Participantes do evento Women for Trump, em Brighton, perto de totem de Donald Trump e da primeira-dama Melania - Lalo de Almeida/Folhapress

Os americanosOs anos Trump

Dia 4

‘Não elegi Trump para ser meu pastor ou para sair com a minha filha’

Marina Dias e Lalo de Almeida

Brighton (Michigan)O cheiro de café, ovos mexidos e bacon invadiu a manhã naquele sábado. Quem chegava à porta do casarão do Oak Pointe Country Club, no interior de Michigan, logo conseguia adivinhar o cardápio.

O frisson das mulheres que faziam fila para tirar foto ao lado de um sorridente totem de Donald Trump –de papelão e em tamanho real– traduzia parte da atmosfera do evento.

“Vocês já se registraram? Bem-vindos ao brunch do Women for Trump [mulheres por Trump]”, disse uma delas enquanto balançava a garrafa de espumante. Acomodadas num salão de pé-direito alto, com lareira e vista para um lago, cerca de 270 mulheres dividiam-se em mesas redondas, dispostas sobre um carpete tipicamente americano.

Simpatizante do republicano mostra meia com nome de Trump em evento na cidade de Brighton em apoio à reeleição do presidente - Lalo de Almeida/Folhapress

As figuras geométricas em azul e vermelho combinavam com as estampas dos suéteres que as convidadas usavam para se proteger do frio de outubro.

Muitos dos cabelos fixados com laquê eram imediatamente arruinados pelos bonés com o slogan “Make America Great Again” vendidos –e testados– ali mesmo. Tudo em nome do presidente.

Pouco depois das 10h, elas fecharam os olhos orquestradamente para mais uma homenagem. “Lembre-nos da Sua intervenção divina em 2016. Consagramos este evento a Você, para louvor da Sua glória, abraçando Sua vontade, aceitando Sua providência, pois tudo é graça em Seu nome. Amém.”

Nancy Hubbell aplaudiu entusiasmada. “Eu sou conservadora e cristã. Minhas decisões são baseadas no que Deus prega”, disse ela antes de bebericar sua xícara de café.

Ajeitou a mecha propositalmente prateada no meio dos cabelos tingidos de preto e completou: “Nunca votaria em democratas porque não compartilho de suas crenças nem das bandeiras que defendem. O Obama foi uma das maiores tragédias que aconteceram a esta nação. Ele era um globalista, estava sempre se desculpando pelos EUA, como se não devêssemos ser líderes mundiais. Impôs regulações que derrubaram nossa indústria, não tinha background, nunca teve um trabalho na vida, não tinha credibilidade para ser presidente dos Estados Unidos.”

Trump, acrescenta Hubbell, além de ser um homem de negócios, foi criado em uma família cristã, apesar de não ser um religioso praticante. “Mas isso não me incomoda, porque o amo muito. É trágico que o establishment americano seja contra ele.”

O discurso passional da aposentada de 73 anos era o mais comum na plateia do evento organizado pela campanha à reeleição do republicano. As moradoras de Brighton, cidade com 7.657 habitantes –696 dos quais classificados como pobres–, defendem Trump sob qualquer circunstância.

O governo americano considera pobre a pessoa com renda média anual inferior a US$ 12.490 (R$ 51,4 mil) –o salário mínimo nos EUA rende cerca de US$ 15 mil anualmente para cada trabalhador. Em Brighton, por sua vez, o salário médio anual per capita é bem acima disso: US$ 37.352.

“Estou há 40 anos na cidade, criei minha única filha aqui. É um lugar conservador, de altos salários e clubes de campo”, explica Hubbell.

Ela e as amigas negam que o presidente seja machista ou misógino e dizem que as acusações que pesam contra Trump no processo de impeachment são notícias inventadas pelos democratas e alimentadas pela imprensa.

Mesa decorada para o evento em apoio à reeleição de Donald Trump - Lalo de Almeida/Folhapress

Desde setembro, o Congresso dos Estados Unidos apura se o presidente americano usou de sua influência política para pressionar o governo da Ucrânia a investigar um de seus rivais, o ex-vice-presidente Joe Biden, pré-candidato à Casa Branca, e o filho dele, Hunter, que trabalhava em uma empresa de gás do país do leste europeu.

“Fizemos esse evento para mostrar nossa paixão por Trump. Queremos que as pessoas se sintam confortáveis em apoiá-lo. Atualmente, apoiar Trump é ser vilão, porque vários canais de TV, jornais e revistas passam a mesma mensagem: de que votar nele é uma coisa ruim”, afirma Marian Sheridan, 55, fundadora do movimento ultraconservador Tea Party de Michigan.

“O dia de Ação de Graças está chegando, e não será fácil lidar com opiniões diferentes”, completa ela, indicando que o famoso feriado americano celebrado em novembro tem mais semelhanças com o Natal brasileiro do que apenas servir peru como prato principal.

O pragmatismo chegou ao microfone somente com Meshawn Maddock, 50. Ela pede que as convidadas com menos de 35 anos levantem as mãos. Conta apenas cinco braços no ar e sacode a cabeça negativamente. “É isso. Precisamos falar com as mais jovens.”

Mulheres em clube de campo em Brighton, Michigan, durante evento eleitoral em apoio a Donald Trump - Lalo de Almeida/Folhapress

Os convidados ainda desfrutavam de seus pratos perto do bufê onde se comia à vontade por US$ 25 quando Maddock pediu de novo a atenção. Disse que repassaria os pontos de sua receita para a reeleição de Trump e a consolidação da direita americana no poder.

1. Concorram para algum cargo nas suas comunidades;

2. Envolvam-se na campanha desde agora;

3. Registrem-se para votar;

4. Convençam duas pessoas que não votaram em Trump em 2016 a votarem nele em 2020;

5. Em vez de irem ao mercado ou à ioga, trabalhem para o presidente;

6. Amem Trump assim como ele ama vocês.

Sentada à mesa conosco e outras sete convidadas, uma das mulheres não prestou atenção em todas as orientações. Distraiu-se ao comentar com uma amiga sobre a caricatura de Elizabeth Warren que circulava entre elas com um exagerado nariz de Pinóquio.

“Toda vez que eu a vejo, tenho literalmente um ataque de ansiedade. Você já a ouviu falar? Seu cérebro não explodiu?”, perguntou ela.

Com uma plataforma que propõe taxar ultramilionários e reconstruir a classe média dos EUA, a senadora democrata desponta como uma das favoritas para disputar a eleição contra Trump.

Apoiadora exibe cartaz com os dizeres: ‘Mantenha Trump, afaste o Congresso’ em evento no estado de Michigan - Lalo de Almeida/Folhapress

Para isso, porém, precisa vencer o sexismo americano, já que o fator é apontado como uma das razões que contribuíram para a derrota de Hillary Clinton em 2016 e ainda assombra o Partido Democrata.

E as eleitoras de Brighton parecem não se importar que Trump seja entusiasta de uma retórica contra as mulheres.

“Não temos problema que ele fale de sua masculinidade. Não o elegi para ser meu pastor ou sair com a minha filha, eu o elegi para ser presidente”, disse Maddock. Ela avalia que existe uma generalização de estereótipos na política americana e que, assim como Trump, é vítima de acusações que não necessariamente são baseadas nos seus atos.

“[Dizem que] sou racista só porque sou republicana. É doloroso, machuca ouvir isso e saber que meus filhos ouvem isso. Como você se defende de uma acusação de racismo? Não sinto que sou preconceituosa com ninguém, mas as pessoas dizem: ‘Você é uma mulher racista’. O que posso responder? ‘Não, não sou’, e soar idiota falando ‘tenho amigos negros’?. Como se defender? Dizendo ‘venha viver minha vida’?.”

Maddock emenda o paralelo para a defesa do presidente: “As pessoas dizem que ele não gosta e não respeita as mulheres e, por isso, as mulheres não vão votar nele. Não acredito em nada disso. Se voltarmos para 2016, me davam todas as razões pelas quais era melhor não votar em Trump, caso contrário, ‘seria um desastre’. Hoje posso ficar aqui 45 minutos falando por que se deve votar nele.”

O brunch já caminhava para o fim quando o alto-falante anunciou um desfile de moda conservadora. Durante a preparação da viagem, tínhamos visto no convite que esse seria um dos destaques do evento e, por isso, esperávamos uma superprodução –com camarim, maquiagem e, por que não, uma passarela. Na hora em que dez mulheres se levantaram e caminharam entre as mesas sacudindo bandeirinhas de Trump, no entanto, já sabíamos que não haveria um espetáculo.

Mulheres aguardam para participar de desfile de moda conservadora durante evento em apoio ao atual presidente americano - Lalo de Almeida/Folhapress

Um homem descrevia as modelos, em um ritmo que lembrava a locução de um rodeio. Apresentava cada uma delas e dava detalhes das roupas –algumas batizadas com nomes de familiares do presidente.

“Ela está vestindo uma blusa ‘Ivanka Trump Georgia Peach’ com babados no decote em V”, narrava, acompanhado de gritinhos das convidadas.

Nancy Hubbell arrumou mais uma vez a mecha de cabelo prateada. Agarrou a bolsa apoiada no colo e avisou: “É hora de ir para casa.”

Para nós, o destino era outro: Detroit.

Texto: Marina Dias / Fotografia: Lalo de Almeida / Infografia: Catarina Pignato / Edição de fotografia: Fernando Sciarra, Lalo de Almeida e Daigo Oliva / Edição e revisão de texto: Daigo Oliva e Beatriz Peres / Tratamento de imagem: Edson Salles / Desenvolvimento: Pilker / Design: Fernando Sciarra e Irapuan Campos / Coordenação de arte: Kleber Bonjoan e Thea Severino / Edição e coordenação: Daigo Oliva