Imagem retrata o retorno ao que sobrou do lar de Octávio Aguiar, um entre os 2,3 milhões de gaúchos afetados pelas enchentes
Octávio Aguiar, 57, conhecido por todos como Zoreia, deixou tudo para trás em 3 de maio, quando a enchente inundou quase toda Eldorado do Sul, cidade de 39,5 mil habitantes.
Só não deixou a cidade.
A água secou por completo 30 dias depois. Em junho, ele conseguiu entrar em casa, no bairro Loteamento Popular.
Ele conta que, no momento desta foto, estava sentado pensando no lixo e nas suas coisas.
Em 7 de junho, saiu do prédio da prefeitura, teto que o abrigou por um mês. No auge da crise, centenas de habitantes se aglomeraram nos espaços do local, o único que estava seco.
Morador de Eldorado há 35 anos, ex-vereador e conhecido das vizinhanças, Octávio virou um vigia da casa submersa dos conterrâneos. Por três semanas a fio, percorreu as ruas de barco para resgatar pessoas, pertences e animais.
São coisas que nem é bom lembrar, sabe? Não faz bem para a cabeça o que a gente viu aqui
Perdeu a conta de quantos animais colocou para dentro do barco.
Das pessoas sem vida ele lembra, foram três.
Eldorado registrou sete óbitos e teve 80% dos imóveis engolidos pela água.
Mais de um mês depois, dez bairros estão sem internet e coleta de lixo. Outros sete seguem sem energia elétrica.
Na frente das casas, montanhas de entulho viraram cena comum. Guarda-roupa, cama, sofá, móveis, eletrodomésticos e memórias pessoais hoje são lixo.
Para o carro branco, ele garante que há conserto.
Pode soar novelesco, mas os poucos objetos que restaram ao gaúcho nativista são encilhas e um cavalinho de pau que deu ao neto.
Os seus quatro cavalos morreram.
Mesmo com a roupa do lamaçal, uma jardineira de borracha, o voluntário faz questão de andar de chapéu e lenço do pescoço, indumentária herdada de chimangos e maragatos.
Em meio a tanta perda, recuperou uma memória coletiva, o estandarte da dona Noeca, bandeira preta que deixa pendurada no portão.
Dona Noeca é uma senhora já falecida que guiou uma das cavalgadas que fez. Octávio andou com água na cintura para resgatar o pano, entranhado a uma rede de futebol. Hoje, o ostenta como relíquia.
Ao lado de Noeca, pendura a bandeira do Brasil, homenagem a voluntários de outros estados que ajudaram seu município.
Veio gente de todo lugar do país, uns estão até agora aqui, ajudando com comida para o pessoal. Mas não tem mais tanta gente como antes, a vida deles seguiu
A faxina em casa deve demorar três meses. Enquanto isso, Octávio aluga uma casa.
Trabalhador de serviços gerais, como hidráulica e pintura, ainda aguarda o auxílio do governo, que ele diz estar sob análise.
Ainda não tem clareza sobre seu futuro, mas sabe o que precisa fazer agora.
Tem um pessoal que ainda precisa de muita ajuda com a faxina, ninguém consegue resolver sozinho. Depois vejo o que fazer da minha vida, é levantar a cabeça e tocar o barco