta sobre o que achava do presidente.

Apontou o gigantesco prédio atrás dela e, num movimento rápido, fez como se estivesse cortando o pescoço com a mão. Completou com uma careta e apontou o polegar para baixo, sentenciando que, para ela, a culpa da crise que tirou seu emprego era justamente de Trump.

Dessa vez, as demissões geradas com o fechamento das fábricas não têm a mesma origem da crise que atingiu a indústria automobilística da região décadas atrás, quando ficou mais vantajoso produzir carros em outros estados ou países.

Agora, a GM tenta se adaptar ao futuro de veículos autônomos e combustíveis renováveis, deixando para trás milhares de trabalhadores e suas famílias, como é o caso de Sarabis.

Nas últimas semanas de setembro e por quase todo o mês de outubro, a operária de 54 anos fazia turnos diários de pelo menos quatro horas de piquete, ao lado de um latão com fogo para se aquecer nos dias mais frios.

Acompanhava 49 mil funcionários da GM parados em todo o país. Mas, naquele 25 de outubro, soube que a montadora estava anunciando o acordo para encerrar a greve e fechar de vez as portas da fábrica em que trabalhara por 11 anos.

No fim da tarde, quando os principais sites de notícias publicaram a novidade, Sarabis checava o celular. Disse que não precisaria voltar no dia seguinte. A partir dali, a última grevista da GM em Lordstown entendeu qual seria sua outra certeza: aquela era mesmo sua despedida.

Faixa de protesto em muro da fábrica da General Motors em Lordstown
Faixa de protesto em muro da fábrica da General Motors em Lordstown

Faixa de protesto em muro da fábrica da General Motors em Lordstown - Lalo de Almeida/Folhapress

Texto: Marina Dias / Fotografia: Lalo de Almeida / Infografia: Catarina Pignato / Edição de fotografia: Fernando Sciarra, Lalo de Almeida e Daigo Oliva / Edição e revisão de texto: Daigo Oliva e Beatriz Peres / Tratamento de imagem: Edson Salles / Desenvolvimento: Pilker / Design: Fernando Sciarra e Irapuan Campos / Coordenação de arte: Kleber Bonjoan e Thea Severino / Edição e coordenação: Daigo Oliva