OPINIÃO

A usina de Belo Monte é boa para o Brasil?

Sim - Em busca do equilíbrio

Mauricio Tolmasquim

O Brasil possui o terceiro maior potencial hidrelétrico do mundo, depois da China e da Rússia.

Diferentemente de Alemanha, Japão e Estados Unidos, que praticamente já aproveitaram todos os seus recursos, quase dois terços do potencial brasileiro ainda estão intocados, grande parte na Amazônia.

A exploração sustentável da Amazônia e a preservação de sua tão rica biodiversidade, um dos maiores patrimônios naturais da humanidade, impõem-se. Conservar o bioma amazônico e empreender seu uso sustentável não são absolutamente incompatíveis. Pelo contrário. Belo Monte e outras usinas hidrelétricas podem sim ser vetor da preservação e do uso sustentável da floresta, com a inclusão social das populações que vivem em condições precárias, sem acesso a serviços públicos básicos.

O consumo per capita de energia no país ainda é muito baixo. Hoje, cada brasileiro consome cerca de 14% em comparação com o norte-americano, ou 30% em relação ao europeu. A incorporação de contingentes da população que até então não tinham acesso a bens e serviços básicos fará aumentar em 50% esse consumo em dez anos.

Para atender a demanda, será necessária expansão considerável da oferta de energia, mesmo que se promova a eficiência energética. O país não pode abrir mão de uma fonte renovável e barata como a hidrelétrica. Se, por hipótese, fossem implantadas todas as hidrelétricas que constituem o potencial da Amazônia, o somatório de seus reservatórios ocuparia menos de 0,5% de sua área total. Apenas para efeito de comparação, terras indígenas representam 24% e as unidades de conservação, 27%. O reservatório da usina de Belo Monte ocupará uma área de 503 km² –apenas 0,01% da Amazônia.

Com potência de 11.233 megawatts (MW), está entre os projetos com menor relação entre área do espelho d'água e potência instalada. Devido às características do rio Xingu e em razão da ausência de regulação a montante, a energia média de Belo Monte é inferior ao seu potencial passível de ser explorado. Ainda assim é suficiente para atender o consumo de 60 milhões de pessoas.

Modernamente, a implantação de projetos hidrelétricos se faz mediante uma série de condicionantes socioambientais, que se traduzem em investimentos para preservação ambiental, recuperação de matas ciliares, infraestrutura, saneamento básico e abastecimento de água, saúde e educação.

Para além dos R$ 3,2 bilhões relativos aos condicionantes, os municípios da região de Altamira e o Estado do Pará receberão, ao longo do prazo de concessão de Belo Monte, cerca de R$ 5 bilhões a título de compensação financeira.

Mesmo com a inclusão das medidas socioambientais e compensações financeiras, o custo por quilowatt-hora (kWh) gerado por Belo Monte ainda será extremamente competitivo, contribuindo para a modicidade tarifária, de claro interesse para a população e para a economia nacional.

Além disso, Belo Monte evitará a emissão de 18 milhões de toneladas de CO2 que seriam jogadas na atmosfera pela geração equivalente de usinas movidas a gás (ou de até 45 milhões, na comparação com a geração a carvão). Em média, o mundo emite cerca de 500 gramas de CO2/kWh. Países com emissões de gases inferiores a 100 g/kWh ou têm base hidrelétrica, como Noruega e Brasil, ou têm base nuclear, como a França, ou ambas, como a Suécia.

O desenvolvimento sustentável requer o equilíbrio entre as três dimensões pelas quais deve ser avaliado um projeto –a social, a ambiental e a técnica-econômica–, e não a prevalência de qualquer uma delas. Belo Monte, na forma como está sendo implantada, demonstra que esse equilíbrio é a chave do sucesso.

Mauricio Tolmasquim, 55, engenheiro e economista, é presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)


Não - Inadimplência socioambiental

André Villas-Bôas

Carro-chefe do PAC, instalada em uma região da Amazônia com ausência histórica do Estado, Belo Monte é símbolo de inadimplência socioambiental. Obrigações do poder público e da empresa responsável pela construção da usina, a Norte Energia, têm sido sistematicamente descumpridas.

Apesar de a obra estar sendo planejada há 30 anos, a região atingida para receber a terceira maior hidrelétrica do mundo não obteve os investimentos e ações necessários para mitigar e compensar de maneira adequada seus impactos.

O mais caro e polêmico empreendimento do país chegou em 2013 ao pico de sua própria contradição. Praticamente 50% da usina está pronta, mas o mesmo não pode ser dito das obrigações socioambientais que deveriam acompanhá-la. O descumprimento, verificado pelo Ibama e pela Funai, não se traduz em ações corretivas. As mais graves sanções administrativas não passaram de algumas multas em valores irrisórios para um empreendimento orçado em quase R$ 30 bilhões.

Temas sensíveis à Amazônia como o desmatamento e a sobrevivência de populações ribeirinhas e indígenas têm sido tratados com descaso, sobretudo os últimos. Antes de promover investimentos estruturados para mitigação e compensação dos impactos, R$ 100 milhões foram gastos em quinquilharias consumistas para cooptar lideranças, em um padrão clientelista de relacionamento inaceitável.

Os programas de prevenção ou diminuição dos impactos relacionados à saúde indígena e à integridade de seus territórios, pressionados pelo aumento de renda e população trazidos à região pela obra, não saíram até hoje do papel, apesar de sua implantação ter sido prevista para antes do início da construção. A taxa de mortalidade infantil indígena em Altamira (PA) é quatro vezes superior à média nacional.

Se a usina ficar pronta antes de o aterro e o sistema de esgoto entrarem em pleno funcionamento –obras que estão dois anos atrasadas–, a parte do rio Xingu que envolve Altamira ficará contaminada, afetando a população da cidade.

Nesta semana, em decisão unânime, a Justiça ordenou parar a construção da usina até que fossem atendidas plenamente as obrigações socioambientais prometidas quando da licença ambiental.

Diversas vezes o governo conseguiu derrubar a paralisação da obra usando uma medida judicial criada à época da ditadura, a suspensão de segurança, que se baseia no argumento de que o cronograma da obra é mais relevante que os direitos das populações atingidas. Isso dá à empresa a sensação de estar acima das leis estabelecidas no país simplesmente por tocar uma obra considerada “estratégica”.

O empreendimento esbarra em grave conflito de interesses. A União tem participação acionária de 50% na Norte Energia. A obra é 80% financiada pelo BNDES, vigiada permanentemente por 90 homens da Força Nacional de Segurança e defendida judicialmente pela Advocacia-Geral da União. Paradoxalmente é fiscalizada pelo Ibama, órgão de governo federal.

Não existe nenhuma instância de controle social efetivo nem mecanismo independente de fiscalização. Essa blindagem é um vício de origem da implementação de obras de infraestrutura, entre as quais Belo Monte se destaca pela forma com que foi imposta à sociedade brasileira sem oitivas aos povos indígenas e com audiências públicas meramente formais, para inglês ver.

A somatória de erros de Belo Monte não pode se repetir na Amazônia. A ausência de planejamento socioambiental responsável e respeito às instituições democráticas vão na contramão de qualquer projeto de desenvolvimento sustentável.

Adré Villas-Bôas, 57, indigenista, é secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA)

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