Folha de S.Paulo

As pressões da direita militar e o combate à esquerda armada levaram à construção de uma máquina de repressão política feroz e serviram de pretexto para o endurecimento progressivo do regime autoritário inaugurado pelos golpistas em 1964

Os militares chegaram ao poder sem saber direito o que fazer. Alcançado o objetivo principal, que era afastar Goulart e seus aliados do governo, a prioridade dos golpistas passou a ser promover uma limpeza nas instituições, que expurgasse comunistas e outros adversários de quartéis e repartições públicas e do Congresso. Ninguém tinha um plano de governo ou uma ideia clara dos passos que deveriam ser dados depois disso.

Quem começou a dar ordens foi o general Arthur da Costa e Silva. Chefe de um departamento inexpressivo e sem tropas, ele se autonomeou comandante-em-chefe do Exército no dia 1º de abril e assumiu a frente do Comando Supremo da Revolução, que também incluía um representante da Marinha e outro da Aeronáutica. A junta baixou um ato institucional que deu aos militares poderes excepcionais para perseguir seus inimigos e convocou o Congresso Nacional a se reunir em dois dias para eleger um novo presidente que concluísse o mandato de Goulart.

Poderes excepcionais

Ato institucional baixado durante o regime militar deram aos governantes do período

AI-1 9 de abril de 1964

  • Convocou o Congresso a se reunir em dois dias para escolher o presidente da República, em eleição indireta
  • Deu ao novo presidente, durante 60 dias, poderes para cassar mandatos legislativos e suspender direitos políticos por dez anos
  • Durante seis meses, funcionários públicos e militares puderam ser demitidos, aposentados, reformados ou transferidos para a reserva por decreto, após investigação sumária

Nas duas primeiras semanas depois do golpe, a junta liderada por Costa e Silva cassou os mandatos de 40 membros do Congresso Nacional, suspendendo seus direitos políticos por dez anos, e transferiu 146 militares para a reserva. Outras 87 pessoas tiveram direitos políticos suspensos nesses dias, incluindo Goulart e o principal dirigente do PCB, Luiz Carlos Prestes. O velho comunista encabeçou a primeira lista de punições, à frente do presidente deposto.

O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, principal aliado de Goulart no Nordeste, foi deposto por tropas do Exército, que o levaram direto do palácio de governo para a prisão. Milhares de pessoas foram presas em todo o país, de acordo com as estimativas da época. No Recife, um veterano militante comunista, Gregório Bezerra, foi amarrado pelo pescoço, espancado por um coronel do Exército em praça pública e arrastado pelas ruas da cidade até a cadeia.

Políticos que haviam apoiado o golpe, como Carlos Lacerda e o governador mineiro, Magalhães Pinto, logo chegaram à conclusão de que o mais prudente seria formar um novo governo sob a liderança do general Castello Branco, o oficial moderado que se juntara aos conspiradores semanas antes do golpe. Dono de grande prestígio nas Forças Armadas e fora dos quartéis, Castello era visto como uma opção confiável, que garantiria uma rápida devolução do poder aos civis.

Castello foi eleito no Congresso com o apoio das principais lideranças políticas que haviam sobrevivido à primeira onda de cassações. O ex-presidente Juscelino Kubitschek, que era senador pelo PSD e o favorito para as eleições presidenciais de 1965, votou a favor de Castello. O general se reunira com ele e outros caciques do PSD poucos dias antes, quando prometeu manter o calendário eleitoral e transmitir o cargo a quem vencesse as eleições. “Se eu tivesse vetado seu nome, Castello não teria sido eleito”, afirmou Juscelino dez anos mais tarde, numa entrevista ao historiador americano John Foster Dulles.

Para Castello, a legitimidade do novo regime dependia da manutenção de uma fachada democrática convincente, em que o Congresso e outras instituições continuassem funcionando. Mas muita gente continuava inquieta nos quartéis. Centenas de inquéritos foram abertos após o golpe, e os coronéis encarregados de conduzi-los achavam que o governo não se empenhava o suficiente para garantir que os inimigos do regime fossem punidos. Queriam que Castello fosse mais duro.

O comportamento do presidente era ambíguo. Em junho de 1964, Castello cedeu à linha dura cassando o mandato de Juscelino, que logo se tornou alvo de um dos inquéritos. Em abril de 1965, após um ano preso na ilha de Fernando de Noronha, o ex-governador Miguel Arraes conseguiu habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para ser solto e embarcou para o exílio na Argélia. Os coronéis tentaram impedir sua libertação, mas Castello interviu para que a decisão fosse cumprida.

Poderes excepcionais

Ato institucional baixado durante o regime militar deram aos governantes do período

AI-2 27 de outubro de 1965

  • Instituiu as eleições indiretas para presidente, cancelando as eleições diretas previstas para 1966
  • Extingiu os partidos políticos existentes, autorizando a criação de dois novos, Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro)
  • Deu ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais
  • Restabeleceu temporariamente poderes para o presidente aplicar punições a funcionários, cassar mandatos parlamentares e suspender direitos políticos

O resultado das eleições estaduais de 1965, em que os candidatos do governo foram derrotados na Guanabara e em Minas Gerais, aumentou as pressões da linha dura e levou Catello a promover uma guinada. Com o Ato Institucional nº 2, o general extingiu os 13 partidos políticos existentes, cancelou as eleições diretas para presidente e abriu nova temporada de perseguições, restabelecendo os poderes que o primeiro ato institucional lhe dera em caráter temporário.

Castello não só rompeu os compromissos que assumira depois do golpe como aproveitou o embalo para erguer alguns dos pilares que sustentaram a feição mais autoritária do regime nos anos seguintes, fazendo o Congresso aprovar em pouco tempo uma nova Constituição, a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional.

O cancelamento das eleições presidenciais fez aliados de primeira hora se afastarem. Castello ainda despachava no Palácio do Planalto quando Carlos Lacerda começou a articular a formação de uma frente de oposição com dois antigos adversários, Juscelino e o ex-presidente Goulart. Deu em nada, mas mostrou o tamanho do descontentamento que a guinada autoritária provocara.

Vivamente aplaudido

Veja como a eleição de Costa e Silva foi noticiada pelo governo na época

A linha dura colheu outra vitória logo depois, quando chegou a hora de escolher o sucessor de Castello e Costa e Silva, que se tornara seu ministro da Guerra, conseguiu impor seu nome. Castello morreu num acidente aéreo três meses após a posse do novo presidente. Muitas pessoas hoje em dia olham para seu governo com benevolência ao compará-lo com fases mais repressivas do regime militar que vieram depois. Mas a opinião de seus contemporâneos sobre ele era bastante desfavorável no fim de seu mandato.

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“Amanhã vamos apanhar na cara”

Nos dias que se seguiram ao golpe de 1964, milhões de pessoas foram às ruas para celebrar o triunfo do movimento militar. Uma multidão tomou o centro do Rio por quatro horas no dia 2 de abril, com as mulheres à frente distribuindo fitas verde-amarelas e cantando hinos religiosos. “Vermelho bom, só batom”, dizia uma faixa. Entre março e junho, houve manifestações desse tipo em 69 cidades do país, incluindo as principais capitais, de acordo com um levantamento feito pela historiadora Aline Alves Presot, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em 1968, os brasileiros voltaram às ruas, desta vez para manifestar repúdio aos militares. Estudantes que ainda eram jovens demais para fazer alguma coisa em 1964 começaram a agitar as universidades. Operários entraram em greve em Osasco (SP) e Contagem (MG). Intelectuais criticavam publicamente o governo e artistas cantavam canções de protesto na televisão. Em junho, eles estavam na linha de frente da Passeata dos Cem Mil, que tomou as ruas do centro do Rio poucos dias depois da morte de três estudantes numa manifestação reprimida pela polícia.

No mesmo dia, militantes de um grupo guerrilheiro, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), lançaram uma camionete com cinquenta quilos de dinamite contra o portão do quartel-general do 2º Exército, em São Paulo. A explosão matou um soldado de 18 anos que estava de guarda, Mário Kozel Filho, e inflamou os militares. “Isso é um tumor”, reagiu o general Manoel Carvalho de Lisboa, comandante da área. “É a onda vermelha que pretende tomar o poder à força.”

Poderes excepcionais

Ato institucional baixado durante o regime militar deram aos governantes do período

AI-5 27 de outubro de 1965

  • Deu novamente ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia
  • Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente
  • Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular
  • Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito

Os acontecimentos de 1968 aumentaram a agitação nos quartéis e as pressões para que Costa e Silva tomasse medidas mais duras para conter os contestadores, mas o presidente hesitava. Faltava um pretexto e ele apareceu em setembro, quando o deputado Márcio Moreira Alves fez um discurso no plenário da Câmara sugerindo que os brasileiros boicotassem os desfiles militares de 7 de Setembro. Os generais pediram sua cabeça, mas os poderes conferidos pelo AI-2 ao presidente não estavam mais em vigor e a Câmara recusou-se a cassar o mandato do deputado.

A resposta do governo foi a edição do AI-5, o mais drástico dos instrumentos jurídicos de exceção adotados pelo regime. Além de restabelecer os poderes que o governo desejava para cassar e suspender direitos políticos, desta vez sem prazo de validade, o novo ato institucional suspendeu a garantia do habeas corpus, impedindo que opositores presos pelo regime recorressem à Justiça para obter a liberdade. Costa e Silva fechou o Congresso Nacional no mesmo dia, por prazo indeterminado.

Às favas

Ouça um trecho do voto de Jarbas Passarinho

A reunião em que o presidente discutiu o ato com seus ministros no Conselho de Segurança Nacional foi gravada. Um ou outro fez ressalvas, mas o único a expressar discordância foi o vice-presidente Pedro Aleixo, que preferia que fosse decretado estado de sítio. O tom da conversa pode ser resumido por duas manifestações, a do ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, que mandou “às favas” os “escrúpulos de consciência”, e a do chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Orlando Geisel: “Se não tomarmos, neste momento, esta medida que está sendo aventada, amanhã vamos apanhar na cara, senhor presidente”.

O AI-5 permaneceu em vigor por uma década e foi um divisor de águas na vida política do país. Ele inaugurou a fase mais repressiva da ditadura militar, em que pelo menos 300 militantes de organizações de esquerda foram mortos pelos órgãos de segurança e mais de 1,7 mil pessoas foram punidas por decreto. Nos primeiros dois anos de vigência da medida, presos políticos processados nas auditorias da Justiça Militar denunciaram mais de 2,2 mil casos de tortura.

A escalada da repressão

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A revolução na cabeça, com o revólver na mão

A esquerda começou a se preparar para enfrentar a ditadura de arma na mão antes mesmo do endurecimento do regime. Militantes da Ação Popular e de outros grupos menores foram a Cuba fazer treinamento militar pouco depois do golpe, de acordo com o historiador Jacob Gorender. O PCdoB despachou os primeiros militantes para a região onde mais tarde desencadeou a guerrilha do Araguaia em 1966, dois anos antes do AI-5. A primeira turma enviada para treinamento em Cuba pelo líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella, desembarcou na ilha em 1967.

A primeira bomba explodiu em 1966, no aeroporto de Guararapes, no Recife. Escondida dentro de uma maleta e acionada por um relógio, ela foi armada por militantes da AP e foi detonada momentos após a chegada de Costa e Silva, que era aguardado naquela manhã para vários compromissos na cidade. O general escapou ileso, mas um almirante e um jornalista morreram com a explosão.

Ex-militantes que participaram da luta armada justificam até hoje a opção como a única saída que encontraram para se opor ao regime depois que os militares fecharam os canais tradicionais de participação política. Mas documentos deixados pelas organizações com as quais eles se envolveram mostram que no calor da hora a explicação para seus objetivos era outra. A guerrilha era uma etapa na luta para derrubar a ditadura militar e substituí-la por outra, de caráter socialista.

Os militantes desses grupos acreditavam que o principal erro da esquerda em 1964 fora não resistir ao golpe. Agora, achavam que sua tarefa era fazer a revolução liderando pelo exemplo, realizando ações armadas que despertassem nas massas trabalhadoras o entusiasmo necessário para segui-los. Como se sabe, o fim dessas organizações foi trágico e nenhuma chegou nem perto de alcançar esse objetivo.

Vários desses grupos, como a ALN, surgiram a partir de dissidências do velho PCB, que caiu em descrédito após a derrota sofrida em 1964 e se manteve longe da luta armada. Alguns chegaram a realizar ações conjuntas, mas não havia unidade entre eles e a clandestinidade em que operavam contribuía para reforçar seu isolamento. O PCdoB foi o único grupo que conseguiu criar um foco guerrilheiro.

A primeira tentativa foi organizada com dinheiro de Cuba e o apoio de Leonel Brizola, que vivia exilado no Uruguai desde 1964. Um grupo de 14 guerrilheiros, liderados por militares que haviam sido expulsos do Exército logo após o golpe, montou um acampamento na Serra do Caparaó, na divisa entre Minas Gerais e o Espírito Santo, em 1966. Foram capturados em 1967, antes de entrar em ação.

A maioria desses grupos limitou-se a realizar ações de impacto efêmero, como assaltos a bancos e depósitos de armas, cujo objetivo era obter condições para sobreviver na clandestinidade. Algumas ações foram espetaculares, como o assalto a um cofre guardado na casa de uma amante do ex-governador paulista Adhemar de Barros, que em 1969 rendeu US$ 2,5 milhões para a VAR-Palmares. A presidente Dilma Rousseff atuava na organização nessa época, mas não participou do assalto.

Houve momentos em que eles pareciam estar por toda parte, e não só nos cartazes da polícia. Durante a greve de Osasco em 1968, a ALN e a VPR planejaram ações para cortar a eletricidade das fábricas, que não chegaram a realizar. Quando estudantes da Universidade de São Paulo e do Mackenzie entraram em confronto na rua Maria Antônia no mesmo ano, as duas organizações forneceram armas para que os estudantes da USP se defendessem.

A ação mais audaciosa foi realizada em setembro de 1969, quando guerrilheiros da ALN e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick e exigiram que o governo soltasse 15 presos políticos em troca de sua libertação. Eles conseguiram tudo que queriam, mas o sequestro também deu aos militares o pretexto de que precisavam para reorganizar seu aparato repressivo e dar início à fase em que o combate à esquerda foi mais feroz.

Duis eu tortor ut urna tempus porttitor non quis velit. Duis nec erat nec odio porttitor facilisis. Morbi Foto: Arquivo/DP/D.A Press

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“Foi a mesma coisa que matar uma mosca com um martelo-pilão”

O sequestro do embaixador americano humilhou o regime num momento de fragilidade. O presidente Costa e Silva acabara de sofrer um derrame cerebral e estava afastado de suas funções. Uma junta formada pelos três ministros militares assumira o controle do governo. Agentes da repressão batiam cabeça com frequência. Quando uma equipe do Centro de Informações do Exército (CIE) descobriu a casa em que Elbrick era mantido refém, já havia uma turma do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) vigiando os sequestradores no local.

Dos 14 guerilheiros que participaram do planejamento e da execução da ação, seis foram presos nas semanas seguintes à libertação do embaixador. Um dos comandantes do sequestro, Virgílio Gomes da Silva, foi espancado após ser preso por agentes da Operação Bandeirantes (Oban) em São Paulo e desapareceu. Foi o primeiro guerrilheiro a sumir nas mãos dos militares depois da edição do AI-5. Dois meses depois, Carlos Marighella foi morto num cerco policial em São Paulo.

TÍTULO FALSO

Linha fina também falsa

Chefe do Estado-Maior do Exército, juntou-se aos conspiradores semanas antes do golpe de 1964. Assumiu o poder prometendo manter as eleições presidenciais marcadas para 1965, mas cancelou o pleito, extinguiu partidos políticos, decretou uma nova Constituição e aplicou punições a milhares de adversários. Reformas econômicas promovidas em seu governo criaram condições para o crescimento acelerado dos anos seguintes

Apoiado por oficiais radicais que defendiam o endurecimento do regime, Costa e Silva governou num período de intensa agitação, em que estudantes foram às ruas protestar e militantes de esquerda decidiram pegar em armas contra a ditadura. Com o Ato Institucional nº 5, ganhou poderes extraordinários, suspendeu garantias constitucionais e fechou o Congresso por quase um ano. Após sofrer uma isquemia cerebral, foi afastado do poder sem concluir o mandato

Chefe do SNI no governo Costa e Silva, Médici concluiu seu mandato e ficou mais cinco anos no poder. Foi o período em que a ação repressiva do regime foi mais feroz e as principais organizações da esquerda armada foram liquidadas. Foi também a fase do chamado milagre, em que o país cresceu de forma acelerada, obras como a rodovia Transamazônica foram construídas e o Brasil foi tricampeão do mundo no futebol

Chefe do gabinete militar no governo Castello Branco, Geisel iniciou a fase de distensão do regime, revogando o AI-5 e agindo para conter a violência do aparato repressivo do governo. Num ambiente conturbado pelos efeitos do choque do petróleo na economia, a oposição colheu uma vitória nas eleições para o Congresso, a contestação voltou às ruas e o movimento operário ressurgiu com as greves no ABC paulista

Chefe do SNI no governo Geisel, foi o último presidente do ciclo militar. Sancionou a Lei da Anistia, autorizou a criação de novos partidos políticos e a realização de eleições diretas para governador. Com a economia em crise e o processo de abertura ameaçado por atentados terroristas de direita, seu governo acabou após a eleição pelo Congresso de um presidente civil, Tancredo Neves

Criada poucos meses antes do sequestro de Elbrick, a Oban foi um núcleo organizado pelo Exército com apoio financeiro de empresários para reforçar o combate à esquerda, coordenando ações das forças militares, da polícia estadual e dos órgãos de inteligência das Forças Armadas. A experiência foi tão bem sucedida que no ano seguinte o Exército decidiu ampliá-la, criando o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) e os Destacamentos de Operações de Informações (DOIs), unidades militares especializadas no combate à subversão.

MÁQUINAS DE REPRESSÃO

Os principais componentes do aparato repressivo construído pelo regime militar

  • SNI
  • CIE
  • Cenimar
  • CISA
  • OBAN
  • CODI
  • DOI

Serviço Nacional de Informações

Criado em 1964 para assessorar o presidente da República, bisbilhotava todo mundo e tinha divisões em todos os ministérios, mas seu papel no combate à luta armada foi reduzido

CIE

Centro de Informações do Exército

Cada uma das Forças Armadas tinha um serviço de inteligência próprio. O Cenimar é o mais antigo. Criado em 1967, o CIE era subordinado ao ministro do Exército e foi o que teve papel mais ativo na repressão

CENIMAR

Centro de Informações da Marinha

Cada uma das Forças Armadas tinha um serviço de inteligência próprio. O Cenimar é o mais antigo. Criado em 1967, o CIE era subordinado ao ministro do Exército e foi o que teve papel mais ativo na repressão

CISA

Centro de Informações da Aeronáutica

Cada uma das Forças Armadas tinha um serviço de inteligência próprio. O Cenimar é o mais antigo. Criado em 1967, o CIE era subordinado ao ministro do Exército e foi o que teve papel mais ativo na repressão

Operação Bandeirantes

Criada pelo Exército em São Paulo em 1969, foi uma primeira tentativa de coordenar ações das forças de segurança envolvidas no combate à luta armada e recebeu apoio financeiro de empresários

Centro de Operações de Defesa Interna

Subordinados aos comandos do Exército em cada uma das quatro regiões militares, os CODIs foram criados em 1970 para planejar e coordenar ações repressivas dos militares e das polícias estaduais

Destacamento de Operações de Informações

Os DOIs foram criados junto com os CODIs e eram subordinados a eles. A maioria dos agentes dos DOIs era do Exército, mas militares de outras forças e policiais como os do DOPS de São Paulo também participavam de suas operações

A reestruturação do aparelho repressivo deu aos militares novos recursos. O DOI-Codi tinha em São Paulo e no Rio um instrumento de tortura que se tornou célebre como a “cadeira do dragão”, em que presos eram imobilizados para a aplicação de choques elétricos. No Rio, havia uma cela para submetê-los a baixas temperaturas e outra para atormentá-los com ruídos e música alta. Sítios clandestinos em São Paulo e no Rio passaram a ser usados para interrogatórios e execuções.

As principais organizações envolvidas com a luta armada foram liquidadas em pouco tempo, com seus militantes presos, mortos ou desaparecidos. Quando o foco guerrilheiro implantado pelo PCdoB na região do Araguaia foi descoberto pelo Exército, em 1972, assaltos a banco e atentados terroristas eram coisas do passado. A guerrilha foi vencida dois anos depois, após duas violentas campanhas militares. Havia cerca de 70 guerrilheiros na selva no momento em que os combates se iniciaram. Quando tudo acabou, havia 63 militantes mortos ou desaparecidos.

O combate era desigual, como os próprios militares vieram a reconhecer. “Foi a mesma coisa que matar uma mosca com um martelo-pilão”, disse o general Adyr Fiúza de Castro, fundador do CIE e chefe do Codi do Rio nos anos 70, numa entrevista a pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas em 1993. “Evidentemente, o méto­do mata a mosca, pulveriza a mosca, esmigalha a mosca, quando, às vezes, apenas com um abano é possível matar aquela mosca ou espantá-la”, acrescentou.

As ações da esquerda armada também fizeram vítimas, mas elas não tiveram nem de longe as dimensões da matança promovida pelos militares. De acordo com um levantamento publicado pelo coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o DOI de São Paulo nos anos 70, as vítimas da esquerda foram 119, numa conta que inclui policiais e militares mortos em combate, pessoas comuns atingidas em tiroteios e casos em que a responsabilidade da esquerda é duvidosa.

Nos 21 anos da ditadura militar, houve períodos mais repressivos e outros mais brandos. Mas uma característica comum a todos foi a tolerância com aqueles que empunhavam o martelo-pilão. Em 1964, Castello Branco mandou o chefe de seu gabinete militar, Ernesto Geisel, investigar as primeiras denúncias de tortura. Ele rodou o país e voltou dizendo que não vira nada de mais. Em 1974, quando se preparava para assumir a presidência, Geisel disse a um de seus futuros ministros, numa conversa gravada na época e revelada três décadas depois pelo jornalista Elio Gaspari: “Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”.

Cinco tons de cinza

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