Na Holanda, um dos partidos da coalizão governista propôs no ano passado a legalização da venda de ecstasy e outras drogas leves, ainda sem decisão.
Outro projeto, que regulamentou a produção de maconha, foi aprovado, e o plano-piloto está para ser implantado em cinco regiões do país.
Para quem já vive de vender a erva, a abertura está atrasada. “Faz 29 anos que trabalho com algo que não é legal nem ilegal”, diz Ludo Bossaert, fundador e dono do coffeeshop Paradox, um dos 164 locais em que é possível comprar e fumar cânabis em Amsterdã, dentro da política holandesa de tolerância, em que a venda da droga é ilegal, mas permitida.
Os coffeeshops recebem licença, pagam imposto e são fiscalizados. Não podem servir álcool nem atender menores de 18 anos, e a venda é limitada a 5 gramas por pessoa por dia; na loja, o estoque total de maconha não deve passar de 500 gramas.
Para quem vende mais de dez tipos diferentes de erva e atende de 400 a 600 pessoas por dia, administrar esse limite não é fácil. “Preciso ter fornecedores garantidos e muito confiáveis, já que não posso reclamar à polícia se o produto for ruim”, diz ele.
Outros constrangimentos são ter que pagar ao traficante em dinheiro vivo e não ter controle das características da cânabis. “Estávamos na vanguarda desse mercado, agora estamos ficando para trás. Legalizar a produção permite estudar as ervas, selecioná-las, vender produtos melhores. O Canadá e os Estados Unidos estão ocupando esse lugar”, diz Bossaert.
Se já é trabalhosa no Paradox, a logística é ainda mais complicada no Voyagers, coffeeshop e hotel inaugurado em 1996, que atende até 1.200 clientes em um dia.
Para manter cheias as latas das ervas sem estourar o limite de 500 gramas, o estabelecimento tem o estoque controlado por um aplicativo visível pelo fornecedor, que faz várias entregas por dia.
“A guerra contra as drogas ainda vai entrar para a história como um grande erro de percurso da humanidade”, diz o criminologista e consultor holandês Tim Boekhaut Von Solinge, cujo doutorado compara políticas europeias na área. Segundo ele, o experimento social realizado na Holanda já mostrou que permitir (ou tolerar) a venda não aumenta o consumo.
Em Portugal, a descriminalização também não elevou o consumo, e a porcentagem de usuários de drogas no país está abaixo da média europeia.
O vereador lisboeta Manuel Grillo vê ganhos na regulamentação da produção e venda de cânabis em Portugal: “A erva deixaria de ser vendida no mesmo circuito que as outras drogas, potencialmente mais perigosas”. Na Câmara de Lisboa, já há até cálculo da receita em impostos e da economia de recursos que hoje vão para a repressão ao tráfico e poderiam ser investidos em outras áreas.
O raciocínio econômico faz sentido, afirma Solinge. “A economia das drogas é uma das maiores do mundo, e está totalmente informal e imbricada no tráfico de armas, destruindo muitos países. Por que deixar esse dinheiro na mão dos criminosos?”. Segundo o especialista, já está claro que “os humanos gostam de se intoxicar às vezes”, e passou da hora de fazer isso com mais ganho para a sociedade.
O britânico Axel Klein concorda: “Estamos apenas levando adiante uma política de drogas que herdamos em 1920, sem base científica ou médica. Uma política que até hoje não teve sucesso, mas continuamos repetindo”.
A perspectiva de abertura, porém, preocupa o EMCDDA, que registrou entre 2006 e 2017 um aumento de 76% na procura de tratamento pelo uso de cânabis nos 24 países europeus para os quais há dados disponíveis. O número de pacientes toxicodependentes de maconha ou haxixe chegou a 155 mil no continente em 2017, segundo o centro.
Nos países que punem posse e consumo, mais de metade das 1,2 milhão de infrações notificadas em 2017 estava relacionada à cânabis.