Um exército de 25 mil trabalhadores ergue no Pará a terceira maior hidrelétrica do mundo, uma obra controversa –pelo baixo rendimento da usina e pelo impacto no ambiente e nas populações de índios, ribeirinhos e habitantes de Altamira. A Folha passou três semanas na cidade para produzir a reportagem mais completa –com 24 vídeos, 55 fotos, 18 infográficos e um game– sobre o maior projeto de infraestrutura do Brasil


Capítulo 1 - Obra

Um projeto de R$ 30 bilhões

Enviados especiais

Marcelo Leite
Dimmi Amora
Morris Kachani
Lalo de Almeida
Rodrigo Machado

A explosão às 6h da manhã arranca uma camada de 9 m de espessura do bloco de migmatito numa área de 750 m² que já foi a morada de árvores centenárias na zona rural de Altamira e Vitória do Xingu (PA). Assentada a poeira, resta uma montanha de fragmentos dessa rocha dura, aparentada com o granito. À meia-noite, nem um pedregulho estará mais ali.

Duas escavadeiras se posicionam lado a lado, a 50 m uma da outra. Cinco levantamentos cada e, em menos de três minutos, enchem uma carreta com 32 toneladas de pedras. Sai um caminhão, encosta outro. Em 20 minutos, partem 18 caçambas cheias. Não há um segundo de descanso.

O ritmo frenético de homens e máquinas marca a construção de um canal de 20 km de comprimento, para dar passagem aos 14 milhões de litros de água por segundo desviados do rio Xingu –vazão quase 530 vezes maior que a do canal principal de transposição do São Francisco– que vão movimentar as turbinas da terceira maior hidrelétrica do mundo, e também uma das mais controversas: Belo Monte, da empresa Norte Energia S.A.

Quando estiver funcionando a toda força, a usina poderá produzir até 11.233 megawatts (MW) de eletricidade. Uma capacidade instalada suficiente para iluminar as casas de pelo menos 18 milhões de pessoas e ficar atrás só da hidrelétrica chinesa Três Gargantas (22.720 MW) e da paraguaio-brasileira Itaipu (14 mil MW).

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, o Brasil precisa acrescentar 6.350 MW anuais de geração elétrica, até 2022, ao seu parque atual de 121 mil MW (70% produzidos por hidrelétricas). Se pudesse funcionar a toda carga o ano inteiro, Belo Monte garantiria quase um quinto da eletricidade adicional de que o país vai precisar, mas isso só tem chance de ocorrer em quatro meses do ano.

A maior parte da capacidade de geração (11.000 MW) da nova usina ficará instalada na casa de força principal, junto da vila de Belo Monte do Pontal, cuja obra já avançou 47%. A barragem propriamente dita, contudo, ficará 60 km rio acima, do outro lado da Volta Grande do Xingu, no sítio Pimental, pouco depois do ponto em que o canal captará água para encher os 130 km² do reservatório intermediário. Junto ao vertedouro da barragem de Pimental, seis turbinas poderão produzir até 233 MW na casa de força auxiliar.

O pico de 11.233 MW só poderá ser alcançado entre fevereiro e maio, quando o Xingu atinge suas vazões máximas. Nos outros meses, as turbinas serão progressivamente desligadas. Entre altos e baixos, espera-se que Belo Monte garanta uma média de 4.571 MW, ou apenas 41% de sua capacidade instalada.

“Para começar a gerar, isso tudo tem de estar concluído”, diz a engenheira civil Roberta Martinelli Pimentel Pereira, 35, apontando para o canal onde poderiam acomodar-se facilmente 60 caminhões, lado a lado.

Belo Monte precisa começar a produzir energia em fevereiro de 2015, com a primeira turbina da casa de força auxiliar, mas isso vai atrasar uns três meses. Depois, de março de 2016 até janeiro de 2019, entram em linha as 18 turbinas da casa de força principal. Neste caso, nada pode atrasar. Na realidade, a Norte Energia trabalha com a hipótese de antecipar a montagem das turbinas principais, a partir da quarta ou quinta máquina, de modo a que todas estejam em operação antes do prazo contratual –o que trará ganhos consideráveis para o empreendedor.

No presente, o maior desafio de Roberta Pereira é domar as águas dos igarapés que cortam o curso do grande canal e completar, ainda em dezembro de 2013, a ensecadeira (barragem provisória, para manter a construção isolada do rio Xingu). A engenheira comanda 7.000 empregados e tem 12 anos “no trecho”, como se refere às grandes obras de infraestrutura por que passou. A ensecadeira já tem fundações prontas e a maior parte do aterro alcançou a cota de segurança, 95 m.

Belo Monte fervilha 24 horas por dia, dois anos e meio após o início oficial de sua construção, em junho de 2011. Com um custo estimado em R$ 30 bilhões, o prazo para começar a produzir energia é apertado, apenas 44 meses. Em Itaipu foram 120 meses; a previsão para a hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira (RO), era de 52 meses, mas a usina começou a gerar energia nove meses antes.

Problemas de comunicação

As obras de Belo Monte atingiram o clímax em outubro, com 25 mil trabalhadores (87% deles homens). Três quartos dos mais de 5.600 municípios brasileiros têm população menor que esse exército de operários.

De cidades bem menores que os canteiros da usina vieram João, José, Antônio, Pedro e Joaquim (que pedem para não ter seus verdadeiros nomes revelados). Sentados domingo à tarde na calçada da avenida João Rodrigues, em Altamira, os cinco bebem vodca com soda. Chegaram há pouco mais de um mês e já pensam em ir embora. Belo Monte foi para eles uma decepção. “Nosso salário, em vista de outros Estados, tá aqui”, diz João, com o dedo indicador perto do chão.

João não é barrageiro de primeira campanha. Em 2011, trabalhou na usina de Santo Antônio, no rio Madeira. Diz que lá sua renda mensal ficava entre R$ 1.700 e R$ 1.800. Em Belo Monte, o primeiro salário não passou de R$ 1.200. O teto de dez horas extras semanais negociado entre o Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM) e o Sintrapav (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada do Pará) impede os operários confinados nos canteiros de trabalhar mais que 54 horas por semana –e, portanto, de ganhar mais.

Mais de dois terços dos trabalhadores vêm de fora de Altamira. O distanciamento da família é agravado pelo fato de nos canteiros só haver sinal da operadora Oi, que tem entre seus controladores a Andrade Gutierrez, líder das empreiteiras do CCBM (que conta ainda com Odebrecht e Camargo Corrêa). Quem tem celular de outras operadoras pena para falar com a mulher e os filhos. Os mais persistentes descobriram que há vestígios de sinal no morro da caixa-d’água perto do alojamento Canais, onde podem ser vistos com o aparelho amarrado em estacas fincadas no chão.

Segundo pesquisa Datafolha com 246 trabalhadores da obra entrevistados em Altamira, a maioria é de casados (51%), dos quais 40% têm mulher ou marido vivendo na cidade. Dois de cada três trabalham em Belo Monte há menos de um ano e pelo menos a metade não pretende ficar, instalou-se no local apenas em busca do emprego (38% já trabalharam em outras barragens).

  • Alojamentos de um dos três canteiros de construção de Belo Monte, em Canais - Lalo de Almeida/Folhapress

  • No morro ao lado de Canais, telefone celular de operário fixado para manter sinal - Lalo de Almeida/Folhapress

  • Após procurar sinal de operadora de celular, operário fala com a família - Lalo de Almeida/Folhapress

  • Refeitório no sítio Belo Monte, um dos vários construídos na obra, que emprega 25 mil operários e engenheiros - Lalo de Almeida/Folhapress

  • Trabalhadores jogam pingue-pongue e pebolim na área de lazer do alojamento de Canais - Lalo de Almeida/Folhapress

  • Operários jogam dominó no setor recreativo do alojamento de Canais - Lalo de Almeida/Folhapress

Os alojamentos têm dormitórios para no máximo quatro pessoas, com ar-condicionado, banheiro interno e água quente. Dezenas de quartos compõem os “condomínios”, em cada um dos quais só se entra com o crachá magnético correspondente. No pátio interno entre os condomínios, os quartos são isolados por alambrados. As opções de lazer são ver TV, ir à academia, jogar sinuca, dominó ou pebolim. Há espaço para cultos religiosos e aulas de informática. Um cinema com 200 lugares está para ser inaugurado.

De acordo com o Datafolha, 57% dos trabalhadores da usina moram nos alojamentos dos canteiros. A grande maioria aprova conforto (89% de ótimo e bom) e limpeza (84%) do local, assim como sua organização (71%) e as oportunidades de lazer (70%). Só a qualidade da alimentação divide opiniões: 45% de ótimo/bom contra 45% de regular.

Greves de trabalhadores (como a que parou toda a obra no final de novembro de 2013), protestos de índios, paralisações determinadas pela Justiça e problemas com licenças ambientais podem forçar a Norte Energia a atrasar o início da geração. Pelo contrato assinado com a União, a multa por descumprimento do prazo pode chegar a 2% do faturamento anual.

A Norte Energia ainda teria de comprar de outras empresas a energia que não entregar, ao custo diário de até R$ 1 milhão por turbina não acionada, dependendo do preço da energia na época. Esse prejuízo acabaria assumido pelos contribuintes, pois, apesar de planejado como empreendimento privado, Belo Monte no fundo é estatal (não é à toa que a Força Nacional de Segurança participa da vigilância na obra).

Em 2010, quando a Norte Energia venceu o leilão para construir Belo Monte, o grupo era pouco mais que um aglomerado de empresas médias de construção civil e energia (Bertin, Queiroz Galvão, J. Malucelli, Cetenco, Galvão Engenharia, Mendes Júnior e Serveng) com estatais lideradas pela Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco). Desde então, sua composição evoluiu para uma associação entre as estatais e fundos de pensão, que contratou para tocar a obra civil boa parte das empreiteiras perdedoras do leilão, agora reunidas no CCBM.

Visão noturna da obra no sítio Belo Monte, que funciona 24 horas por diaImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Armador carrega vergalhão entre ferragens de estrutura que será concretada junto da casa de força principal, em Belo MonteImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Operários preparam ferragens para concretar berço de 1 das 6 turbinas de PimentalImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Montador trabalha na armação de 1 das 19 colunas do vertedouro de PimentalImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Vista aérea do sítio Pimental; à esquerda, trecho do rio Xingu que será barrado em 2015Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress

No sítio Belo Monte, estrutura para abrigar 18 turbinas principais é escavada em rochaImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Piauí x EUA

Antônio Kelson Elias Filho, 55, é o diretor de obras da Norte Energia. Com seu sotaque mineiro, modos diretos e a voz poderosa, Kelson é o próprio comandante em chefe da megaconstrução. Distribui ordens o tempo todo, pessoalmente e por telefone. Ao recordar sua reação após a vitória no leilão sobre um consórcio dado como favorito, Kelson deixa claro qual era o estado de espírito da tropa improvisada ao assumir o domínio sobre Belo Monte: “O Piauí ganhou a guerra com os Estados Unidos. Agora tem de ocupar”.

Tudo em Belo Monte é colossal. O canal de 20 km sob o comando da engenheira Roberta Pereira tem no mínimo 200 m de largura no fundo e pode ultrapassar 300 m na borda superior dos taludes. A água alcançará uma profundidade de 22 m, o equivalente a um prédio de sete andares. A barragem em Pimental terá 8 km. O coração da usina, em Belo Monte, vai abrigar 18 turbinas de 5 m de altura e 8,5 m de diâmetro em nichos escavados na rocha viva, com altura de 45 andares. O gerador movimentado pela turbina tem 22 m de diâmetro e precisa ser levado desmontado até a região, pela impossibilidade de transportá-lo numa peça só.

Sete dessas unidades geradoras começam a ser montadas na fábrica da Alstom em Taubaté (SP), a mais de 2.300 km de Altamira. A finalização da roda da turbina exige soldar três tipos de peça: o cubo (roda menor), fundido na Coreia do Sul; a cinta (roda maior), produzida na China; e as pás fabricadas em Piracicaba pela empresa brasileira Dedini. Ao contrário do gerador, a roda segue inteira –320 toneladas de aço inoxidável– para o Pará. Cada viagem deve tomar de três a quatro meses, de carreta até Santos, depois de navio até Belém e por fim de balsa até o porto construído em Belo Monte.

Só o contrato da Alstom, firma de origem francesa envolta em escândalos que lidera o consórcio para fabricar 14 das 18 unidades geradoras, vale R$ 1,3 bilhão. Ela entregará a primeira turbina da obra, para geração no início de 2016, na casa de força principal em Belo Monte. Os outros quatro conjuntos de turbina e gerador estão sendo fabricados em Suape (PE) pela Impsa, multinacional argentina contratada separadamente pela Norte Energia.

Arroz de avião

A logística da construção não tem sido fácil. A rodovia Transamazônica, aberta na década de 1970, ainda tem trechos não asfaltados nos 906 km que separam Altamira da capital, Belém, que se tornam intransitáveis no período de chuvas, de dezembro a junho.

A construção de 270 km de acessos da Transamazônica até os canteiros permitiu aumentar o ritmo das obras. Em 2011, quando ela começou, um caminhão levava quatro ou cinco horas para ir da Transamazônica ao sítio Pimental. Agora, leva 40 minutos.

Em julho de 2011, protestos fecharam a Transamazônica. Para alimentar os empregados, foi necessário fretar dois aviões, ao custo total de R$ 80 mil, que foram buscar em Belém toneladas de arroz e outros gêneros. Quando a carga chegou, havia comida só para três dias de alimentação.

A rubrica transporte representa em torno de 8% do custo total do projeto Belo Monte. “Se tivéssemos a Transamazônica asfaltada, teríamos uma economia de R$ 200 milhões, dos R$ 800 milhões já gastos com transporte”, calcula Marcos Sordi, diretor administrativo do CCBM.

Na avaliação do consórcio, ao final de 2013 cerca de metade de toda a obra civil de Belo Monte estará realizada. Na barragem do rio Xingu, a parte que precisa ficar pronta em 2014 para acionar as turbinas na casa de força auxiliar de Pimental, as obras realizadas devem chegar a 47% do total. Os engenheiros afirmam que tudo está dentro do cronograma.

Na fábrica da Alstom em Taubaté (SP), começam a ser montadas 7 das 18 turbinas de Belo Monte, que têm mais de 300 toneladas de aço inoxidável (como esta)Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

O canal para desviar água do Xingu, revestido de pedra, tem 20 km de comprimento e 200 m de larguraImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Caminho das pedras

O migmatito é um dos grandes segredos de Belo Monte. A abundância e a dureza da rocha permitiram aos engenheiros, após dez meses de testes, alterar o projeto original: em lugar de revestir o leito do canal com concreto, vão cobri-lo com pedra britada (pedregulhos de até 20 cm). Isso vai economizar 1 milhão de metros cúbicos de concreto e R$ 200 milhões no custo da obra, além de encurtar de 27 para 16 meses a construção do canal.

As pedras, no entanto, formam uma superfície mais rugosa que o concreto, o que faz com que a água avance do rio para o reservatório com velocidade menor, por força do atrito. E a velocidade da água é fundamental na geração da energia, para garantir que o volume adequado seja abocanhado pelas turbinas.

O princípio do funcionamento de uma hidrelétrica é que um grande volume de água desça o mais rapidamente possível do ponto mais alto para o mais baixo, a fim de girar turbinas que vão acionar os geradores. A energia é produzida pelo movimento circular de um rotor com enrolamento de cobre no interior de outro circuito imóvel do mesmo metal (o estator) –exatamente o processo inverso de um motor elétrico, que consome eletricidade para produzir movimento, enquanto o gerador converte a energia mecânica em elétrica.

Para compensar a perda de velocidade da água no canal revestido com pedras, foi necessário “alargar o cano”, ou seja, aumentar sua seção (em 35%). São mais árvores para retirar, migmatito para explodir, escavadeiras para levantar e caminhões para transportar. Kelson diz que foi tudo calculado para o balanço entre receita e despesa ser positivo. “Não brinca. Se chegar à conclusão de que é negativo, melhor não mudar.”

Quem disputa a concessão de uma hidrelétrica tem como principal fonte de receita futura a venda de energia para o sistema interligado nacional. No caso de Belo Monte, o governo estimou em 2008 que uma tarifa de R$ 83 por MWh (megawatt-hora) seria suficiente para cobrir todos os custos e dar lucro. Venceria quem oferecesse a menor tarifa.

Quando há disputa, a empresa precisa oferecer um desconto sobre essa tarifa –desde que as simulações indiquem que ela pode ganhar mais com a comercialização de energia, mesmo com margem de lucro menor, se fizer a obra a custo mais baixo. Por outro lado, se a obra sair mais cara que o orçado pela vencedora do leilão, ou se a usina não gerar energia na quantidade e no prazo previstos, é ela quem arca com o prejuízo.

“O que vale para o consumidor é o preço final. O que consideramos nas nossas hipóteses é irrelevante”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Planejamento Energético), estatal responsável por definir os parâmetros dos editais da licitação.

Contas duvidosas

Em abril de 2010, a Norte Energia venceu a concorrência pela concessão de Belo Monte oferecendo um valor 6% menor (R$ 78) que o preço de referência. O custo da obra estimado pela Norte Energia, contudo, era 30% superior ao máximo previsto pelo governo. Para o mercado, não parecia possível recuperar o investimento com a tarifa oferecida. Uma decisão da Eletrobras tomada meses depois do leilão reforçou essa suspeita.

A Eletrobras, holding estatal que controla a Chesf, firmou um contrato com a Norte Energia para comprar, por R$ 130 o MWh, a energia excedente que Belo Monte puder vender no mercado. Esse preço da eletricidade extra vendida no mercado livre varia diariamente e, na média dos últimos dez anos, ficou em R$ 79. Portanto, a estatal-mãe deu uma bela ajuda à filha, que a usou para convencer o BNDES a liberar um empréstimo subsidiado de R$ 22,5 bilhões.

“A isso se dá o nome de energia limpa e barata”, ironiza Célio Bermann, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. Para o especialista, Belo Monte está acima da média mundial de US$ 1 mil por MW instalado e vai ocasionar despesas para o contribuinte com os subsídios implícitos no financiamento e na comercialização da energia.

Barragem de terra e pedras em Pimental que tem 5 km de extensão e já fechou um dos canais do rio XinguImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

A Norte Energia depende ainda do Ibama para saber, de fato, quanto Belo Monte vai produzir de eletricidade. Por contrato, ela precisa gerar 4.571 MW em média, ao longo de cada ano (meros 41% de sua capacidade instalada), sendo que 70% dessa energia garantida vai para o sistema integrado. Como o reservatório que alimentará a casa de força principal é relativamente pequeno, a água que for reservada no período de cheia não bastará para gerar nem 10% da capacidade quando chegar o auge da seca. Uma das condições do Ibama para conceder a licença de operação da usina é que o rio Xingu tenha uma vazão mínima nas cheias para manter em boa saúde os ecossistemas na Volta Grande, abaixo da barragem de Pimental.

Belo Monte tem, no entanto, um atributo que pesou na decisão de seguir em frente com a sua construção: poderá gerar energia em abundância nos períodos do ano em que as usinas hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, principais regiões produtoras, operam com restrições para não esgotar seus reservatórios. Em 2012, foi necessário gerar 14,3 mil MW em média, ao mês, acionando usinas térmicas, o que custou ao país R$ 12 bilhões a mais que a geração hidrelétrica.

Para os altamirenses, a eletricidade de Belo Monte ainda é uma ficção. Por ora, a usina só lhes trouxe seguidas interrupções de energia. A rede elétrica de distribuição, com seus fios e transformadores das décadas de 1970 e 1980, não suporta o aumento do consumo.

No verão amazônico, quando as temperaturas quase não baixam dos 35°C, os clientes em busca de sistemas de ar condicionado não podem ser atendidos na Climatech, porque os aparelhos da loja não funcionam e o local se transforma numa estufa. “Estamos fazendo a maior usina do Brasil e não temos energia”, lamenta Evaldo André, 33, dono da empresa, que deve a própria prosperidade a Belo Monte: em dois anos a firma passou de 5 para 25 funcionários.

Copyright 2013 Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).