Como teria sido o país sem o golpe de 1964 nem episódios-chave da ditadura militar
Ricardo Mendonça
Um desfecho possível seria a continuidade do governo Jango até o fim de seu mandato, em janeiro de 1966. A suspeita de que ele preparava um golpe de esquerda poderia crescer. Ainda mais porque, pelas regras vigentes, não havia reeleição.
Mas até hoje os historiadores nunca acharam qualquer evidência de que algo assim tenha sido planejado.
“Sem o golpe, o mais provável seria a realização da eleição presidencial que estava prevista para 1965”, afirma o cientista político Marcelo Ridenti, autor de vários artigos e livros sobre o período.
O favorito era o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD), figura que desfrutava de alta popularidade.
Outro concorrente de peso seria Carlos Lacerda, governador da Guanabara e principal liderança da UDN.
“Lacerda poderia ganhar e muito provavelmente promoveria um tipo de modernização não muito diferente da que ocorreu com os militares, talvez um autoritarismo mais civil”, diz Ridenti
O então deputado Leonel Brizola (PTB), governador do RS até 1963, poderia ser o terceiro postulante, representando a esquerda e uma espécie de continuidade do governo Jango, mas com chances menores, avalia Ridenti.
Ricardo Mendonça
Apesar de ter alimentado a ideia de que dispunha de um dispositivo militar forte e pronto para defendê-lo de qualquer ameaça, Jango e seus aliados nem esboçaram resistência quando os militares desencadearam o golpe.
Se isso tivesse ocorrido, os golpistas poderiam recuar –eles não tinham tanta segurança sobre suas possibilidades– ou ir para o confronto.
A hipótese de um combate entre conspiradores e legalistas não era desprezível. E aí iria prevalecer quem conseguisse reunir mais força militar e apoio popular.
Os EUA prepararam uma operação de apoio aos golpistas, que previa o envio de armas e suprimentos em caso de guerra civil. Mas acabou não sendo necessário.
Para o sociólogo Francisco de Oliveira, não é verdade que os militares conspiradores tivessem condições de esmagar os janguistas com facilidade caso houvesse confronto.“No primeiro momento haveria um empate”, diz.
“Depois ninguém sabe como o povo iria se comportar, mas primeiro empataria. Eu conhecia o Exército porque fui soldado. O Exército brasileiro era de nada. Os fuzis eram de 1914, da Primeira Guerra. Não atiravam, a gente dizia que era fuzil de parada: só servia para desfilar nas paradas militares”, brinca.
Ricardo Mendonça
Em primeiro lugar, a ditadura não teria passado por um dos momentos mais patéticos de sua vigência, que foi a criação apressada de um triunvirato militar para governar o país de forma improvisada, tudo para evitar a posse do vice de Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo.
A chamada Junta Militar, com um oficial do Exército, um da Marinha e um da Aeronáutica, governou o Brasil por dois meses, até a posse de Garrastazu Médici.
Para o jornalista Carlos Chagas, que atuava como secretário de imprensa de Costa e Silva, o regime teria ficado mais brando caso seu chefe não tivesse sido afastado em 31 de agosto de 1969 por motivos de saúde.
Costa e Silva havia chegado à Presidência sustentado pelos militares da linha dura. Implementou o AI-5 em dezembro de 1968. Mas, contrariando essesgrupos, já estava decidido a acabar com o ato em 1969, assegura Chagas. O Congresso Nacional seria reaberto em 7 de setembro, e o AI-5 seria extinto na sequência, diz ele.
“Os militares da linha dura queriam manter o AI-5. A Junta Militar manteve. Costa e Silva não queria entrar para a história como um tirano”, afirma o jornalista.
Ricardo Mendonça
Sim. Não há dúvida a respeito disso. Até porque a luta armada já existia, de forma incipiente, antes de dezembro de 68, a data da criação do Ato Institucional në 5.
Grupos como a Polop e o MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) já eram adeptos dessa forma de combate naquele instante.
O PCdoB começou a enviar militantes para o Araguaia em 1966. A Aliança Libertadora Nacional, grupo que depois mais avançou na luta armada urbana, fez sua primeira excursão de treinamento em Cuba em 1967.
Um dos pretextos que Costa e Silva e seus assessores usaram para a fazer o AI-5 foi a própria luta armada.
Jogavam com a ideia do “perigo vermelho”. Mas o que esses militares da chamada linha dura não diziam é que a luta armada era muito pequena naquele momento, longe de representar qualquer ameaça mais séria.
Curiosamente, também é possível dizer que o AI-5 produziu, num primeiro momento, um breve fortalecimento da luta armada. Ao fechar praticamente todos os canais de oposição, o ato acabou “empurrando” alguns esquerdistas a mais para a luta armada, gente que até então relutava em aderir.
Ricardo Mendonça
Provavelmente não. Primeira razão: a ditadura não foi criada para combater a luta armada, que até aquele momento mal existia.
Acabar com a corrupção e extirpar a influência esquerdista do governo Jango eram as alegações de militares e setores civis para dar o golpe.
Ninguém mencionava a luta armada como uma ameaça a ser combatida. O projeto inicial declarado pelos golpistas era o de fazer uma rápida limpeza moral nas instituições e restabelecer a democracia o quanto antes.
No início, diziam que haveria eleição presidencial em 1965, como estava previsto antes. Quando os militares resolveram permanecer no poder e cancelaram o pleito, a luta armada ainda era pouco significante.
Assim, se a luta armada não era a razão de ser da ditadura, não há motivo para acreditar que ela tenha tido influência determinante no seu prazo de vigência.
Segunda razão: em 1973, a luta armada nas cidades já estava aniquilada. Em 1974, sua última manifestação, a Guerrilha do Araguaia, já havia sido esmagada. Mesmo assim a ditadura ainda duraria mais de uma década.
Em 1977 houve outra onda de endurecimento. A ideia de fundo era a de “institucionalizar da revolução”, um projeto de Estado autoritário.