Sebastião Salgado na Amazônia - Marubos

Mudou para pior a vida dos índios <b class="red">marubos</b>, mostra o produto de duas expedições fotográficas separadas por 20 anos feitas ao sul do Amazonas; eles se sentem ameaçados por movimentos recentes de caráter econômico, político e criminoso

Da câmera analógica à digital, o que mudou nas fotos em 20 anos

Da câmera analógica à digital, o que mudou nas fotos em 20 anos

Se é verdade que um homem não atravessa duas vezes o mesmo rio, o Sebastião Salgado que recentemente cruzou o rio Curuçá para chegar à aldeia Maronal não é o mesmo que ali esteve 20 anos antes.

Da mesma forma que os índios marubos mudaram em duas décadas, o repórter fotográfico que, então, já era conhecido internacionalmente, se transformou no fotodocumentarista mais celebrado do mundo, autor das exposições mais visitadas e de best-sellers editados em diversas línguas em todo o planeta.

Em 1998, Salgado ainda não tinha feito a migração da fotografia analógica para a digital: ainda usava câmeras Leica e filmes de 35 milímetros.

Já entusiasta da foto em preto e branco, ele normalmente usava filmes Tri-X, com sensibilidade de 400 ASA, produzidos pela Kodak. "Era o melhor filme de alta velocidade que já existiu", diz, entusiasmado com a lembrança.

O filme era usado em quase todas as situações por sua versatilidade: ele podia fazer fotos em dias mais iluminados (usava aberturas menores do diafragma ou velocidades maiores do obturador) ou levemente escuros (e, nesse caso, abria mais o diafragma da câmera ou reduzia a velocidade).

{{imagem=1}}

Apesar de morar na ensolarada floresta amazônica, os índios passam muito tempo dentro de suas malocas sem janela e à sombra das copas das grandes árvores, ambientes bem escuros.

Nessas situações, Salgado usava um filme chamado T-max com sensibilidade de 3.200 ASA. Quando revelado, frequentemente o filme apresentava uma granulação muito acentuada, que pode ser notada em algumas das fotos feitas em 1998 publicadas nesta edição.

Quando fazia as fotografias do projeto "Gênesis", em 2005, o fotógrafo mudou de tecnologia. Primeiro, adotou câmeras para filmes maiores do que 35 milímetros, usando principalmente uma máquina Pentax 645, para filmes 120, que produzem imagens de dimensões superiores às das mais comuns câmeras 35 mm.

Depois, adotou a tecnologia digital, com máquinas Canon. Hoje, uma câmera digital 1Dx, como as que Salgado utiliza, tem uma sensibilidade maior do que tinha a de um filme analógico para cinema há 30 anos.

Seus fotogramas registram detalhes como antes só era possível ver nas máquinas chamadas de grande formato -câmeras que tinham negativos do tamanho de um livro.

"A máquina atual não tem grãos, as fotos ficam lisas, as texturas mais suaves", explica. Para obter as texturas que alcançava em suas fotos feitas em filme, ele reintroduz no arquivo digital o grão do fotograma Tri-X.

Ainda assim, mesmo com um grão do antigo filme, a qualidade dos fotogramas digitais é muito superior à dos analógicos, o que pode ser constatado comparando-se as imagens mais recentes da aldeia Maronal com as feitas 20 anos antes.

Mas, segundo o fotógrafo, o que realmente revolucionou seu trabalho com o desenvolvimento da fotografia digital foi a alta sensibilidade alcançada nas câmeras para trabalhos em situações de baixa luminosidade, conservando a qualidade dos fotogramas.

Isso deu a ele a possibilidade de trabalhar com grande conforto nos interiores, em locais pouco iluminados. "Antigamente eu perdia mais de 90% das fotografias feitas em interiores escuros", conta.

Um outro elemento mudou: no projeto "Gênesis", Salgado também passou a usar fundos infinitos em certas fotografias, criando, com um tecido encerado, como aqueles usados para cobrir cargas de caminhão, um ambiente que se assemelha ao de um estúdio fotográfico.

O objetivo é isolar os personagens da exuberância dos ambientes em que ele trabalha, como selva ou gelo. "A primeira vez que usei estúdio foi no Parque Indígena do Xingu, em 2005. Depois, fui com ele para Nova Guiné e para outras regiões do planeta", conta.

Conhecido por reportagens visuais construídas ao longo de vários anos, como "Trabalhadores", "Êxodos" e "Gênesis", Salgado trabalha desde 2013 no projeto chamado "Amazônia", que documenta tanto as comunidades indígenas quanto as paisagens da maior floresta do planeta, em uma grande série de imagens que inclui também fotos aéreas.

Ele planeja para a partir de 2021 o lançamento de um livro sobre esse projeto e também uma agenda de exposições no Brasil e em diversos países.

A Folha acompanha Sebastião Salgado em expedições pela Amazônia. Além deste caderno especial sobre os marubos, já foram publicadas reportagens sobre os índios korubos (5/12/2017), os ashaninkas (20/5/2018), os suruwahás (2/9/2018) e os yawanawás (16/12/2018).

Salgado se formou em economia. Durante a ditadura militar, exilou-se na França. Apaixonado pela fotografia, em 1970, passou a trabalhar registrando imagens.

{{imagem=2}}

Trabalhou em agências como a prestigiosa Magnum, fundada por Robert Capa (1913-1954) e Henri Cartier-Bresson (1908-2004). Desde 1994, ele e sua mulher, Lélia Wanick Salgado, mantêm a sua própria agência, Amazonas Images -hoje Studio Sebastião Salgado- com sede em Paris.

Reconhecido como um dos principais nomes da fotografia internacional, recebeu vários prêmios e homenagens por seu trabalho. Fotografias suas estão presentes em importantes coleções e museus em todo o mundo.

Em dezembro de 2017, assumiu uma cadeira na Academia Francesa de Belas Artes, maior reconhecimento do governo e da comunidade artística francesa a um criador que atue no país. É o primeiro brasileiro a ocupar essa posição no Institut de France, que reúne as cinco grandes academias francesas.

veja também