Acampamento de moradores de rua debaixo de um viaduto em Milwaukee, Wisconsin - Lalo de Almeida/Folhapress

Os americanosOs anos Trump

Dias 10 e 11

‘Não sair de casa para votar significa votar em Donald Trump’

Marina Dias e Lalo de Almeida

Milwaukee (Wisconsin)Com pouco mais de meio milhão de habitantes, Milwaukee é a maior cidade de Wisconsin e, ao lado de Madison, a capital, forma uma espécie de ilha progressista na região.

Em 2016, Hillary Clinton venceu Trump nos dois municípios, mas o resultado não foi suficiente para levar a democrata à vitória no estado onde Barack Obama triunfara em 2012.

O que mais impressiona na chegada a Milwaukee são os enormes viadutos. Largos e altíssimos, parecem construir um mundo à parte da cidade que dorme embaixo deles.

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Acampamento de moradores de rua debaixo de viaduto em Milwaukee, em Wisconsin - Lalo de Almeida/Folhapress

Claudio, 31, é um dos americanos que vivem em barracas de acampamento, dividindo espaço e comida enlatada com gansos que se amontoam sob o concreto dos elevados.

Inicialmente arredio, não quis falar o sobrenome nem aparecer nas fotos, mas tentou explicar por que, na sua avaliação, faz parte da pobreza dos EUA. Enquanto se aquecia junto a uma fogueira, justificou sua condição no (fracasso) do conceito clássico americano de “self-made man”, no qual o sucesso está nas realizações das pessoas, e não nas condições externas.

“Os ricos foram para a faculdade, se formaram, trabalharam duro para ganhar o que ganham. Por que eles precisam dividir? Todo mundo tem as mesmas chances de chegar lá. Eu não estudei e não trabalhei duro. A culpa é minha. Eu me coloquei nessa condição.”

Antes de continuar, olha para a namorada, que revira os olhos, discordando. “Gosto do Trump. Votei nele em 2016 e vou votar de novo. Não dá para culpar alguém que você nunca viu por aquilo que você vive.”

E emenda: “Os democratas dizem que vão dar tudo de graça, enquanto os republicanos dizem que vão te dar emprego”.

Alguns dos colegas de Claudio começam a se incomodar com a nossa presença. Ele mesmo disse que ter sua história contada em um jornal brasileiro não o ajudaria em nada.

Explico que é importante que outros lugares conheçam a realidade profunda do país mais rico do mundo. Ele concorda.

Lateral do Museu de Arte de Milwaukee, Wisconsin - Lalo de Almeida/Folhapress

Em outra parte da cidade, perto do museu de arte de Milwaukee, a jornalista Robyn Cherry, 56, diz que para vencer pensamentos como o de Claudio e de outros eleitores de Trump é preciso ser “um democrata operário.”

Ela foi uma das que optaram por Hillary Clinton há três anos e diz que vai votar em qualquer nome que o partido indicar em 2020. “Não sair de casa para votar significa votar em Trump. Algumas vezes, você precisa ir além das negativas e olhar o todo.”

Cherry é negra e explica por que, na sua opinião, muitos dos eleitores negros não votaram em Hillary em 2016.

Os homens, ela diz, não esqueceram uma declaração dada pela democrata em 1996, em que ela chamou jovens negros de “superpredadores”.

As mulheres, por sua vez, não perdoaram a ideia de que Hillary não se separou de Bill Clinton após as revelações sobre o caso extraconjugal do então presidente com Monica Lewinsky.

“Como olhar para Hillary como modelo de mulher forte e independente se ela acha que precisa ficar com o marido para concorrer à Presidência?”

Para a jornalista, a candidata democrata em 2016 deu como certa sua vitória no Cinturão da Ferrugem devido à tradição do partido na região e não visitou estados como Wisconsin, Ohio e Michigan na campanha.

Se os democratas quiserem chegar à Casa Branca no ano que vem, afirma, precisam investir na região e no eleitorado jovem e negro. Mas a batalha não será fácil em Wisconsin.

Pesquisas mostram que o eleitor do estado tem se movido na direção do presidente e contra o processo de impeachment nos últimos meses, e que o discurso conservador avança até em regiões mais progressistas, como Milwaukee.

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No alto, passante em Milwaukee, Wisconsin; acima, caminhões estacionados em zona industrial da cidade - Lalo de Almeida/Folhapress

Cherry concorda. Apesar de 40% da população da cidade ser negra, afirma não se sentir mais acolhida no lugar onde nasceu. “Estou cansada de ser a única negra na empresa. Eles contratam negros para cumprir cotas de diversidades e, depois, quando alcançam esse número, fecham as portas.”

Ex-funcionária da afiliada da emissora de TV NBC, mostra-se pessimista sobre mudanças.

“Nunca tem ninguém como eu, não tenho com quem conversar sobre um programa de TV para negros, por exemplo. Eles contratam a gente, mas não olham a condição cultural que vem com a gente, como a gente se comunica, como a gente processa informação. Eles nos olham como pessoas brancas pintadas de marrom.”

Estávamos exaustos na manhã seguinte. Era o primeiro dia de novembro e o último da nossa viagem. Após 11 dias, 14 cidades e 2.414 quilômetros rodados, ficou evidente que observar a vida diária dos americanos é fundamental para explicar as diferenças nos EUA. E que as decisões políticas não são necessariamente tomadas com objetividade e pragmatismo.

Na divisão entre republicanos e democratas fervorosos, é possível esperar uma escalada ainda maior da polarização até novembro de 2020. Mas o resultado da eleição virá justamente dos eleitores no meio do caminho –grande parte deles no Cinturão da Ferrugem.

A missão desse grupo é histórica: determinar se o presidente mais controverso da história dos Estados Unidos deve permanecer ou não no comando da Casa Branca.

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Cemitério National Woods em Milwaukee, no estado de Wisconsin - Lalo de Almeida/Folhapress

Texto: Marina Dias / Fotografia: Lalo de Almeida / Infografia: Catarina Pignato / Edição de fotografia: Fernando Sciarra, Lalo de Almeida e Daigo Oliva / Edição e revisão de texto: Daigo Oliva e Beatriz Peres / Tratamento de imagem: Edson Salles / Desenvolvimento: Pilker / Design: Fernando Sciarra e Irapuan Campos / Coordenação de arte: Kleber Bonjoan e Thea Severino / Edição e coordenação: Daigo Oliva