Sunt am, omnissit videribusam, tem et oditatibus nestia poriatent plab inum a accusti cust volor mi, cuptat veliam sequis eum Sed molorem quiasimus dolorehenet aut as et veneceris
Et faceper natur, num quaspe et aut idenit et qui rerum ea derem et voluptaturfaceper natur, num quaspe et aut idenit et qui rerum ea derem et voluptaturFoto: Lalo de Almeida
Capítulo 5
Quatro décadas de luta
A hidrelétrica de Belo Monte começou a nascer com esse diálogo corriqueiro, no ano de 1972, entre um balseiro do Xingu e um jovem engenheiro canadense, John Dennis Cadman.
Aos 32 anos, Cadman visitava Altamira após um congresso de geologia no Pará. Escolheu o passeio pela recém-iniciada rodovia Transamazônica, que bordeava a cidade, para tirar a limpo algo que o intrigava desde os tempos de estudante na Universidade Princeton, nos EUA, quando viera ao Brasil para um programa de trabalho voluntário: por que o rio Xingu descrevia aquele arco de 140 km para o leste e em seguida retomava o rumo norte para desaguar no Amazonas?
“Eu vi o rio com 4 km de largura. É muito rio”, diz o engenheiro aposentado, com sotaque ainda forte. Nas mãos, o atlas comprado em 1961 em que estudara a chamada Volta Grande do Xingu.
Muito rio, para um engenheiro, significa potencial energético promissor. Mas seria preciso verificar outra variável: haveria ali também algum desnível importante no Xingu? É uma informação essencial para quem pretende construir uma usina hidrelétrica, porque a queda d’água é decisiva para gerar uma grande quantidade de energia.
Cotas e quedas
Ao chegar de avião a Altamira, Cadman havia perguntado ao piloto qual era a cota do aeroporto, ou seja, sua altitude em relação ao nível do mar. “Acho que é 100”, foi a resposta. Na linha máxima da enchente, o rio ficava apenas 5 m abaixo do nível do aeroporto, algo que Cadman estimou descendo um barranco que separava a pista da água.
Seu plano era sair de Altamira e percorrer 50 km da Transamazônica até um vilarejo chamado Belo Monte do Pontal, logo depois da Volta Grande. O balseiro que esperava o grupo recebeu a pergunta do engenheiro com alguma surpresa. A resposta sobre a maré foi a primeira que lhe ocorreu na hora, mas, para Cadman, a intuição do barqueiro bastou para lhe dar uma pista segura.
“Estimei que [a vila] devia estar perto da cota cinco. Foi a primeira vez, então, que vi que tinha uns 90 m de queda nessa Volta Grande”, conta o homem que ficou conhecido como o “pai” de Belo Monte. Nas quatro décadas desde o diálogo, uma sucessão de acasos e o lobby dos setores empreiteiro e elétrico tornou Belo Monte uma realidade, mesmo contra a grande oposição dos índios, do setor ambiental e até de parte dos especialistas em energia.
Os estudos do potencial energético do Xingu começaram oficialmente em 1975 e demoraram quase cinco anos. Para levantar a topografia, era necessário fazer clarões na selva e tirar fotos aéreas. Quando ficaram prontos, os estudos de potencial hidrelétrico passaram a enfrentar dois problemas, um técnico e outro político.
Cadman, já então funcionário da estatal Eletronorte, tornou-se o responsável por fiscalizar o contrato com a empresa CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores), encarregada dos estudos. As primeiras duas soluções apresentadas, conta Cadman, eram tecnicamente ruins: alagavam floresta em excesso e encareciam a obra por localizá-la em terrenos inapropriados, sem a estabilidade necessária.
“No primeiro lugar escolhido, Koatinemo, saltei com um martelo [de geólogo] na mão e o pessoal falou: ‘Não precisa, que esse rocha quebra na mão.’ Eu pensei: ai, meu Deus.”
O segundo obstáculo pareceu então ao engenheiro bem mais fácil de transpor: o alagamento de parte das áreas onde viviam índios. Mas o país mudara muito naqueles cinco anos.
A novidade da ecologia
Belo Monte tornou-se o maior símbolo de um movimento que surgiu e cresceu com a abertura política: o ambientalismo, ou “ecologia”, como se dizia na época. Construir usinas na Amazônia – entre elas Tucuruí e Balbina – ao estilo dos tempos da ditadura, com graves impactos sociais e ambientais, passou a acarretar custos políticos para o governo federal.
“Na década de 1980 é que surgiu esse negócio de meio ambiente. Porque antes não tinha nada. Surgiu com a [resolução] Conama 001, de 1986”, conta José Antônio Muniz Lopes, hoje diretor de Transmissão da Eletrobras, naquele tempo um engenheiro que trabalhava com linhas de transmissão da Chesf.
Se Cadman é o pai de Belo Monte, Muniz pode ser chamado de padrinho. O engenheiro maranhense batalha desde 1985 pela usina e se exalta quando fala de sua importância para o país: “Eu dizia já naquela época que o Brasil só tinha uma alternativa, Belo Monte ou energia nuclear. Agora, tem de fazer as duas”.
Muniz, Cadman e o uruguaio Dario Gomes, então chefe dos engenheiros da Eletronorte, chegaram a uma solução mais viável só em 1988. A barragem de Kararaô seria construída pouco antes da boca do Bacajá no Xingu, para tentar preservar o rio dos xicrins, não inundar a terra Paquiçamba dos jurunas e diminuir o impacto sobre a Volta Grande. O alagamento seria de 1.200 km² a 1.500 km² (no projeto atual, o lago tem 516 km²).
Pouco adiantou. Nessa altura já estava disseminada a imagem da guerra movida pelo poderoso Estado contra um grupo indefeso de índios, uma luta de David contra Golias que atraiu atenção e simpatia em várias partes do mundo. Os políticos brasileiros que ainda se identificavam com a esquerda ficaram contra a usina, inclusive o líder do PT na época, Luiz Inácio Lula da Silva. Os caiapós ganharam como aliado um dos mais populares roqueiros da época, o britânico Sting.
Em 1989, ano da primeira eleição direta para presidente da República no país após a ditadura militar, a Igreja Católica e várias organizações não governamentais realizaram o primeiro Encontro de Povos da Floresta em Altamira. Muniz foi escalado pelo governo para defender Kararaô.
O engenheiro conta nunca ter visto tantos índios num só lugar, nem tantos jornalistas. Sua apresentação era a mais aguardada. Orientado por José Porfírio de Carvalho, um dos indigenistas mais destacados do país, Muniz conta que estava tranquilo. Tinha a informação de que os índios fariam de tudo para humilhá-lo, talvez até ameaçar bater, mas recebeu a garantia de que não iriam machucá-lo.
Foi com essa orientação que ele se manteve sereno durante as vaias e pequenas agressões que recebia durante sua fala. Muniz anunciou que a usina não teria mais o nome indígena de Kararaô, em respeito aos índios. A situação desandou quando a índia Tuíra puxou um terçado, começou a gritar e encostou a arma em seu rosto.
A imagem do facão na bochecha do engenheiro correu o mundo (Muniz guarda a capa da revista “Manchete” até hoje). No fim do encontro, perguntou se tinha ido bem. Uma antropóloga mais nova começou a chorar, narra o diretor da estatal.
Aquela fotografia serviu de epitáfio para Kararaô. Mas Cadman, o canadense, conta que os estudos pararam também por outra razão: a terceira solução de projeto para a usina ainda parecia inviável. Uma estrutura de concreto caríssima teria de ser construída para desviar o curso do rio e depois ficaria sem função. Além disso, não havia dinheiro para continuar os estudos, ao final da “década perdida” de 1980, e forjar uma solução nova, mais barata e ambientalmente aceitável.
A sorte entrou em cena mais uma vez. Cadman foi deslocado para a área ambiental da Eletronorte e, em 1992, convocado para defender a usina num seminário ambiental no Hotel Glória, no Rio de Janeiro. Para cumprir a missão de tentar acabar com a resistência ao projeto, Cadman recebeu um pacote de transparências recém-preparadas por desenhistas da companhia.
Um desses desenhos previa uma estrutura inédita na obra. Remetia ao primeiro projeto na Volta Grande, a chamada solução Koatinemo, em que um canal perto de Altamira desviaria água para a usina, abandonada por se localizar na região de rochas frágeis. Só que no slide o desenho impreciso localizava o canal em outro lugar. “O cara inventou um canal”, conta o engenheiro.
Cadman voltou a Brasília e foi olhar os mapas para verificar se seria possível fazer um canal noutro local, sem alagar áreas indígenas. Uma área de rochas estáveis havia sido identificada nos estudos, e o engenheiro canadense deu-se conta de que seria factível uma quarta solução. Kararaô começava a ganhar as feições que lhe dariam uma nova identidade e um novo nome: Belo Monte.
Recuo Estratégico
Após alguns meses de cálculos, Cadman foi chamado por Muniz: a alternativa dos canais passara a ser vista como a única capaz de destravar a usina. “Estamos botando todas as fichas nesse projeto. Não tem plano B”, Cadman lembra ter ouvido de Muniz.
Estudos foram contratados na década de 1990 para aprimorar o novo conceito, mas o país passava por mais um aperto na economia. Belo Monte, com seu histórico complicado e preço alto, parecia longe de ser prioridade.
Em 2001, com o apagão que marcou o final do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, nova reviravolta devolveu o projeto aos trilhos. Tornara-se crucial retomar a construção de usinas hidrelétricas. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência em 2002, ascenderam ao comando do setor energético, em 2003, técnicos que defendiam a hidreletricidade, entre eles a atual presidente, Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia. O dinheiro para infraestrutura começou a voltar, mas faltava enquadrar a resistência socioambiental contra Belo Monte – afinal, Lula tinha tomado parte importante nela.
Segundo Cadman, uma reunião no início de 2006 marcou a vitória dos barrageiros. Os representantes do setor elétrico se aglutinaram de um lado da sala de reuniões do Palácio do Planalto, com Dilma ao lado da cadeira do presidente. Do outro lado da mesa, os representantes do setor ambiental, liderados pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Os barrageiros ganharam de enxurrada.
Muniz, o do terçado, já tinha galgado a cúpula da Eletrobras. A resistência dos índios recobrou força. Ao tentar expor as vantagens do novo projeto, outro engenheiro da Eletronorte, Paulo Resende, viveu uma reprise do episódio de uma década antes e terminou atingido por um golpe de facão no braço durante audiência pública para debater Belo Monte, em 20 de maio de 2008.
Nesse mesmo ano, o Conselho Nacional de Política Energética autorizou a construção da usina, mas com uma condição: que fosse a única do rio Xingu. Um recuo estratégico em relação aos objetivos iniciais da guerra.
Os primeiros projetos, ainda na década de 1980, previam até cinco usinas acima de Kararaô/Belo Monte. Isso garantiria um aproveitamento melhor da energia do rio. Papel especial caberia à barragem Babaquara, pouco antes de Altamira, que permitiria acumular mais água.
Flávio Miguez, decano dos engenheiros reunidos no influente Comitê Brasileiro de Barragens, afirma que Belo Monte sempre teve um calcanhar de aquiles: seu baixo fator de capacidade. Ou seja, o fato de que só conseguiria gerar, a cada ano, menos da metade da energia que suas turbinas seriam teoricamente capazes de produzir, havendo água suficiente.
A situação só piorou com o projeto dos canais, já que o lago de acumulação ficou com um quarto do previsto nos primeiros projetos e não haveria outros reservatórios rio acima para liberar água para regularizar o fluxo. “Os reservatórios do Xingu foram eliminados, e o de Belo Monte, diminuído. O benefício a que se renunciou é superior a R$ 3 bilhões por ano, em média.”
Nem mesmo a oposição de celebridades como o diretor de cinema James Cameron e a atriz Sigourney Weaver foram capazes de reverter a decisão de Lula. O leilão de concessão de Belo Monte foi realizado em 2010.
Duas das maiores empreiteira do país, Andrade Gutierrez e Odebrecht, lideravam grupos de empreendedores que concorreriam pela concessão da usina. Semanas antes do leilão, o consórcio da Odebrecht anunciou sua desistência, alegando que o custo da obra fora por ela calculado em R$ 30 bilhões, 50% mais que a estimativa oficial da época. A tarifa máxima aceita pelo governo para a venda de energia seria insuficiente para cobri-lo.
Declaração de guerra
Após 35 anos de estudos e polêmicas, teria sido péssimo para o governo federal conceder seu maior projeto de energia sem concorrência. Entraram então em campo dois soldados do Planalto: Valter Cardeal e Adhemar Palocci. Eram os representantes diretos de duas figuras fortes da República: Dilma Rousseff, já ministra da Casa Civil e candidata à Presidência, e Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda, deputado federal, coordenador da campanha da futura presidente e irmão de Adhemar.
O reforço para a batalha de Belo Monte levou à formação de um consórcio – embrião da empresa Norte Energia – capitaneado pela estatal Chesf (subsidiária da Eletrobras) com a participação de construtoras pequenas e médias. O grupo liderado pela Andrade Gutierrez deu seu lance no leilão com um desconto baixo, de apenas 4% sobre o preço máximo. O consórcio paraestatal da Chesf ofereceu desconto maior (6%) e saiu vencedor.
O Piauí ganhara a guerra com os Estados Unidos.