Crise e eleições 2018

Lula em transe

Mais afetado pela recessão econômica, Nordeste é grande aposta do ex-presidente em pré-campanha

Cenário eleitoral 2018

Com 6 milhões de novos pobres, economia poderá definir 2018

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O Brasil entrará na campanha eleitoral de 2018 com uma piora abrupta nos seus indicadores sociais e com o surgimento de quase 6 milhões de novos pobres por conta da crise econômica iniciada em 2014.

Mas a atual recuperação da economia, que tende a ganhar força no ano que vem, poderá favorecer as forças tradicionais da política, como PMDB e PSDB, partidos com mais emendas regionais, tempo de TV e fundos públicos para campanhas.

No Nordeste, que garantiu as quatro últimas vitórias do PT e onde Lula iniciou sua pré campanha em caravana de 20 dias martelando avanços em seu governo, a recuperação segue mais lenta.

Mesmo assim, especialistas identificam a região mais com "governismo" do que com "lulismo" ou petismo.

A melhora econômica também no Nordeste daqui em diante, emendas de parlamentares governistas e um reajuste quase certo do Bolsa Família em 2018, sustentam esses analistas, podem aumentar as chances de candidaturas aliadas ao governo Temer (PMDB) e minar a de "outsiders", como Jair Bolsonaro (PSC).

Entre o fim de agosto e o início de setembro, a Folha viajou atrás da caravana de Lula pelo Nordeste e visitou dezenas de áreas atingidas severamente pela recessão.

O ex-presidente segue muito popular na região. Nos discursos, procurou vincular o cenário de crise ao "governo golpista de Michel Temer", minimizando os erros da gestão de sua sucessora, Dilma Rousseff (PT).

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A recessão iniciada no governo Dilma impôs o pior resultado para os pobres desde 1989, com a combinação de renda do trabalho em queda e piora na desigualdade por dois anos seguidos, em 2015 e 2016.

Como resultado, o total de novos pobres no país (renda domiciliar per capita até R$ 223) aumentou em 5,9 milhões de pessoas, a maior parte concentrada no Nordeste.

A crise levou a que sejam agora considerados pobres 11,2% população, ante 8,4% em 2014, quando o percentual caiu ao menor patamar.

Desde 2003, ano em que 27,9% da população era considerada pobre, o país não via a piora nesse indicador, segundo dados do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas, coordenado pelo economista Marcelo Neri.

Além do aumento do total de pobres, a desigualdade social ainda segue piorando, principalmente por conta do desemprego e do Nordeste, onde Lula aposta suas fichas.

Nos dois últimos anos, enquanto a renda nacional caiu 1,7%, a dos nordestinos afundou 2,6%.

Para Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, mesmo que lenta (e com defasagem no Nordeste), a recuperação econômica em curso deve mudar o foco da campanha em 2018 para temas como corrupção, segurança e saúde.

Paulino lembra que Lula, mesmo depois dos escândalos do PT, detém cerca de 30% das intenções de voto no país; e 48% no Nordeste, segundo maior colégio eleitoral com 27% dos votantes.

Para o economista Antonio Delfim Netto, apesar da forte recessão, seu impacto entre os mais pobres pôde ser amenizado pelas políticas de transferência de renda identificadas com Lula, como o Bolsa Família.

Delfim acha que se não ficar fora da corrida eleitoral por uma condenação na Justiça, "Lula estará no segundo turno". "Será uma eleição com uns dez candidatos, e quem tiver 20% dos votos, deve ir para o segundo turno."

Outros especialistas relativizam as chances de Lula e do PT no Nordeste, apesar do histórico de quatro vitórias determinantes na região nas últimas eleições.

Em três dessas vitórias (2006, 2010 e 2014), o PT de Lula detinha a máquina do governo federal, o que não ocorrerá desta vez.

GOVERNISMO

"O Nordeste não é petista, é governista, pois as administrações locais dependem muito do governo federal. Por isso, não me impressionaria nada se, em 2018, um candidato apoiado por Temer, que sabe articular e liberar emendas, tiver mais de 60% dos votos no Nordeste", afirma Alexandre Rands, economista e presidente da Datamétrica, consultoria do Recife.

Como exemplo do peso federal no Nordeste, quando a caravana de Lula passou pelo Ceará no fim de agosto, o governo Temer anunciou R$ 49 milhões em investimentos para 33 obras do Estado, a maioria destinada a áreas sociais de grande impacto, como saúde e combate à seca.

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Em 2018, é quase certo que o governo federal reajustará o Bolsa Família, não corrigido sequer pela inflação neste ano. Mais da metade de beneficiários do programa estão no Nordeste.

BANDEIRA DA INCLUSÃO

Para Marcus Melo, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco, por conta do nível de pobreza no país, a "bandeira" da inclusão social é a que mais atrai votos.

"Lula se tornou muito popular no Nordeste por boas razões ao patrocinar forte inclusão. Mas qualquer incumbente de turno que promova transferências de renda e políticas para municípios terá apoio", diz.

"Há uma adesão racional a quem quer que ofereça um aumento do bem-estar."

Melo argumenta ainda que, sem financiamento privado na corrida de 2018, a provável união de partidos como PMDB e PSDB ficará com a maior parte dos fundos públicos de campanha e tempo de TV, além da "caneta presidencial".

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a melhora da economia em 2018 também deverá favorecer candidaturas governistas e tenderá a minar o discurso da oposição e do PT, de que "a crise é de Temer".

Na última semana de sua caravana pelo Nordeste, enquanto Lula responsabilizava Temer pela crise, o IBGE anunciou novo crescimento do PIB no segundo trimestre e melhora no mercado de trabalho, com 721 mil pessoas a menos na fila por um emprego.

Na semana seguinte, em que Lula prestou mais um depoimento à Justiça em Curitiba, a Bolsa atingiu novo recorde numérico, fechando acima dos 74 mil pontos.